Ensaio sobre o duplo
Anjo e demônio
Bem e mal
Jeckyll e Hyde
Yin e Yang
Os duplos que nos compõem, a ponto de sequer se poder pensar seriamente uma integridade, um único corpo autociente, possuindo algo unívoco a que se pudesse chamar consciência de si sem essas permanentes divisões. Como habitar com elas, entre elas, assimilando-as se a prevalência de qualquer uma, em absoluto, ameaçaria a perda completa do conjunto . A prevalência do bem não é menos pior do que o domínio do seu contrário, e isso vale para todas as outras analogias.
Essas e outras infinitas questões, presentes no coração desse que é, sem nenhum exagero, um dos filmes mais importantes da segunda metade do século XX, realçando ainda mais o genial trabalho do escritor ucraniano/americano Chuck Palahniuk, no romance de mesmo nome. Contudo, ao passo que se trata dessa obra de tal magnitude e densidade temática, resta ainda assim, até hoje, como uma das obras mais incompreendidas em igual proporção. De um lado, por não se tratar de tema palatável ou de fácil digestão para o público pop que adere em massa aos lançamentos, não chega nem de longe à categoria "bons investimentos do cinema". Mal compreendido ainda pela turma que rotula filmes considerados "excessivamente violentos", atribuindo a uma censura prévia a grande perda de não poder entrar nesse mundo fantástico. De outro lado, temos ainda, em minoria, mas barulhenta, a turma dos fanáticos, colocando o mesmo filme no espaço cult como ícone inquestionável apenas pelo show de porradaria contínua que permeia boa parte das cenas, e pelo gosto particular (advindo é claro, de uma má leitura) da apologia de formação de gangs movidas por ódio racial/social/político que infesta os grandes centros urbanos na atualidade, em alguns casos chegando-se a comparar o trabalho com a atividade de neonazistas espalhados pelo globo, o que é um imenso equívoco, diga-se.
Muito menos que o pânico todo deflagrado, no quesito violência, por se tratar de uma violência contextualizada e essencial ao desenvolvimento do tema, e muito mais que isso, se observarmos que a rigor, em momento algum o filme apologiza a simples formação de gangs, muito menos neonazistas ou alimenta qualquer ódio sectário de qualquer espécie, mas pelo contrário, atua como visceral crítico das massas descerebradas que se propõem resolver os rumos da história com as próprias mãos mas sem saber onde nem como. O filme é muito mais existencial e anárquico do que político, num sentido tradicional, embora essas leituras turvas tentem colocá-lo no mencionado patamar. O cerne argumentativo está na idéia de que um tipo especial de violência, como instrumento para resgatar uma dor-de-mundo artificialmente apagada pela civilização do consumo, seria necessária para desconstruir, num primeiro momento, o status do indivíduo soterrado sob os confortos degradantes propiciados pelo capitalismo, para só entãó, a partir daí, pensar uma nova ordem, onde alguma individualidade, com todas as suas variantes positivas e negativas, possa também vir à tona para respirar.
É um conceito fortemente Nietzscheano esse, como exposto no "Assim falou Zaratustra," essa idéia de se destruir valores para propiciar sua renovação. A conhecida alegoria do camelo-leão-criança. Valores suportados/destruídos/recriação. .E aqui a curiosidade e criatividade do livro, artisticamente levado à tela por David Fincher, que está justamente no rigor de se retirar essa proposta do campo deliberadamente coletivo, proposicional, assembleísta e partidário, para propor a violência original, como um princípio latente de vida na "destruição" de parte de si mesmo, através da luta, literalmente em confronto direto, e num segundo momento, se há confluência de vontades de indivíduos de certa forma libertos desse tipo de escravidão, uma possível inserção desses pequenos blocos para tentar mudar a ordem vigente. Aqui, talvez, a confusão que se faz, não sem interesses de manipulação, porque a partir deste ponto a obra não propõe soluções. Ela simplesmente abre a questão e põe um fim ao filme, deixando sem conclusão. As lutas corpo-a-corpo, no que não há novidades conceituais em si, mas sim no realismo cênico surpreendente utilizado para representar, com locação sempre em túneis, galerias, fundos de lojas, até desembocar no "clube" clandestino propriamente dito, são de uma beleza inusitada. /Cada lutador, simultaneamente em contato com os punhos do adversário e com a do sentida consigo mesmo são um elemento antes enfraquecido, agora reconduzido à sua potência original.
A dor, e a destruição de um determinado aspecto de si , como aparência estética bem talhada, regularidade, um certo tipo de saúde, e a aquisição de feridas de guerra, como dentes quebrados, olho roxo, rostos inchados, manchas de sangue nas golas da camisa e diversos hematomas pelo corpo são os sinais exteriores dessa nova marca. No aspecto simbólico, enquanto esse lado físico apanha e bate para se afirmar, há a quebra de um determinado tipo de "sujeito" para abrir espaço à criação do outro. Aqui, a complexidade vem ao tema quando se percebe em algum momento mais à frente, que essas duas versões moram no mesmo indivíduo. O "bonzinho" e pacífico cidadão trabalhador, regular, produtivo, previsível e extremamente organizado comprador de quinquilharias de conforto supérfluo abriga em si o terrível contraditório, o gângster terrorista que vê na destruição continuada a única razão de haver vida. A tensão do filme persiste porque não há solução à vista, e isso fica mais nítido quando surge a mulher, que é dividida por ambos. Ela, bonita e também ambígua, não traz em si, pré-definidos, seus gostos determinantes, pois pode se moldar ao gosto de cada um parceiro que com ela se relacione. Isso funciona até certo ponto, quando um dos lados parece querer dominar o outro,e surge a questão-matriz que é a razão de ser deste ensaio. Se o lado "mocinho conformado", quem sabe uma idéia filosófica do "Apolíneo" prevalecer e dominar o conjunto, o niilismo abarcará o mundo, pela incapacidade da criação do novo (novamente uma tese Nietzscheana), mas por outro lado, se o puro Dionisíaco assumir o controle, a própria possibilidade de civilização fica ameaçada, porque não comportaria a chance de agregação, convivências coletivas e por tabela, a existência de uma "sociedade", como conhecemos.
É o que mora no âmago desse filme, essa obra-prima "Clube da Luta": a idéia terrível e explorada com tanta beleza e talento de que o cultivo permanente durante séculos de uma determinada idéia de
bem foi aos poucos enfraquecendo as possibilidades inerentes à condição humana, mas sua superação embora extremamente urgente e necessária, ainda não tem vias concretas, tangíveis, e certamente quando as tiver, se tiver, isso que representa o naufrágio de um modo de vida para o surgimento do outro, certamente não virá sendo propagandeado nos jornais. Nascida para nossa época a partir dos ideais burgueses consolidados nas leis, nos costumes e na moral econômica, há mais de dois séculos que essa idéia de "bem", como ideal coletivo vem fazendo vítimas ao impor demasiado peso a ser pago pela existência social daquele animal homem que habita as obscuras entranhas do ser. Coisa que Freud diagnosticou magistralmente quando pensou a contraposição entre Eros e Civilização. Ao abrir mão das pulsões individuais mais profundas pelo status de se encontrar em sociedade e seus confortos, o homem consegue se multiplicar, criar as instituições e manter-se com mais chance de sobrevivência por conta do grupo, mas inevitavelmente uma parte do seu ser paga caro demais para
que seja alijado de sua individualidade única, sua força primal, seu pulso desenhado para estar em contato bruto com a natureza, de uma forma completamente diferente.
Percebido o problema, qual é a saída, se existe? O filme adentra esse caminho, mas como é de se esperar de uma obra de arte, e não um tratado sócio-político-econômico, não dá a solução. Visceralizar, achar as raízes , contraditar na porrada primeiramente entre eu (id, primal, individual) e mim (superego, social, o outro que me habita) a violência do soco para romper esse elo nocivo. Depois, juntando-se à vontade livre de outros que pensam e sentem no mesmo sentido, agrupando-se para fazer valer novos valores e novas regras sobre o mundo, de maneira que a velha ordem não possa novamente retornar ao poder. Uma espécie de anarquismo dos instintos como possibilidade de estar no mundo, a partir do momento de tomada dessa consciência. Como ambas as tendências habitam o mesmo ser, o primeiro conflito a ser vencido é uma dura batalha interior. Somente a partir daí, é que surge a figura do outro, que será simultaneamente o obstáculo a ser vencido, como inimigo, e ao mesmo tempo, um parâmetro de companheirismo às avessas que fará com que o desafiante tenha que crescer para superado, tornando-se assim maior e mais forte em sua vontade para contrapor-se ao adversário. O inimigo, o adversário, nesse contexto, não tem a conotação negativa que normalmente se atribui na moral burguesa, de forte vertente cristã, de "negativação do mal". Esse mal, no caso, é apenas transitório e principalmente uma metáfora da força que te desafia para que haja a necessária superação. Não é um mal essencial, mas circunstancial, menos conceito e mais atitude que deverá ser avaliado pelo resultado da ação e não, de forma puramente metafísica, por suas intenções que raramente conduzem ao que se propõem.
Tal ambiente conflituoso que surge e se instaura no filme a partir de certo momento, pretende refletir como é o mundo real, a chamada "vida aqui fora", onde a luta ao mesmo tempo é a atitude natural e esperada, mas torna-se uma luta inglória, por posses, valores ,objetos fúteis, situações e status econômicos ou sociais supérfluos cujos valores e motivação são criados e turbinados apenas pelos grupos que dominam a coletividade e impõem suas regras, sejam legais, morais ou econômicas impunemente como a "falta" a ser desejada e seguida. A prenda que se paga, nesse caso, por um mundo tão artificial derretendo dia após dia, sem dó nem piedade a superfície imposta por um planeta que sequer te pertence, um enigma pensado muito antes do seu nascimento e que cobra caro à tua própria vida por todos os mecanismos que necessitam de seu esforço para que se perpetuem dia após dia, durante uma vida inteira, enfim: esta é a situação a ser enfrentada pelo personagem, a partir do momento em que se descobre no mundo, existencial e sem escoras, mas também agora sem a necessidade de ter que se "portar bem", agir como o esperado pelo contexto aprisionante da esfera do trabalho-consumo que o atordoa e escraviza desde o nascimento.
O elemento-chave da narrativa do filme, instrumento imagético e ponto de divisão entre a ignorância e a tomada de consciência : A dor como fundamento, tese tão prezada pelos estóicos como base para uma filosofia moral: Não uma dor impossível, incapacitante, uma dor que eliminasse o corpo físico, mas uma dor administrável, de auto-imposição de pequenas torturas, saber bater mas gostar de sentir a dor dos golpes no corpo, uma dor real e não metafórica quando a luta como lugar do imaginário vira realmente a luta sangrenta de porradaria interminável pelas noites afora. Isso, por si só, contradiz a aura dos tempos modernos, onde o conforto é a moeda oferecida. Conforto, usufruto, prazer, mesmo que sejam apenas de superfície, comprados com alguns dólares a mais na conta. O sistema, para não se complicar, privilegia tudo que é horizontal, e controla e evita as relações verticais, sejam entre pessoas, sejam entre as pessoas consigo mesmas. Qualquer verticalização gera perda de tempo para a máquina, e por sujbetivar demais a ação, demandar pensamento, introspecção, necessidade do fator tempo para resolução, deve enfim ser evitada, controlada, extinta.
O filme também trabalha um outro tipo de dor, muito mais sutil e que normalmente surge como total paradoxo à versão comum, cotidiana, coisa tão conhecida pelos psicanalistas. O questionamento do altruísmo, da beatitude, do desejo de ser bonzinho apenas aos olhos dos outros, denunciando uma estratégia nessa atitude. Com a presença instigante da dor psicológica, que tantas vezes só melhora ao contemplar a dor alheia . O personagem, antes de sair da fase de ignorância, passa longo tempo contemplando a dor alheia (frequenta hospitais, clinicas de doentes terminais e acidentados etc) e é só assim que se sente bem, ao perceber que há tanta dor no mundo, mas ele ,por outro lado, e por alguma razão inexplicável, ainda não sente aquela dor toda, e se conforta com isso, uma vez que neste estágio já percebe que os confortos tradicionais não o conseguem convencer, depois que foi picado pela instigante presença do "outro" que habita em si, e que surgiu num desses pontos altos de conflito. Contraditoriamente , há um tipo de inveja que ele sente das pessoas que sofrem: ele sabe que não consegue sentir mais como deveria, porque foi terrivelmente anestesiado durante anos em sua vida profissional e tornou-se um consumidor padrão almejado pelo sistema. Sistema que continua permanentemente narcotizando seus sentidos.
Traços dessa argumentação foram também desenvolvidos com brilho inegável pelos filmes "Matrix" e "Psicopata Americano". No primeiro caso, depois da tomada de consciência no trecho famoso onde percebe as diferentes pílulas , uma azul e outra vermelha, para permanecer alienado ou vir-a-ser a possível diferença, as chances de escapatória do sistema cruel que escraviza humanos como fonte de energia resta nas mãos de um "iluminado", que deverá fazer como o herói, o trajeto da dor e da privação, revelando os méritos pessoais e autoconhecimento enquanto se aproxima do seu destino. No segundo caso, o ambiente sendo entronizado numa grande corporação onde os indivíduos sãó até capazes de matar para manter status e poder hierárquico, o protagonista, sem questionamentos de ordem moral, resolve aceitar logo o jogo, e vai agindo impulsivamente para consolidar seus instintos, sem se preocupar com a ordem coletiva ou as consequências do que faz. É como se a ética de Maquiavel, de que não importam os meios para se chegar aos fins estivesse o tempo todo presente, embora não se saiba exatamente quais seriam os fins a ser alcançados, para além da manutenção do poder em si mesmo.
Na argumentação de "Clube da luta," contudo, para o status do humano antes da transformação, há um diagnóstico preciso: a sina é ser essa espécie de criatura decadente sem rumo natural, porque a rigor, nunca fomos naturais, como comparamos com a natureza exterior, plantas e bichos, e nunca andamos sem verdades ou motivação outra que não sejam as próprias maquinações em benefício próprio, a todo momento, e isso sendo captado inteligentemente pelo sistema, transformado e devolvido como consumo individualizado , na forma de produto, seja de bens, serviços, drogas, sexo, tudo que possa causar sensações de prazer, de domínio, incitando a um tipo de felicidade. Mas não é , ao menos para alguns, um tipo de felicidade plena, porque vem e vai, intermitentemente, e é isso que acontece com o protagonista a partir da primeira metade do filme .
Depois de um processo de exaustão, onde passa a não ver mais sentido no cotidiano prensado de trabalho e alimentaçao da máquina, ele ainda não sabe o que quer para além disso nem onde chegar nem como. Daí, sem plano nem destino, porque pressente que para além dessas expectativas mesquinhas de apenas sobreviver havia um universo inteiro a ser explorado, ele projeta nesse "outro" livre , animal, intuitivo, bruto e despreocupado com questões da vida material tudo que gostaria de ser, mas não consegue. Esse "outro" nasce dele mesmo, de uma intuição pequena, que vai aumentando aos poucos até se tornar independente. O padrão original, aquilo que ele "era" antes possuía dinheiro, mas não tinha tempo, tinha comodidade mas não tinha cultura, tinha emprego mas não sentia mais o próprio corpo, num sentido físico, e isso se traduz em muitas ações compulsivas para disfarçar a verdadeira razão de tudo: vivia comprando besteiras sem necessidade porque não conseguia direcionar o desejo às suas próprias raízes e pulsões primais, aceitava disciplina excessiva e submissão exagerada no trabalho extremamente alienante porque não queria se insurgir contra um chefe babaca e autoritário, para manter o emprego; aceitava humilhação na fila do cinema porque não queria discutir com o cidadão grosseiro que passava na sua frente sem o menor respeito; e diversas outras ações que enfatizavam a perda contínua de algo que morava lá dentro, nasceu com ele, mas ele foi perdendo aos poucos, sempre Eros sendo contido por Tânatos, pelas ações tantas vezes disfarçadas nos famosos entretenimentos para adiar a morte.
Diante de tantas opções ou da falta delas, a guerra declarada, a atitude visceral contra a pacificação da vida passa a ser não apenas tolerada, mas desejada. Descoberto o mecanismo que destitui a racionalidade conformista do poder, o personagem se vicia nessa adrenalina e no movimento de "salto" para uma outra esfera. Ele e sua nova turma de amigos saem do trabalho direto para o clube onde se encontram para lutas, e cada olho roxo ou dente quebrado passa a ser comemorado como ferida de guerra. A guerra, em si, passa a ser celebrada como atitude de vida mais nobre do que o simples perecimento programado a gotas lentas seja na vida funcional, seja na vida hedonística cuidadosamente planejada pelo sistema para colocar ao seu alcance todos os bens que o capitalismo inventado há duzentos anos pode fornecer. Prossegue o filme na linha trilhada: diante de todas as opções rasas, propagandeadas pelo mundo contemporâneo, a guerra parece muito mais nobre e profunda; a guerra, apenas, com poder de revelar de uma vez o eixo real que, por detrás de tantas maquiagens, move realmente o motor da vida; propagação do caos contra a programação da vida, a destruição contra a ordem estabelecida, o vômito contra a digestão moderada e calculada apenas para nutrir novamente as células obedientes que reprogramarão o ciclo; a rebeldia orgânica e radical contra qualquer sistema político que pressuponha senso comum ou a tomada de decisões submissas à insana coletividade; a insônia contra o descanso que pretende recomeçar tudo novamente no dia seguinte; a insônia prolongada e o delírio alimentado pela falta de sono repetida; a absoluta insubmissão aos ponteiros: comer quando quiser, se quiser, dormir quando quiser, se quiser, ir e vir para onde quiser, a hora em que quiser, abolir patrões, extinguir-se os escravos de camisas bem passadas e sua enorme quantidade de horas perdidas em trabalhos perdidos diante da tela de um computador; a guerra de todos contra todos sendo único e amargo remédio contra os males da civilização. liberdade a esse animal preso, que para estar bem vivo, tantas vezes haverá pouco ou nada ao redor. é isso ou se conformar uma vida inteira nessa pacificidade artificial reconfortante conquistada á base de tanta renúncia aos instintos.
Um dos problemas dessa abordagem, conduzida com brilhantismo até aqui, é quando em algum momento ela salta do individual para o coletivo. Há um choque da liberdade necessária para o exercício invididual da existência com a liberdade do outro, que supostamente deveria ter o mesmo direito. Ora, não é fácil imaginar que apenas aqueles que sobreviverem ao ringue é que teriam o direito de realmente ser livres. O filme se embaça um pouco ao querer se estender na segunda proposta, de que uma ordem de indivíduos livres necessariamente sabe o que e como fazer para que surjam cada vez mais indivíduos livres dispostos a fazer o mesmo. Adentra-se, aqui, ao terreno das utopias , ou quem sabe, das ideologias, quando lembramos que no fundo, enquanto bandeiras, tanto o socialismo em proposta quanto o capitalismo se colocam como "libertadores" do homem. Um, porque teoricamente extinguiria os meios de produção privados, atribuindo a nova ordem aos próprios indivíduos livres, outro, porque supostamente admite indivíduos livres e empreendedores com coragem e vitalidade suficiente para se "fazerem na vida".
É a partir do momento quando, depois de se estruturar toda uma nova comunidade com esse pensamento que caracteriza um "clube de luta", e os valores passarem a ser partilhados igualmente, e a partir daí vão se formando lideranças, quadros hierárquicos, com funcionalidades, organizaçãó, disciplina quase militar. E isso vai crescendo e ameaçando ruir a própria rebeldia matriz individual que é o ponto-chave da anti-doutrinária ação contra a passividade programada burguesa, até que o protagonista percebe que precisa destruir tudo isso novamente, pelo distanciamento dos propósitos iniciais, causando ao mesmo tempo uma grande destruição do sistema . O grupo, agora fora de controle de seus líderes, fabrica tentáculos próprios e automotivados (leitura equivocada dos princípios norteadores da fundação do movimento) para a ação terrorista declarada, escolhendo inicialmente um grande prédio corporativo como objeto para ação demolidora exemplar, algo que pudesse constar como sua assinatura inconfundível para depois enfatizar sua bandeira de luta perante a mídia. /A solução final para essa tensão, obviamente sujeita a muitas leituras possíveis é que dará o tom e a fala do trabalho inteiro, e não vale a pena mencionar aqui porque seus significados são algo que precisam ser meditados e eventualmente acolhidos ou descartados por quem assista à instigante obra, dentro de seu contexto. São nobres os motivos e se justificaria de algum ponto de vista , ou tudo no final seria apenas a soma de mais um artifício pensado pelo próprio sistema, disfarçadamente, maliciosamente, para simular um ponto de pseudo liberdade qualquer fora da curva , com o intuito de dar voz parcial às insurgências locais e não explodir de vez enquanto sistema, mas sim absorver todas as formas de resistência antes que elas se tornem perigosas demais...