As faces da selva
I.
Falar com os bichos
em sua própria língua
Falar com os bichos
em sua própria língua
tratar rio feito irmão
fruir da lua
como quem incensa a memória
de um antepassado
Sorrir sol
relevar o ouro
deitar na chuva pelado
colecionar besouros
relevar o ouro
deitar na chuva pelado
colecionar besouros
Dormir em árvore, brincar na lama
avocar passarinhos
até se tornar um
Inventar cores
num cocar de plumas
vestir-se de plantas
Dialogar com o corpo
e descobrir seus traços
Transcender o indivíduo
Encontrar na floresta
o divino abraço
Inventar cores
num cocar de plumas
vestir-se de plantas
Dialogar com o corpo
e descobrir seus traços
Transcender o indivíduo
Encontrar na floresta
o divino abraço
Desentender a desgraça
que veio a ter com os navios
desentender as razões
das muitas coisas
das muitas coisas
que não se justificam
II.
Ansiar pela eterna noite
repudiar o dia
impor a própria marca a ferro
no rosto das coisas
no rosto das coisas
ceifar alegrias
Matar a vida pra não precisar ver
juntar as tralhas
pra não precisar ser
viver de migalhas
Trucidar as diferenças
para produzir
injetar o veneno comezinho
no veio mais profundo
Aniquilar o mundo
e conhecer a própria sorte
pelas tripas
Sombrear os mares
clarear florestas
defecar nascentes
vomitar terras
Espalhar as pragas
(dentre elas, a loucura)
que não moram
só nas armas,
nos gestos
nem no simples matar
toda vida que surge
entre os elementos
toda vida que surge
entre os elementos
A doença que está em outro lugar
mais perto, arraigada, sufocando:
a loucura que já nasce dentro
mais perto, arraigada, sufocando:
a loucura que já nasce dentro