Ode aos Mamilos




Mamilos! o doce da letra quando vem à boca seca
Espetados e guerreiros, lisos e tranquilos, mamilos!
Palavra de guerra em um planeta que gira invertido
e tanto mais a história eriça quanto mais se tenta proibi-los
Seja a imagem que contagia o olho ou o atrito sem pelos
na concha das mãos mamilos! a revolução em dizê-los
Contra quem  teima em escondê-los, uma contradição
não defendê-los ante a lógica do sistema corrosivo
que premia os bandidos e manipula os desejos
Ante a claque binária das telas de cristal líquido
A necessidade de desviar a seiva de tudo  que é vivo
para engordar as hordas de trabalho nocivo
Melhor que censurá-los, não seria lambê-los?
Mamá-los, a melhor forma de senti-los?
Mamilos! outra proibição em rede por exibi-los
Por que não mordiscá-los, levemente e sentir a corrente
alimentando outros riachos a deslizar por dentro ao
mesmo tempo em que abrimos e fechamos os lábios
O som nasal da saudosa língua-mãe a lembrar
a mais tenra infância, quando sem sequer
saber mais nada , aprendíamos a esperança
chupando com sofreguidão a delícia da saída imprevista
(fórmula mais bonita e otimista) contra o reino das trevas
O instinto da sobrevivência, mami-los
Delicados, guardados, contra a vontade contidos
Incompreendidos, às vezes, sobretudo quando lá fora
nesse lugar que agora se convencionou chamar mundo
nem por um segundo se pode exibi-los sem que
o maior dos escândalos se abata sobre o mortal
A proibição da fotografia em rede social
herança de puro ascetismo vão e mofino
Negando o animal, o espírito ganharia tino
ou os instintos, sufocados, sem saber o caminho
soariam como Minotauro em seu labirinto?
Se acaso faz frio, a  escarpada sugestão do relevo
tanto evoca o temporal, uma sugestão, um flagra
o delicioso descuido do jornal, mamilos
Gloriosos apaziguando a fome dos filhos
Atrevidos, se lhe roçam  de leve os cílios ou
quando não há nada mais para contê-los sob a
leve blusa, no momento em que -- debaixo de chuva
súbita na tarde -- sem qualquer proteção,
a pele se cola no tecido de um corpo em erosão
Suas pontas ásperas se atiçam como a denunciar
os  poros e aréolas em revolução; quem sabe, mais,
celebrar ao se contraírem, o próprio frio da ocasião
Nascidos para justificar o belo e  alimentar  as crias
de qualquer idade, gênero, cor ou nação
Doces sortidos, sabores coloridos quando se usufrui
ou apenas para dar prazer ao corpo que possui
Como pedir-lhes para serem algo assim comedidos
se o seu sentido está na essência no transbordo
Na conquista à morte em maior pulsão de vida
A potência que vibra lembrando às avessas
A medida da barbárie que, como cárie, nos arruína
por dentro a cada momento em que o monstro moral
vai legislando e engordando às nossas custas
Esse monstro que depois que cresce jamais se assusta
nem se envergonha de perpetuar a lógica medonha de uma
infelicidade: tentar convencer toda a cidade de que
será sempre mais natural, permissivo e recomendável
celebrar, em vez de qualquer corpo saudável ou o
prazer simples e gostoso de estar vivo para caminhar
as armas em seu lugar, caveiras e fantasmas
de paletó e gravata, uniformes militares a desfilar
castigando velhos professores mastigados em sala
As minorias trucidadas em horário nobre de jornal
o normal, -- como se fosse -- tudo que é antinatural
Quem sabe sangue, quem sabe fel, quem sabe bombas
com uma pitada de mel e todo ódio pra temperar
Mamilos, a delícia de uma palavra que flutua na boca
em sua própria pronúncia, e a bem da verdade, está
pouco se lixando (sentido figurado) para as denúncias
que insistentemente a pretendem limar de nossa história
quando o mais sensato seria lamber (sentido literal)
esses delicados retratos da mais exuberante vitória
da vida, coisa tão rara, contra a áspera natureza inglória
A beleza na testa de uma certeza que dificilmente
erra a fórmula quando se põe, feliz,  a direcionar
o corpo, este sensível ente diante de tão simples linguagem
mesmo quando se complexa porque não percebe a malícia
Avesso aos discursos de ódio, avesso à trava que o deprecia
a mesma fala que aplaudia em horário nobre as sevícias
hipócritas a adularem os pobres com palavras vãs, e antes
que surgisse a manhã, trazendo em seu bojo notícias deletérias
outro massacre de índios,
mais uma coleção de misérias
a extinção de escolas
a proliferação das esmolas enquanto o cadafalso não se abre
e ao corpo segue  proibido encantar-se de seu próprio milagre

era tão fácil de entender
mas custou pra revoltar
mamilos não se pode dizer
mas índios se pode matar
mamilos não se pode mostrar
mas armas se pode vender
mamilos é ofensa à moral
violência que é lei pra valer
atirar nas cabeças com FAL
o pensamento se pode prender
os rios se pode extinguir
mamilos tem que se proibir
mamilos não se pode falar
não se informe às crianças
não se revele às moças
(jamais às senhoras)
os toques, as técnicas
as noções de prazer
a justiça se deve esquecer
a miséria se pode sentir
a arte se tem de varrer
as armas se pode postar
a ciência é que tem que cessar
o ódio é que se tem de  parir
ignorância é pra compartilhar
mamilos, não. porque são proibidos
um trabalho de artista, erigi-los

Ainda não conseguiram extingui-los

                                  os mamilos





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Para Zuckerberg
em memória de todo tipo de censura