A fé que eu quero
(para Yuka : 1965-2019)
"Quando o monstro vem chegando, chegando,
e ameaçando invadir o seu lar....
-- parado aí no mêmo lugá, se não , se corrê, eu atíro..."
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o verso que destrava na praia
e sobe o morro com familiaridade
arte de artista corajoso denunciando violência
pra falar convincente que nem pipa
sinalizando o verbo em final de tarde
sinalizando o verbo em final de tarde
descobrindo a poesia lá, entocada,
onde ninguém quis ou ninguém podia ver
o garoto a garota inteligente, as vozes das comunidades
na visão de um outro Rio, quem sabe,um outro país
que anda muito longe
mas já cresce feito plantinha irrigada no coração
de tanta gente
ainda frágil, ainda débil
mas plantada, germinada
e com o sol certo, se der uma chuvinha
não é coisa de se perder a esperança
(porque você não perdeu, jamais)
porque dela dependemos não apenas nós
como indivíduos salvos por um dia
porque dela dependemos não apenas nós
como indivíduos salvos por um dia
mas todo o mundo que está em volta
que de revolta em revolta se agonia
que de revolta em revolta se agonia
como é, poeta, muito além de morrer
pelo que se acredita
como é viver
até o último instante com toda essa coragem
até o último instante com toda essa coragem
viver por tudo aquilo que defendeu
de forma brilhante
não sem provar uma fatia desse terror
não sem ter sofrido as crises, a depressão
e a dor
não sem ter sofrido intensamente
a cada dia como se fosse o dia da despedida
depois que o metal frio do sistema
te atravessou em rajadas a espinha partida
te atravessou em rajadas a espinha partida
mas não partiu os ossos das esperanças
a porra toda da violência que governa as ruas
também não te poupou
mas a potência trágica de tudo isso
tornou mais forte ainda sua vontade
de não ser mais um de discurso fácil
como o cidadão comum,
o famoso "cidadão de bem"
o famoso "cidadão de bem"
a defender a força, a porrada, a bomba
apenas para fazer bonito na imprensa
massacrando os que nada têm
sua perseverança, a fibra
a fé em não ter abandonado o sonho
quando tantos outros (também bons)
não aguentaram o tranco
e mais que tudo, essa inteligência lúcida, aberta
a rima e o verso fácil mesmo pra falar
de coisa tão difícil
o acreditar, ainda, na beleza
essa imortal delicadeza
que nos lega ao fim da jornada
em meio à incerteza
que é viver , à banalidade que é morrer
num país como este nosso
a lembrança orgânica de que nossos heróis
também sangram,
nossos heróis também morrem
nossos heróis também morrem
e diferente de antes, não mais de overdose
e sim em praça pública
lúcidos
seja intencionalmente
seja no previsível acidente
em meio à mais pura violência,
arrastados nessa cotidiana barbaridade
nossos heróis morrem , de uma forma ou de outra
mas morrem buscando a verdade