Raquel

Todo o resto igual
A cara cinzenta do prédio velho
constantemente repaginada
para parecer mais novo
O estacionamento mal ajambrado
em frente, que nunca dá conta
nesse caos que governa a urbe
Os ambulantes tentando a vida
no desespero claro em uma clara
manhã de sol
A correria ditando o ritmo
dessa coisa indizível que
é a cidade
O ar-condicionado gelado além da conta
como se não existissem as contas
de luz pro povão pagar
O elevador modorrento
sempre com gente demais
perto demais
Mas hoje a moça da limpeza não está
Raquel saiu, neste novo contrato
junto com um monte de colegas
Há outra pessoa em seu lugar
O uniforme é outro
a fisionomia também
Assim como os salários
reduzidos pelo impacto
dos novos tempos
Assim como o aspecto
desses novos empregados
A garota do elevador
as duas meninas da copa
e os vigilantes
todos com semblante
mais triste, mais sofrido
desbotados
ou dotados de uma alegria
artificial no sorriso
que alguns ainda exibem
O sorriso nervoso de quem
conseguiu um trampo qualquer
no último segundo da prorrogação
apenas pra não morrer de fome
ou deixar faltar aos seus
A tristeza terceiromundista de saber
que ha´sempre alguém disposto
a fazer mais por menos
Raquel vai fazer falta aqui,
é claro, seu jeito comunicativo
e uma vivacidade ingênua nos traços
tão nova, já avó de dois pirralhos
Ela, com seus bichinhos de bordado
e aquelas coisas que a gente usa
pra pendurar no espelhinho do carro