Impermanência

A um deus perguntaram
qual seria sua maldição
o peso que mais lhe atormentava a alma
Ele disse sem pestanejar: a imortalidade
porque torna iguais todas as coisas

não a iminência mas a consciência do morrer
é que restitui o valor à vida
mas isso quando o verbo bate no peito e não estaca:
Impacta sem sofismas
                   inaugurando a  autenticidade

uma morte revelada, anunciada
assumida e não mais negada
uma morte não impessoal
como as estatísticas das metrópoles
uma morte não midiática
como as narrativas policiais
que polvilham jornais
uma morte não ritualizada
morte, sim, como metáfora
desejada e natural
como signo e  ciclo

uma outra morte contínua, carregada
que insufla no peito da vida a vida
por sua mera expectativa
uma vez compreendida
Eros contra Chronos
faunos contra Thânatos
ébrios em vez de lógos

uma ebriedade
que não  ignore o passamento
mas dele faz poema
quando quebra a espinha
dos possíveis

o desenrolar das sobrevivências
é ainda o abandonar a cada dia renitente
o único projeto que revalidaria seus propósitos
minando as resistências
 (técnica da vida contra o vivo)
lenitivo cotidiano por mera vaidade
em que o vulgo se faz de nobre
quando abandona tudo que é volitivo
e  se encobre de necessidade

viver (nem sempre)
explicita o valor soberbo da morte
às vezes falseia
Não um valor em-si
mas o poder de reverberação
das vitalidades adormecidas

o belo do fruir, se há
beleza que ainda possa ser vivida
está na consciência de sua perda em breve
intensidade, fugacidade, ambas verdades
não fosse assim não seria o simples  respirar
resultado de tamanha luta interior
nem o gozo muito menos intenso
no chegar que no preparar

não teria  o pulso a força que nele se encerra
saber na flor que o vermelho da tela
quase traz em si o desbotado da queda
mas no olhar do poeta não

porque toda queda em poesia
é repleta de significado
de luto
     e magia

é queda que se reverencia

a beleza (para o poeta)
permanece mesmo depois das primaveras
porque percebe nos galhos secos
a potência da  infloração

uma ode, se ofereça então
ao poeta do porvir
ao que não se governa apenas pelo olhar
que não impede à poesia se realizar
ao espírito se embriagar
nem aos olhos despossuir

uma ode ao poeta que se perde no mundo
para saber um pouco mais de si