Baralho




Pingavam espadas e copas do teto
e seus gestos me calavam
naquele tempo
enquanto pensávamos o amanhã
amassados entre travesseiros
a ver o destino reiteradamente
embaralhar com mãos inábeis
todos os naipes

Você andava solta pela sala
descolada das coisas do mundo
leve, bela e desnorteada

Como um pouco mais cedo
rondando-me silenciosamente feito o gato
em segredo ao se acercar da presa
                                  
O rosto inchado, os olhos puxados
e  aquele etéreo halo de estrelas
a lhe enfeitar os inverossímeis sonhos
ainda mal acordados

Seu gosto envolvendo
a memória da  noite
num abraço
eliminando  dúvidas
e as ingênuas certezas
que habitaram
meus singelos traços

O futuro não era mais certo
do que uns retoques no batom vermelho
e a ajeitada nos cabelos
antes de sair à rua

Da beirada da porta
espreitando espelhos
eu via você sorrindo , por dentro
diante da própria imagem
como toda criança
que sempre vê a luz

Minhas nuvens se dissipavam
Claridade numa manhã qualquer

Coisa rara
para este espírito tão desacostumado
                                                    a sorrir

Hoje eu te vejo 
leve e bela
( porque o tempo ainda é teu amigo)
Os cabelos caindo sobre o rosto
com este etéreo e constante
halo de estrelas

Sorrindo, por dentro
mesmo nas bordas dos dias ruins
Curiosa como toda criança
que vê a luz

Minhas nuvens se dissipam
Claridade  nesta manhã qualquer






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Extraído do livro "Os Dias", (Poemas 2010-2015)