"A Fita Branca" (Michael Haneke)

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“Tenho a sorte de poder fazer filmes e por isso não precisar de um psiquiatra. Posso transpor os meus medos e problemas para o meu trabalho. É um enorme privilégio. Esse é o privilégio de todos os artistas: poder transpor sua tristeza e neuroses para criar alguma coisa.” —Michael Haneke
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"A Fita Branca", grande obra desse mestre do cinema, perscrutando uma ferida antiga dentro da sociedade alemã, ainda antes da segunda grande guerra, localizando e diagnosticando no tempo o exato momento onde as condições minimalistas de base moral foram fincando suas raízes nas instituições, tudo muito difuso, silencioso, reprimido, criando um clima favorável ao surgimento e aceitação futuro da doutrina nazista, o não-questionamento das ordens, a descerebração, o fundamentalismo "cristão"-ariano que, aliado a uma distorção da ciência tornada verdade pela massiva propaganda, avassalou o planeta com seu ódio e sua capacidade de planejar e difundir o mal.


A analogia numa leitura com o atual alastramento visível e assustador das religiões fundamentalistas por todo o hemisfério sul, o perigo que isso representa e a desgraça política, científica, artística, existencial enfim, que caracteriza. Talvez o maior retrocesso humano nos últimos duzentos anos, desde a Revolução Francesa, que pôs fim acertadamente à clássica e funesta mistura entre religião e poder político.


Não se fala mais, no dia de hoje, das brigas legítimas entre correntes e doutrinas partidárias, democracia, monarquia parlamentar, liberalismo, socialismo, nem mais se busca à luz de alguma racionalidade histórica a resolução das mazelas humanas. A verdade agora é outra, e o campo do debate se estende pela arena lamacenta, trevosa, que privilegia o não-saber, maltrata artistas, coíbe qualquer diversidade, tem medo da verdade que não seja a sua própria, apregoa normalização pavorosa de valores amplamente superados nas sociedades progressistas.