A descoberta do Mundo (Clarice Lispector)
O título não podia ser mais feliz pra designar o poder do texto. A "Descoberta do mundo", reunião das crônicas de Clarice publicadas aos sábados no JB, entre 67-73.
Os temas e as pegadas não têm qualquer padrão, são mais intimistas e variam entre o jornalismo e a poesia, mas vêm sempre carregados daquela conhecida visão profunda da vida e com uma extrema capacidade de observação dos detalhes mais inusitados do mundo ao redor. O que importa para Clarice, e isso inaugura um estilo literário que só encontra analogia ao movimento simbolista europeu ou o expressionismo nas artes, é que os encadeamentos de idéias e as narrativas não obedecem, como na literatura tradicional descritiva do fim do séc XIX, um requisito de lógica e arranjamento de idéias lineares. Com os sentimentos em vulcão, e com o texto extremamente intuitivo, os fatos exteriores é que passam a se agregar e articular conforme as vicissitudes do temperamento e do olhar. Um movimento que pertence historicamente muito mais à poesia do que à prosa, e foi incorporado com extrema beleza no seu traço.
A autora fala sobre tudo, desde o cotidiano mais banal da organização uma casa, seus cachorros, impressões de músicas e artistas, amizades e solidão, reflexões e análises finas sobre política numa época complicada. Clarice sendo Clarice, só que agora com mais proximidade do leitor, e deixando um rastro original para um novo conceito de crônica.
Belíssimo!