Duas Rosas
Elas se beijam, lindas
ao meu lado
na outra fila do cinema
A morena e a loirinha
(ambas de cabelos curtos)
numa cena inusitada
Cinema de shopping
Uma tia enfezada vira a cara
Uma outra faz com que o marido
vire as costas
Uns novinhos, mais atrás na fila
também riem
desaprovando com o olhar
enquanto articulam baixo as palavrinhas
odiosas de sempre
Logo à frente, no enorme cartaz
que alimenta a outra fila
Vejo a pose de vencedor do mocinho
[um mocinho matador, é claro]
com a arma na mão
Um filme de franquia conhecida
--extremamente violento --
na tela gigante
Esses mesmos espectadores
daqui a dez ou quinze minutos
estarão rindo dos socos
aplaudindo os tiros
comemorando as bombas
aplaudindo os tiros
comemorando as bombas
com suas pipocas no balde
sua big soda coke de litrão
enquanto uma população
de um canto qualquer do universo
é inteiramente dizimada
por lutas inglórias e políticas ruins
Eu, mais suspeito que todos
pra falar da situação
porque além de achar a guerra sem razão
a pior das histórias
ainda vejo no amor
--em qualquer de suas formas--
a coisa mais natural deste mundo
E não fosse por isso, confesso
ainda tenho um tesãozinho
especial pela coisa
Absorto na sorte da linda pintura
As rosas compartilhando cores
em batons vermelhos
alheias ao mundo
em batons vermelhos
alheias ao mundo
nessa tarde insossa de domingo
No fim, apenas despisto para não
parecer grosseiro
deixo que essa poiesis
toda me contagie
e penso
como são bem-vindas
essas novas liberdades
e como a vida ainda pode ser bela
apesar de tudo
apesar de tudo...