Bambu



Havia sempre um Japão ancestral dentro de cada um de nós
quando, olhos acesos, mal acordávamos pelas manhãs
já saíamos em disparada -- inauguradas as férias de julho--
um sol nascendo em cada coração
e o desejo de tomar o mundo pelos olhos
pelos ouvidos, pelos gritos
nos habitava do nascer ao poente

Caçar bambu, embaúba roxa e estilingueira
Pra não perder a viagem
bicicletas por alazões
embrenhávamos nas matas atrás
das únicas razões que ainda nos manteriam vivos
e donos dos nossos destinos:

Um objetivo que não necessariamente
se consolidava ao final, no seu palpar
(tantas vezes frustrado), mas cuja intensidade
estava na vivência do andamento : o dia
multiplicado em muito mais que as meras
vintequatro horas

Aquelas árvores elegantes, misteriosas
silenciosas em sua convicção, bosques
perfeitos de cores amarelo-pátria,
em cepos gigantescos de colmos largos,
os verdes delgados em profusão
ou contundentes fininhas e taquaras
perfeitas para a pesca de lambaris

Sem muitas provisões em bolsos semivazios
Bebida era laranja, comida era manga, cajá, goiaba
mais tarde, quando a missão se concretizava
bambus eram pipas, embaúbas eram gaiolas
e alçapões ,
                 o mais eram histórias do caminho

Sempre um Japão dentro de cada um de nós
quando  retornávamos em segurança à casa poente
cheios de arranhões, coceiras, banhos de rio
canivetes perdidos na estrada, pneus de bicicleta
furados e os rostos rubros como o sol japonês

Na volta, eu parava sempre no bambuzal
enquanto os outros iam na frente
com as barulhentas bicicletas na
estrada de terra

Eu entrava bem no meio do bosque de bambus
girando entre os longos caules amarelos
olhava para o alto e ia ficando tonto
até cair de costas sobre o maço de folhas secas

Era quando tudo o mais se suspendia no tempo
E um silêncio absurdo devorava os pensamentos
Ouvia apenas aquele solo de vento soprar
um crescendo em variações melódicas de metal
O canto resvalando sobre
as pedras do rio
nas tardes de julho com frio
Flautas de pã em entorpecentes melodias

Havia alguma coisa naquele bosque havia
Algo além daquela melodia