Absurdo e Caos

para Albert



Em meio a tantas tragédias
ainda o erro herdado de admitir os primórdios
como intocado paraíso
que em algum momento ruiu

O remédio, a ciência, as crenças
tudo é um tipo de erro planejado
para se forçar a fé na vida
fazendo do sentido a única razão
e da razão o único sentido

O erro
de se imaginar o passado como bem
o devir como o mal
cultura e herança em nossas mãos de ocidentais
por conta da nostalgia de uma infância coletiva
(que nunca houve, isso é bem verdade)
no princípio dos tempos
onde todos se amavam e se davam as mãos
por todos os cantos do planeta
até o momento da queda

A  verdade é, não apenas Antropofágica
[porque nada há no homem de tão especial
a esse respeito]
mas sim um contínuo fluxo de apropriação
da vida, indistintamente, por nossa raça
Fagocitamos tudo ao redor
como amebas ensandecidas
Temos a força e nunca
sabemos o que fazer com ela
seguimos por equívocas veredas

O erro
de ainda se iludir por conceber
que a vida em algum momento
pudesse ter sido alguma outra coisa
que não absurdo e caos
governando o imo dos entes
ou mesmo fora, no relato de exterioridades
pelos  cantos mais escondidos
da Terra

No alto do monte mais isolado
onde só o vento dá sinais de vida
e aonde monges serenos e meditativos
simulam ter algum controle sobre o fado
quando na verdade, são roídos por dentro
pelos mesmos tipos de problemas,
pelas mesmas úvidas
as mesmas doenças e a falta de sentido
que assola a todos nós aqui embaixo
no retumbar das marés cheias

Pare e ouça, pare e veja:
está por toda parte
Chegue aos olhos uma gota de sangue
ou de água de poça no microscópio
Deixe uma fruta ao tempo
Ou um pedaço de carne exposta
que logo estará podre, repleta
de vidas em constante atribulação

Levante uma pedra grande do jardim
e raspe o húmus para ver o que há
O fervilhão de criaturas se digladiando
por conta de um instinto maior
uma força que não se nomeia
mas permeia tudo o que vive

Uma potência que age tantas vezes
sem qualquer direção
mas  cujo poder ninguém duvida

A ordem de tudo é efêmera,
e só aparenta aos olhos seus propósitos
Não há qualquer serenidade
sob os seres
e toda racionalidade, essa crença
é apostar no absurdo maior
(este, de dizer que não há absurdos
e existe em algum lugar um sentido redentor)
a fé despropositada de que a lógica vencerá
permeada eventualmente
por respiros passageiros
de uma outra coisa qualquer
a que denominamos ordem
verdade civilização

Todos partículas em desatino, somos
como a suposta ordem inabalável do mundo
e qualquer tentativa de amarração
é fadada ao fracasso
Porque não é o sentido que
precisa existir para dar motivo
A vida é, a despeito de qualquer sentido
E, se não há sentido, existem mesmo
lá fora, aqui dentro,
apenas o caos e o absurdo
e que, por puro paradoxo, são
a própria normalidade do mundo
Não celebremos, pois, coletivamente
a morte de uma paz que não houve
a perda de um paraíso figurativo
e poupemos o choro exagerado
como se o mundo fosse pior hoje
que há três ou cinco milênios
porque não é
Nós é que sabemos mais
sobre muito mais coisas
mas conhecemos menos
em profundidade sobre tudo
ao redor
Há apenas três caminhos
para  a diferença
a anulação, a revolta e a arte