Phosphorus






no susto do como-é-possível
mais rápido mais sutil
que um estalar de dedos
uma leve caixa oca de madeira
o desenho estranho na superfície
dentro apenas aquelas finas alminhas
quarenta hastes enfileiradas
as cabeças tingidas de tinta vermelha

centelhas contidas em potência
tiras de fogo inusitadas
ao riscar do céu tardio
dois corpos em atrito
formando uma terceira coisa
em estado indeterminado
(nem sólido, nem líquido nem gasoso)

zombando das formas da matéria
passeando entre a vida e o além
o sorriso na cara de quem a contém
uma pequena e leve caixa oca de madeira
a reverberar neandertais meninos
saltando ao redor de fogueiras
em resguardadas cavernas ancestrais

o furto e a fuga, ao primeiro descuido
pequeno Prometeu a roubar a honra dos deuses
testemunhar sozinho aquele milagre
debaixo dos pés de manga
entre cerrados arbustos de pitanga

-- a caverna particular --
e sua decoração temática:
um canivete sem corte
um estilingue torto
bonecos de plástico
caixas grandes de papelão
pequenos ícones de madeira

risca palito pelo prazer de ver queimar
bota fogo em graveto mas não pega
bota fogo na caixa inteira pra ver como é que é
bota fogo em papel , incendeia folha seca
bota fogo em matagal, --menino, capeta!
vai queimar o pasto inteiro! --

a boca aberta diante da fogueira
vontade atávica de pular, cantar,
tornar-se pppphóssssssppppphorusssss
as chamas do papelão começam baixo,
dedos finos de fogo
tocando aos poucos o mato ao redor
logo tudo é pira, em altas labaredas
os olhos guardando o calor

não tardaram as explicações na escola
a insatisfação por aquilo tudo
que não preenchia, não dava conta
de philosophar no latim de phósphorusss
não é química de átomos
não é deformação de elétrons

é phosphoruss, diga assim

ffffffffósssssssssssssssssss
fffffffffffffffforo

a beleza do nome  incandescia aos ouvidos
recendia a cheiro de primeira mão queimada
reboava trovão depois de raio no céu preto
faísca vermelha incendiando a madeira
ao sinal do som que traduzia o fogo

havia, ora se havia
uma outra coisa ali
muito além de qualquer teoria
era possível à voz -- uma vez --
dizer a coisa?

era possível
aquela pequena fogueira de segundo
iluminando a concha da mão
e o cheiro bom-mágico-chinês
da pólvora povoando o nariz
com o enxofre dos submundos

cigarros roubados na cozinha
os olhos queimando com o fumo
as trevas cedendo por um triz
o âmago de suas tramas

no relâmpago revelador das coisas
a fagulha do instante iluminando
um pequeno rosto no meio do mato
a escuridão a se despir, aos poucos
pelos dedos daquela pequena flama







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poema editado , publ orig mai-2019