Cidades Invisíveis (Italo Calvino)
Esta é da série "confessionário", respondendo a uma pergunta virtual: se fosse pra você ter escrito algum livro extraordinário nesta vida, qual seria? bom, eu queria ter escrito "As Cidades Invisíveis", de Calvino. Porque é uma obra-prima do gênero literário que mais gosto, porque o autor é fantástico, com perdão do trocadilho, e porque se os relatos originais de Marco Polo, descobertos pelas bibliotecas da vida ainda lá atrás, quando eu era garoto, já traziam tudo de maravilhoso e surpreendente de que uma imaginação é capaz, sua apropriação por Calvino e a reinvenção do olhar é uma das coisas mais bonitas que já foram escritas. Uma arquitetura de sonhos posta em linguagem generosa que nascimorre para dar conta da densidade de um livro e do rarefeito mundo ao redor. Palavra que brilha enquanto se move, tocando todas as coisas que ainda não existiam antes dela.
Calvino reensina o poder do imaginário, o deslimite da escrita testemunhando o outro lado de ser humano. Sim, porque somos inegavelmente esse conjunto de tragédias e tristezas, guerras e propagação da fome e da peste sobre nós mesmos e sobre o mundo ao redor em boa parte do tempo. Mas somos também, a um olhar mais atento e com uma pitada de otimismo, algo de potencial sublevação contra qualquer destino matematicamente calculado em desesperança. Temos essa variável capacidade de mudarmos a nós mesmos, seja coletiva ou individualmente, somos o imprevisto que se enternece, a tenacidade que se compadece e uma certa capacidade de, em momentos no entre-guerras, revermos nossos próprios atos, criarmos novos mundos tantas vezes a partir do nada.
E esse "outro lado" que nos torna mais humanos --ou quem sabe, na verdade nos torna menos humanos e essa distância da humanização, num sentido tradicional, é a verdadeira virtude e o que nos poderia salvar? ser menos humano e mais planta, mais bicho, mais natureza, enfim? Aprender a ser mais "o outro" do que si mesmo? seja como for, nada disso brotaria no deserto do real sem o imaginário, isso que tem de sobra num grande autor e num livro para o qual não encontro definição, nem hoje nem tempos atrás, quando li pela primeira vez.
"As Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino. As possibilidades da fala entoadas na história de um mundo que o olhar é capaz de desver para dar sentido muito maior àquele outro mundo, que está sempre a se criar.
Calvino reensina o poder do imaginário, o deslimite da escrita testemunhando o outro lado de ser humano. Sim, porque somos inegavelmente esse conjunto de tragédias e tristezas, guerras e propagação da fome e da peste sobre nós mesmos e sobre o mundo ao redor em boa parte do tempo. Mas somos também, a um olhar mais atento e com uma pitada de otimismo, algo de potencial sublevação contra qualquer destino matematicamente calculado em desesperança. Temos essa variável capacidade de mudarmos a nós mesmos, seja coletiva ou individualmente, somos o imprevisto que se enternece, a tenacidade que se compadece e uma certa capacidade de, em momentos no entre-guerras, revermos nossos próprios atos, criarmos novos mundos tantas vezes a partir do nada.
E esse "outro lado" que nos torna mais humanos --ou quem sabe, na verdade nos torna menos humanos e essa distância da humanização, num sentido tradicional, é a verdadeira virtude e o que nos poderia salvar? ser menos humano e mais planta, mais bicho, mais natureza, enfim? Aprender a ser mais "o outro" do que si mesmo? seja como for, nada disso brotaria no deserto do real sem o imaginário, isso que tem de sobra num grande autor e num livro para o qual não encontro definição, nem hoje nem tempos atrás, quando li pela primeira vez.
"As Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino. As possibilidades da fala entoadas na história de um mundo que o olhar é capaz de desver para dar sentido muito maior àquele outro mundo, que está sempre a se criar.