O bosque





"Yo no lo creo en brujas, pero que las hay, las hay"
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Na tarde calma, calada, comum
de costas, a cabeça
mergulhada metade pra dentro
metade pra fora
d´água

a lente espelhada da lâmina líquida
miríade de cores que eu nunca vi

deslizo as mãos pela porosidade das pedras
leio em Braille, sem saltar parágrafos
na parte baixa, o limo em sua barriga

--as pedras,
frias, frios, o verde pegajoso
o que quer que elas tenham testemunhado
se pega em mim

e a vivência das eras
se transcreve em meu pulso
histórias de amor, guerras

tragédias, campos em flor
muito riso, muitas lágrimas
doenças e nascimentos

[todo sentimento
um dia passa por um rio]

sem som, a não ser o riacho
ouvidos silentes para o mundo
acolhidos pelo rumorejar
de cachoeira em lençol de regato
--acho que vi uma coisa, movendo-se
contra o saibro azul do céu

territude que me invade
levanto a cabeça
ainda sedento
ainda cedo demais

resina de pensamentos
exsudando dos caules
queria beber tudo que na vida há

--água,
       sede intensa
               que nunca se acaba

(artes de Pã?)

toda fonte uma ninfa
todo bosque uma moira
toda praia uma sereia

aquela pedra não estava ali
ainda há pouco
a árvore bojuda perto da borda
também não

a tarde
    calma
          calada
              comum

curando o veneno na pira de areia
venta, mas as agulhas dos pinheiros
não se mexem

enxergo melhor agora
depois do mergulho
as coisas me vêem
como sou?

o medo de usar a palavra EU
e perder, assim, um outro
sentido para o mundo
uma força que me perpassa
mas não é minha posse

a velha da pousada, ela disse uma coisa
sobre as pequenas pilhas de pedras

somem as chaves, some celular
somem os tênis, o lanche também
deito-me novamente
fecho os olhos por um instante
de costas, meio mergulhado

gritaria zumbizando o ouvido interno
zimmmmmmmmmmmmmmmmm
mas não há nada ao redor

há uma idéia de paraíso aqui
edênico, eu o próprio Adão
sendo testado em minhas finitudes
pelos pequenos elfos da floresta

fecho os olhos, há movimentos
que são interrompidos
quando eu os abro novamente

os objetos desaparecidos voltam
ao mesmo lugar,
anímicos em me ludibriar
(risadas )
seria Oberon?

deito
e de onde estou, as árvores parecem
de cabeça pra baixo. Paz
uma sensação que me invade
um pássaro  voa sem bater as asas
ponteando os brotos de pinheiro
objetos a que se põem os olhos
sem conseguir ver

quando a vista se firma,
eles já não estão lá
o mundo é um outro
por trás de uma lâmina
d'água

o frio úmido cobrindo meu corpo
líquido livre cristalino
há muito canto de pássaros
mas não vejo nenhum
a essa hora da tarde
o vento assobia forte
o topo das árvores
não se mexe

o cheiro remanesce
imanente presença sem se tocar
uma textura, uma cor de pele
uma fala sem palavras , no ar
os grandes olhos da floresta
olhos de tudo ver, olhos de tudo saber
(mesmo quando brincam)

a resina dos pinheiros e eucaliptos
me queima o nariz, o incenso
me reacende os pulmões
desfibrilando vida por entre as folhas
vem o sol me lamber a cara :
o pulso  permanece