Ahab


Delívrios I : Moby Dick
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Ahab


Penumbra silêncio
  erma calmaria
à derradeira hora da noite
adernando as sombras como açoite
afiada lâmina da utopia

Antes que o sol assuma o leme
ainda treme, vazia em sua casa
a perna extirpada pela fera louca
mordida mastigada como se fosse nada
sugada pelo vácuo de uma imensa boca

Cismando só e sinistro sobre o convés
antes que o lume da mente desapareça
os olhos perscrutam sob o mar escuro
até que o raiar do dia aconteça

Aonde é que a coisa se esconderia
aonde caberia tamanha força
ignorada para qualquer corpo em terra
canto nenhum a albergar esse animal sozinho
nem a casa nas profundezas
do inerme leito marinho

A coisa que destrói, engole, processa
e  nada à sua frente a detém
quando falo abertamente do monstro
falo um pouco de mim também

Em que desfiladeiro profano
abandonei totalmente minhas asas
quando nos abarcou a tempestade em alto mar
e todos os homens clamavam por suas casas
eu os instiguei  a continuar

Mais, e mais
cada vez mais longe
remem, marujos, velas ao mar, homens
tocaremos de uma vez a face medonha do Leviatã
antes que as brumas se desfaçam
frente à taça nova da manhã

Para que a fera possa enfim se distinguir de  mim
remem mais fundo no amargo leito desse sal insano
aguardando o dia em que as sombras se afastem cansadas
deixando para trás o que ainda me restar de humano