Filosóficas I (Kant e a coisa-em-si) Pequeno tratado de Antimetafísica
A contemplação:
chave ancestral
para o mecanismo de olhar
Cansar de espiar
mudar o ângulo, às vezes
pegar um pedaço da coisa
nas mãos
Uma folha, um galho, uma foto
um cheiro, uma memória, um fato
embeber-se do momento vivido
seja o agora, seja o passado
seja o mero delírio
O mar revolto em dia de ressaca
o vento forte no topo das árvores
ou a paradeira do ar, sem nada
pra assombrar
As geométricas carreiras de formiga
A fórmula matemática dos cupinzeiros
A civilização escondida no reino das abelhas
O ninho desabitado de passarinho
que cai do pinheiro depois da tempestade
Um topão do pé na ponta da pedra
de fazer ranger os dentes
A gritaria da criançada no parquinho
como se lhes houvesse sido decretado
o último dia
A ingênua ilusão da mente
ao se atribuir o poder de sugar
das coisas sua quintessência
Quando, na verdade,
projeta-se sobre elas
e vê apenas o que os olhos
atribuem
Sofremos a pulsão do mundo
a centelha no estímulo da cor
a pimenta e o doce no paladar
o tranco no cavalgar
Mas o que sabemos delas (as coisas) se forma
nas impressões, na sua manifestação
aos sentidos, e não num laboratório fechado
onde seus conceitos de ser restam
depositados , esperando para serem
apropriados
[Platão era um anti-poeta a negar a verdade
quando dizia fielmente persegui-la ]
Isso assassina
a sombra das metafísicas
põe em suspenso a ciência
mas não mata a poesia
que se alimenta
da fenomenologia do instante
Quando a intencionalidade do som
copula com a materialidade do mundo
para produzir a palavra
Talvez aí mesmo é que ela se crie
pois a arte é que dá o valor
no exercício contínuo do artista
em se aproximar
do mundo
-- abstraindo-se a pretensão de explorá-lo
em suas causas últimas, de dizer o que
ele é --
Deixando
de ser filósofo
deixando de ser cientista
ele torna-se e permanece artista
(ainda que se valha da filosofia e da
ciência, qualquer saber, como instrumental)
porque seu objeto releva a necessidade
de definição do mundo, para moldar-se
na criação de um outro mundo
A arte que pinta, esculpe, verbaliza, musica
versa e dança, cria multiversos paralelos
como forma de expressar a nossa interação
com as coisas, e não para dizer nada em absoluto
a respeito delas
Vibramos junto com a coisa
estabelecemos suas hipotéticas
inter-relações, ou , mais
nós as trazemos para o nosso lado
inteiramente albergadas
por nossa força-de-doar sentido
(e nesse sentido, tudo é subjetivo)
Deixar-se impactar pelo seu objeto
seja ele um torrão seco nas mãos
o esqueleto de um pássaro decomposto
a paisagem úmida que desembesta
pela janela do hotel
a noite na cidade, incomunicável
em artes de passatempo
os corpos dos outros, pelas ruas
passando pelos nossos
na velocidade da luz
Estabelecer entre as coisas e situações
relações
que não obedecem a nenhum
padrão em si mesmo
torcendo a língua pra falar
É nisso que reside, enfim
a malícia de uma criança a brincar
sem ter em mente o próprio estratagema
é nisso que reside
a intenção-poema
Esqueçam a vazia audácia
de tentar conhecer a coisa
não porque ela não se dê a conhecer
(Kant)
Mas porque a coisa mesma não existe
(Nietzsche):
´
É o que faltava dizer
(Deleuze)
chave ancestral
para o mecanismo de olhar
Cansar de espiar
mudar o ângulo, às vezes
pegar um pedaço da coisa
nas mãos
Uma folha, um galho, uma foto
um cheiro, uma memória, um fato
embeber-se do momento vivido
seja o agora, seja o passado
seja o mero delírio
O mar revolto em dia de ressaca
o vento forte no topo das árvores
ou a paradeira do ar, sem nada
pra assombrar
As geométricas carreiras de formiga
A fórmula matemática dos cupinzeiros
A civilização escondida no reino das abelhas
O ninho desabitado de passarinho
que cai do pinheiro depois da tempestade
Um topão do pé na ponta da pedra
de fazer ranger os dentes
A gritaria da criançada no parquinho
como se lhes houvesse sido decretado
o último dia
A ingênua ilusão da mente
ao se atribuir o poder de sugar
das coisas sua quintessência
Quando, na verdade,
projeta-se sobre elas
e vê apenas o que os olhos
atribuem
Sofremos a pulsão do mundo
a centelha no estímulo da cor
a pimenta e o doce no paladar
o tranco no cavalgar
Mas o que sabemos delas (as coisas) se forma
nas impressões, na sua manifestação
aos sentidos, e não num laboratório fechado
onde seus conceitos de ser restam
depositados , esperando para serem
apropriados
[Platão era um anti-poeta a negar a verdade
quando dizia fielmente persegui-la ]
Isso assassina
a sombra das metafísicas
põe em suspenso a ciência
mas não mata a poesia
que se alimenta
da fenomenologia do instante
Quando a intencionalidade do som
copula com a materialidade do mundo
para produzir a palavra
Talvez aí mesmo é que ela se crie
pois a arte é que dá o valor
no exercício contínuo do artista
em se aproximar
do mundo
-- abstraindo-se a pretensão de explorá-lo
em suas causas últimas, de dizer o que
ele é --
Deixando
de ser filósofo
deixando de ser cientista
ele torna-se e permanece artista
(ainda que se valha da filosofia e da
ciência, qualquer saber, como instrumental)
porque seu objeto releva a necessidade
de definição do mundo, para moldar-se
na criação de um outro mundo
A arte que pinta, esculpe, verbaliza, musica
versa e dança, cria multiversos paralelos
como forma de expressar a nossa interação
com as coisas, e não para dizer nada em absoluto
a respeito delas
Vibramos junto com a coisa
estabelecemos suas hipotéticas
inter-relações, ou , mais
nós as trazemos para o nosso lado
inteiramente albergadas
por nossa força-de-doar sentido
(e nesse sentido, tudo é subjetivo)
Deixar-se impactar pelo seu objeto
seja ele um torrão seco nas mãos
o esqueleto de um pássaro decomposto
a paisagem úmida que desembesta
pela janela do hotel
a noite na cidade, incomunicável
em artes de passatempo
os corpos dos outros, pelas ruas
passando pelos nossos
na velocidade da luz
Estabelecer entre as coisas e situações
relações
que não obedecem a nenhum
padrão em si mesmo
torcendo a língua pra falar
É nisso que reside, enfim
a malícia de uma criança a brincar
sem ter em mente o próprio estratagema
é nisso que reside
a intenção-poema
Esqueçam a vazia audácia
de tentar conhecer a coisa
não porque ela não se dê a conhecer
(Kant)
Mas porque a coisa mesma não existe
(Nietzsche):
´
É o que faltava dizer
(Deleuze)