A garota da rua de baixo
Morreu aí dentro,
filadaputa? Os infelizes socando a porta e dando gargalhada. Tentando quebrar
meu ritual sagrado, meu momento de estar com os anjos. Eu nem aí. Não me desconcerto.
A força da vida é sempre maior. Fodam-se, todos eles! Eu continuava autocentrado
na minha atividade, sereno e dedicado, embevecido e apaixonado por todas aquelas
beldades espalhadas pelo lugar.
Palmeiras X Flamengo
rolando lá na sala, segundo tempo da partida de botão enquanto isso. Viado, filadaputa! você roubou
enquanto eu olhava pro outro lado, seu jogador não estava ali antes! Berrava
Magal, sempre um cavalheiro. Ele e Yuri, na mesa de centro da grande sala de piso de madeira encerado e teto alto, se digladiavam
na disputa da última vaga para as finais de nosso sofrido campeonato de botão.
Lá fora explodia um calor dos diabos pelos campos, e eu continuava deitado de
costas no chão fresco de cerâmica vermelha, trancado no banheiro da casa de meu
amigo Nando. Continuava com os olhos vidrados nos pôsters maravilhosos que tinha acabado de
espalhar por todas as paredes e armários. Eu era como um príncipe árabe naquele
momento, deitado esplêndido e feliz no chão das mil e uma noites, rodeado com a
dezena de odaliscas de todos os tipos físicos, todos os olhares e poses
imagináveis, cada uma vinda de um rincão mais remoto do planeta direto para regozijo
dos meus apaixonados olhos e desespero de minhas sôfregas mãos.
O banheiro da casa
do meu amigo era uma mistura de santuário com palácio e eu me deliciava com meu
harém particular. Negras, índias, louras,
morenas. Artistas famosas de cinema. A garota da propaganda da tv. Todas elas muito
bem acompanhadas de outras garotas anônimas supreendentemente descobertas por
fotógrafos habilidosos de todas as partes do mundo. De quando em vez, surgia um
País de Gales ou uma Sibéria, --sabe lá onde é que ficava isso-- apenas pra produzir
a doce criatura em sua pele de textura surreal-quase-translúcida em lábios
de todo rosa. Na outra página pulavam uns surpreendentes olhos puxados no rosto
moreno da Índia, umas espanholas de imensos brincos de argolas entre adereços
de cigana e os enormes seios túrgidos . todas peladonas.
A cada mês, surgia
sempre uma novidade nas bancas. Tinha de tudo ali, nas revistas de mulher
pelada, como genericamente chamávamos. Um estudo antropológico de teoria da
arte, um tour geográfico e biológico entre as curvas da natureza, uma pesquisa in loco acerca da variedade de vida existente
no planeta Terra e sua influência sobre o clima, o tempero da vida e a pulsação
do tempo nas veias dos homens. As revistas, um patrimônio coletivo e sempre
atualizado de nosso seleto grupo, eram cuidadosamente classificadas por gênero e malocadas na casa do querido
amigo Nando, atrás de uma cômoda de madeira preta Imbuia, com fundo falso e pesada
demais para alguém ficar tirando do lugar toda hora e arriscasse descobrir nossa
preciosa mina.
Eram criteriosamente
separadas, em quatro pilhas: das mais artísticas para as mais ousadas, digamos
assim. As americanas da Playboy, mais inocentes e clássicas, ganhavam a primeira
fila, com suas mulheres em poses brejeiras comportadas nos corpos de barbiegirls.
Mas o Tio Sam não sossegava e produzia ainda outras coisas menos puritanas numa terra que supreendentemente reservava tanto espaço para a arte da putaria ou,
como chamávamos no nosso caso, arte da “contemplação estética”, a devoção
integral a nossas deusas. Eles produziam ainda a Hustler e a Playmen, com
garotas surpreendentemente belas, liberais e bem mais criativas que as da Playboy
em suas poses. Havia as revistas de origem européia, principalmente suecas e
alemãs, que quando surgiram, mais tarde, inauguraram um outro conceito de
ousadia nesse clube que eventualmente deixavam até mesmo a nós, macacos velhos
na arte masturbatória com o rosto em chamas pelo inusitado da coisa toda. Além
disso, essas últimas vinham sempre com tarja preta nas bancas.
Uma metáfora da
vida, nessas tarjas-pretas? Enquanto na outra revista, o Conan arrancava cabeças no dente, uma terceira
trazia a publicação mensal das novas armas de guerra, navios, aviões, bombas
atômicas dizimadoras de mundos, uma outra ainda com um relato colorido das cruzadas
ou mesmo as tradicionais Batman, Superman & cia, todas bem sanguinárias e
explícitas em sua violência, continuavam ali, expostas normalmente. Mas mulheres
peladas, não podia. Sempre tarja-preta.
Havia ainda a categoria
final, mais intelectual de todas, as tais fotonovelas eróticas que costumavam
ser acompanhadas da seção de contos e causos reais ou inventados de leitores e
diletantes. Eu gostava de todas, é claro, e com a miopia iniciante desfiava a
beleza das imagens me rodeando no banheiro largo de piso vermelho de
cerâmica, mas daquela turma, certamente eu era o que mais apreciava a última categoria,
de contos. Pão sem manteiga, café sem açúcar, Coca-Cola sem gelo? Pra quem gosta
da coisa, é difícil passar sem, depois que se conhece. Eram todas belíssimas, essas mulheres, e as revistas eram obras de arte porque a imagem é poderosa, como se sabe:
éramos devotos, mas o que é, afinal, uma imagem sem o imaginário? E isso era mais
nos inspirados textos que cabia.
Morreu aí dentro,
filadaputa? Já vinha de novo a cobrança educada dos meus nobres amigos
esmurrando a porta do banheiro. Foda-se, eu pensava. A porta de madeira nobre é
bem grossa e a trinca de aço segura a onda. Podem bater até morrer. Estou no santuário,
agora, e nada me atinge. Pelos meus cálculos ainda não tinha passado da minha
meia hora, então tava tranquilo. Nosso paraíso, a casa de Nando, um puta
casarão colonial a cinco quilômetros da cidade, cujos pais felizmente nunca
estavam por perto nas longas tardes, eles sempre dedicados às suas
respectivas profissões na cidade. Tanto melhor assim, terminadas as rotineiras
atividades do calvário da escola, pelas manhãs, concluído o tradicional almoço
em família, todo mundo de bike no caminho, pocávamos todos pra lá, onde tinha de
tudo na riqueza de uma única tarde: banho de cachoeira, campinho de futebol
improvisado no terreiro velho de café, estilingadas nada ecológicas pelos
passarinheiros do pomar, -- única coisa da qual realmente me arrependo até hoje
--, nossos campeonatos intermináveis de futebol de botão e é claro, o ritual
seguido à risca, de homenagear nossa celebrada coleção de revistas de mulher pelada.
Alguns colecionavam moedas, outros selos. Tem colecionador de carros e de bebidas,
vá lá. Nós colecionávamos revistas de mulher pelada. Uma biblioteca de verdadeiras
telas impressionistas – às vezes realistas, às vezes surreais , afinal colecionávamos
todo tipo de arte nudista e sexual-- produzidas no mundo todo, e cuidadosamente
compradas às escondidas por cada um dos componentes do grupo, através da
facilitação do nosso conhecido e clandestino tio da banca de revistas com nossas
mirradas mesadas.
Independentemente
das batidas na porta, eu mentalmente mandava todo mundo se foder e continuava concentrado, trancado no banheiro
em meus vinte minutos de glória, porque
para os que chegavam ou passavam de meia hora, todo mundo sabia que era
enrolação demais. Eu me esforçava, na plenitude dos treze e ainda contando dia
a dia a quantidade de pelos no saco que me cresciam, para referendar o ritual
diário doando minha quantidade de esperma para que o mundo se tornasse um lugar
mais feliz. Ao menos eu ficava mais feliz depois de tudo, aquela sensação
gostosa de vazio sorridente.
As sessões individuais
no palácio de teto alto e largas paredes eram bem livres, mas por experiência
adquirida, o grupo tinha suas manhas :passou meia hora trancado lá, não tinha
outra: ou o cara tava lendo as fotonovelas
como cartilha de escola ou definitivamente dormiu no tapete felpudo (como aconteceu
com o Pirralho uma vez, que sumiu por mais de uma hora e, quando demos pela
falta, abrimos a porta preocupados para o surpreendermos no quinto sono agarrado
às toalhas no chão do box), ou então tratava-se de algum tipo de virtuoso, pra demorar
tanto assim. Embora valorizássemos a quantidade, nessa época de oitava série, pois
era facilmente mensurável o tesão obtido com uma, duas, ou três masturbações
sequenciais, ainda não entendíamos muito bem o porquê de fazer uma única sessão
durar meia hora ou mais. Qual a utilidade disso, afinal?
Agora era minha
vez, porra! Já trouxe mais duas revistas pra nossa
coleção particular, e por isso, usufruía do direito conquistado de momento, como
vigiam nossas rigorosas regras da confraria da punheta, eu tava no meu direito conquistado
de abrir o plástico e desvirginar as páginas ainda com o cheiro de tinta fresca.
Na verdade, -- devo confessar-- essa era mesmo a única coisa que conseguíamos desvirginar
naquela época, porque segundo nossas confabulações sobre o tema, tirando Magal,
o cavalo, que já repetia a oitava série pela terceira vez e tinha dezessete, e segundo
constava, era o único a ter passado além da fronteira da mera teoria
especulativa sobre o “lado de lá” da vida sexual, o resto de nós, é claro,
ainda no final do fundamental, não tinha comido ninguém. Para nosso desespero e
um certo sentido coletivo de que nosso grupo andava perdendo pontos em mais
essa disputa por tudo na vida, chegavam notícias do front, onde os parentes de
alguém pagaram uma rodada pro feliz moleque em algum puteiro nobre da capital,
ou como na cidade vizinha, certo colega de classe que por azar não pertencia ao
nosso grupo usufruía dos carinhos voluntariosos de uma empregada da família, --
que por acaso atendia também alguns seletos amigos dele, por uma módica quantia
que ficamos sabendo depois que ele cobrava da molecada – cafetino antes dos
quinze.
Cá, deste lado da
vida, nós babávamos dia e noite, estudávamos estratégias, argumentos, pegávamos
conselho com os mais velhos – geralmente um bando de babacas que não ajudava em
nada e ainda dava dicas erradas pra gente se ferrar—aguardávamos ansiosamente
para que surgisse a primeira oportunidade, como em mais duzentos milhões de
lugar-comum surgindo ano após ano sobre o planeta. Garotos imberbes atrás da
primeira transa. O que não faltava era filme sobre o assunto. E como não podia deixar
de ser, treinávamos o esporte compulsivamente,
em todas as modalidades possíveis, com os olhos sempre arregalados e as bocas abertas
a cada novidade no terreno dos contos e das revistas. Mas contabilizar a famosa
realidade nas conquistas, chegar à grande
final mesmo, essa coisa tão sonhada e idealizada, andava bem difícil nesse tempo. . As garotas
não davam fácil. Nada que passasse de umas ficadas nas festinhas, e tal, uns
beijos mais quentes nas namoradinhas, vá lá, quem sabe uns amassos nas meninas mais
espertas do segundo ano. Partir pro finalmente mesmo, só o Magal, o infeliz que
a cada meia hora fazia questão de contar vantagem pra gente, que pegou não sei
quem, que comeu a filha, a mãe, a tia, de alguém, sem qualquer piedade, só pra
esnobar. Alguns tinham medo até do Magal ir estudar na casa deles e, de uma
hora pra outra, ele resolver comer a mãe, a irmã, a empregada , e por aí afora.
Magal era o terror, e ao mesmo tempo, uma espécie de herói de vanguarda em
nosso seleto grupo. Uma espécie de criança grande demais em quem a parte de
dentro da cabeça não parecia ter acompanhado muito bem enquanto o restante do corpo
ganhava volume.
Cada vício no seu
tempo. À nossa maneira, fazíamos o que queríamos nessa época. A idéia era fugir o máximo à vigília
moral e física da espionagem controladora de pais, irmãos, escola. Sexo era o
que sabíamos, já, porque ninguém era mais besta. Quer dizer, sabíamos assim,
misturando autoconhecimento e práticas masturbatórias levadas a sério, porque
como disse, na prática, nada ainda. E como todo segredo, valia a pena mesmo
enquanto estivesse guardado. Não era comum esses assuntos serem espalhados e
comentados na mesa do almoço das famílias, e quando eu digo não era comum ,assim,
para nós garotos, quem dirá para as meninas. Tabu do tabu, aquilo tudo continuava
seguindo como nossa espécie de tesouro coletivo.
A casa de Nando era
nosso paraíso particular. Casa grande, tipo casa de fazenda, afastada da
cidade, sem ninguém pra encher o saco. Mas tinha lá suas limitações. As festas
particulares e cotidianas de nosso clube eram libidinosas mas saudáveis, se for
pra dizer. Cigarro, ninguém gostava e de certa forma todos éramos atletas. Jogávamos
futebol compulsivamente, pedalávamos quase todo dia, alguns nadavam bem nas
piscinas e cachoeiras da região. Bebidas nessa idade também eram terminantemente
proibidas pelos pais de Nando, e à exceção do cavalo Magal, que tirava onda com
suas cervejas e Lança Perfume nos fins de semana, ninguém mais se aventurava pelos
etílicos. Nosso vício era mesmo a masturbação, a arte maior, a doce punhetagem,
a celebração máxima da contemplação estética em movimento, autossuficiente em
seus objetivos de anestesiar as pulsões
excessivas que naturalmente não teriam outro caminho melhor nessa idade Tornávamo-nos
experts nesse esporte, o capricho herdado do início dos tempos, e quem sabe,
como disse uma vez nosso professor de educação física, outro sacana, uma arte herdada
dos primeiros macacos que também eram fanáticos habituées da modalidade e
viviam esporrando pelo mundo também por esporte, e não apenas por finalidades
estritamente reprodutivas, como nos queria fazer crer o padre Danúbio, da confissão
obrigatória de semana santa.
Em nosso clube privado, reunido em segredo como a
máfia siciliana por conta da proximidade do perigo e dos gostos semelhantes,
éramos machos, pois, por nossas próprias convenções. Superávamos o ritual de
passagem e nosso olhar se adultizava. Havia a curiosidade e o poder dos instintos
movendo-se pelos olhos, pela saliva na boca seca ao contemplar o pôster da gata
do mês, a força andando solta pelo espírito do novo ser em crescimento, que
reunia hormônios e simultaneamente se formava por dentro. Novos pelos surgindo
pra todo lado, o tamanho da ferramenta aumentando, assim como a vontade. E
as mulheres eram absolutamente lindas! As visões do paraíso nos acometiam
de diversas maneiras, por essa época, seja na plasticidade arrebatadora de um seio,
com que sonhávamos noite e dia, em suas tantas e mágicas formas, volumes e cores diferentes,
com todo tipo de texturas e aréolas. Algumas intumescidas, porosas, outras lisas,
seios brancos de aréolas rosadas ou seios morenos de auréolas roxas, escuras,
seios grandes, gigantes, pequenos, e o corpo respondendo de imediato à mera imaginação
ou na estimulação visual do primeiro signo de vida que o recém-nascido toca
quando chega ao mundo. Pauduro como arma sacada mais rápida que cowboy do filme
western diante de um simples e belo seio, que forma absoluta. Que coisa mais
linda, aquilo. Que bela notícia de boas-vindas a um recém-nascido. A vida era
bela, pois. Logo depois de dar uma boa gritada até estourar a garganta, vinha
logo a compensação do seio macio, o objeto do desejo, túrgido e rico
enchendo a boca de vida. O seio era o arauto do bom gosto e bons augúrios.
Para além de qualquer
narrativa, tinha sempre algo mais: a coisa surpreendente que significava uma boceta
adulta, pra um garoto impúbere. Era uma coisa de aaaaaaaaaaaaaahhhhhh”, diante
da nova foto, da nova pose, tarados mirins com o pau sempre duro, hipnose total
pelas tardes de semana da vida, seja em casa mesmo, trancado por horas a fio no
banheiro, ou fosse nas sessões do nosso clube clandestino, sempre escondidos
dos pais, é claro. À exceção de um único pai de um felizardo da minha turma,
que comprava todo mês a revista Playboy para o próprio filho de doze anos
(revista aliás, compartilhada com o resto da turma ao módico custo do preço de
uma merenda por dia de aluguel). Não sei ainda se esse pai era o louco, como
foi reputado, ou o mais sensato e amoroso. Enfim, na falta de um material mais
realista, seguia nas fotos a observação cotidiana, a pesquisa interminável com
seios, bundas, pernas, pentelhos e bocetas, com todos os seus formatos, algumas até com
detalhes exageradamente anatômicos. Aprendíamos sempre mais nessas enciclopédias
da vida. O respeito, a curiosidade, o engenho daquilo tudo tão diferente, o
sexo côncavo, os pelos grossos, a conformação aparentemente construída para ser
protegida, projetada para dentro, diferente de nossas saliências e
protuberâncias penianas, escrotais, tão à vontade no mundo.
A boceta era o
total mistério, objeto de culto, com todas aquelas dobras, reentrâncias, proteções
de aparência sempre úmida. E era assim, mesmo escondida, que ela ditava as regras
para tudo que governava nosso mundo animal apaixonado por elas antes que elas
mesmas soubessem disso. Umas depiladas, outras ao natural. Lendas de quem já provara,
em quantidade, chegavam até nós, sempre objeto de respeito e de culto. Já havia,
há algum tempo, a ciência de que a vida surgia por ali, e por isso uma noção ainda
intuitiva do poder camuflado sobre enfeites de todas as cores – tarjas-pretas
nas bancas, cabia lembrar. Mas a noção e os limites do que envolvia de prazer
nos seus domínios ainda era mistério, e obra cantada de longos aprendizados. Havia
estética para todo gosto: pentelhos louros e finos, com os grandes lábios
rosados e suaves, pretos e grossos tinta nanquim, com a pele contrastando ou
negros com pele negra, variando a tonalidade num crescendo atrativo e hipnótico,
e o desejo se insuflando aos poucos, chegando pelos poros. Aí pelos treze ou
quatorze, a nossa turma inteira de cinco garotos colecionadores de revistas,
invariavelmente andava o tempo inteiro de pau duro. Tirando o horário exclusivo
em que jogávamos bola, e por uma questão de interesse e objetiva perda de
objeto temporário, quando o futebol assumia por sua vez as rédeas do mundo como
paixão inconteste, o resto do tempo era
ocupado mesmo na dedicação em saber mais informações secretas sobre as mulheres
a nossa verdadeira missão sobre a Terra.
Era uma nobre missão, aliás, que conferia ao cavaleiro portador de boas novas
honrarias e admiração.
Todas as últimas quintas-feiras do mês, depois das aulas, era
obrigatório passar na banca do amigo adulto secreto pra pegar a última edição
de Playboy (clássica), ou Penthouse (ousada), ou algumas outras sem nome que na
prática traziam mais “cenas de ação” do que propriamente obras de arte e superavam
qualquer noção de ousadia para nossos olhos, -- e é claro, já estavam
reservadas. Não era sequer um gasto perdulário das nossas parcas mesadas. Tínhamos
essa consciência. Era a exata percepção do que significava um investimento de
marchands precoces em arte e conhecimento no seu mais alto grau. Livros de consulta, pequenos Kama-Sutras
ocidentais e ornados de uma certa aura religiosa, como objeto de culto,
camuflados estrategicamente para despistar as terríveis mães. Por alguma razão,
os pais eram geralmente mais tolerantes que a maioria absoluta das mães, e como
já era esperado, as meninas da turma não tinham a menor noção de toda a nossa atividade extra-curricular. Ou ao menos era isso que pensávamos. Ainda tenho
dúvidas sobre isso, no fundo. É bem verdade que na oitava série, tivemos duas
meninas que vieram de cidades grandes, que eram da pá virada, e sabiam muitas
coisas interessantes. Até nos informavam melhor sobre o assunto, e sem cobrar
nada por isso. Bom, tentamos atraí-las para nosso meio e um dos nossos tentou mesmo
namorar uma delas, mas infelizmente elas se dedicavam demais aos rapazes da
universidade e partindo nosso coração, nos ignoravam solenemente.
Nossa rotina na
casa de Nando era tomar banho de cachoeira, tomar água de coco e catar goiaba
no quintal, e depois que o sol dava uma chance, partíamos pra jogar bola na
quadra improvisada de terreiro de café. Enquanto não chegava a hora da bola,
jogávamos botão ou ping-pong na varanda e tocávamos punheta no grande banheiro
antigo com sua decoração neoclássica, com a banheira branca gigantesca onde
sonhávamos altos malabarismos com nossas musas enquanto pulsava a sessão de
homenagem ritual às fotografias, (a mesma banheira onde Nando quando era
criança costumava deixar seus fedorentos coelhos de estimação na falta de
melhor lugar) entre os tetos altos e armários de madeira escura, por celebração
ao mundo da arte das belas peladonas em estoque apenas para manter o ritmo do
desafogo. Filho único, Nando, pai e mãe
trabalhando fora, a empregada dava expediente apenas na parte da manhã. Daí, dia sim dia não, depois das aulas quando pocava um calor
infernal e a quadra de esportes ainda estava impedida, ali se desenvolviam campeonatos
de tudo que é modalidade, passatempo ou putaria
que essa garotada em fins de fundamental inventava pra se divertir.
Normalmente, ou ao
menos no imaginário dos meninos, se
reputa às mulheres a atitude de competirem umas com as outras por espaço, por beleza,
por apreciação , enfim pelo olhar que testemunha e confirma, seja das outras
mulheres ou dos homens na sua autoafirmação, como se a vaidade fosse por
definição um atributo feminino. Certamente isso é porque esses pesquisadores ainda não
entraram o suficiente na pele de algum adolescente, algum menino em idade de
formação. Não importa se a disputa é por vaidade, por ego, por afirmação,
hormônio ou pela graça de derrotar alguém e assim dizer que existe e é vencedor,
mas a verdade é que quando você é homem há competição pra tudo nessa vida, de
forma compulsiva, até. Disputa-se, às vezes, apenas pelo prazer da disputa, sem
saber direito nem qual é o prêmio ou o tipo de prova. O importante é ganhar. Estava
sempre havendo alguma competição, além dos tradicionais campeonatos de futebol,
ping-pong, videogame, botão, corrida, salto, arremesso, porrinha, baralho, quem
chegava primeiro em tal lugar, quem falava primeiro com a menina na festa, quem
tirava a maior nota, quem xingava mais alto o passante no meio da rua quando
saíamos de ônibus em excursão, campeonato de cuspe à distância, e é claro, como
não podia deixar de ser, tínhamos também nosso campeonato de punheta. Competição
disputada em diversas categorias, dando direito a levar pra casa de brinde, à escolha
do vencedor, uma das belas revistas da seleta coleção que íamos ampliando aos
poucos, com arte e talento no esconderijo da casa de Nando.
Não há nada a ser
dito sobre as outras modalidades esportivas conhecidas, e que realmente possa
fazer alguma diferença com relação a todas as outras modalidades de esportes disputadas
diariamente no mundo inteiro. Futebol é futebol, videogame é videogame, e botão
, essa paixão incondicional, é sempre botão em qualquer lugar do mundo. Portanto,
falo logo sobre esse nosso diferencial, as olimpíadas de masturbação, que era o
que havia de mais original no meio dessa moçada ainda virgem habitando o
sofrido território imaginativo de fim da puberdade. Tempos depois, ficamos
sabendo que nem era assim tão novidade e a bem dizer, era como se achássemos que
tínhamos inventado a pólvora, mas isso já havia sido feito há cinco mil anos
antes, provavelmente como o primeiro campeonato de masturbação.
A coisa era mais
ou menos assim, explicando pedagogicamente para um ET que estivesse baixando lá
no sítio do Nando meio sem aviso e desse
de cara com a cena: Um bando de moleques com as caras cheias de espinhas, mãos ágeis
e os olhos encantados por esses corpos gloriosos das fotografias. Cada um
segurando suas revistas, no esforço de marcar pontos. No dia-a-dia não havia nada
demais. Tocar punheta, expelir esperma,”, a maior quantidade possível, e o
maior número de vezes antes de bater a exaustão. Esporrar, no popular, ou “ejacular’,
no sentido médico quase terrorista-literário, apesar de tanto tabu plantado nas mentes por anos
e anos de educação religiosa num colégio do ramo, era uma das coisas mais
corriqueiras e praticadas com destreza pela maioria dos jovens saudáveis pelo
mundo afora, e nós não éramos nenhuma exceção. As revistas eram a inspiração,
nos campeonatos. Cinco garotos juntando grana e comprando revistas toda semana,
em pouco tempo tínhamos de tudo um pouco. Uma verdadeira biblioteca de
Alexandria do assunto sexo, na nossa versão popular. Magal, Nando, Yuri,
Pirralho e eu Tozinho, os colecionadores de obras de arte. Tirando Magal, que era
mais velho, os outros na faixa dos treze ou quatorze anos, só Magal tinha
dezessete. As competições das modalidade eram mais ou menos mensais, e é claro,
não tinha nenhum tipo de árbitro, aquilo era ali mesmo, na coletividade, cada
um na sua, uma fila de moleques imberbes com suas revistas numa tarde quente
disputando debaixo das árvores pra ver quem era o maioral da punheta.
Lembro-me de cabeça de umas duas ou três modelos
preferidas da época, musas campeãs e inspiradoras de nossas derivações
masturbatórias, e encarávamos isso como uma espécie de ritual, aquilo tudo no
fundo tinha um caráter quase místico, tribal, no fundo era como se a cada
sessão homenageássemos a escolhida ou as escolhidas, dando o melhor de nós mesmos,
de forma tão dedicada. Tirando a época de campeonato, onde a coisa corria
solta, no dia-a-dia os trabalhos eram individuais, cada um com o direito aos
seus vinte minutos de glória fechados no banheiro. Cada um podia se trancar pelo
tempo do sossego delirante, sem ninguém encher o saco. Nos alternávamos, cada um
por sua vez, enquanto os outros ficavam na sala jogando videogame ou tocando violão,
conversando fiado, esperando dar três ou quatro da tarde para o sol dar uma aliviada
do terreirão de quadra e o futebol comer solto. Era um entra-e-sai interminável do banheiro
famoso. Quando recebíamos visitas, outros fora do nosso grupo, ninguém podia
revelar o segredo, sob pena disso virar assunto depois na aula e acabar com a
mordomia. Boca de siri, só os membros do clube, a confraria das artes pictóricas,
é que tínhamos os privilégios de saber sobre a coleção e o fundo falso
depositório das revistas, sempre trancado
a sete chaves.
Em dia de competição,
a coisa ganhava ares de seriedade, e alguns conseguiam mesmo a proeza de ficar
algum tempo na semana sem expelir a seiva apenas para chegar mais preparados no
dia do teste. Ninguém queria fazer feio na hora H, perto dos outros. Confesso
que era a dura penas, essa contenção
virtuosa. Ficar ao menos um dia sem esporrar era algo, além de virtuoso,
trabalhoso, para alguém de treze ou quatorze anos. Como é que o pensamento que
em noventa por cento do tempo útil está pensando num jeito de pegar a garota
mais gostosa, seja da tv, da revista, do filme, da cadeira ao lado da sala, e
por aí afora, como é que uma criatura dessas conseguiria ficar sem seu calmante
diário, sem sua droga de prosseguimento na normalidade da vida? Virtuoso,
claro.
Nessa fase de
competição, em vez de irmos lá durante a semana, na casa de Nando, marcávamos
só um dia, geralmente na quarta-feira, e todos chegavam na hora combinada. A estética
toda do jogo agora mudava, e a coisa
perdia totalmente a privacidade. Em vez da comodidade de cada um isolado no
banheiro com seus sonhos e as mulheres maravilhosas, seus seios mágicos e
as curvas sedutoras, ficávamos todos era no quintal mesmo, cada um por si, perto
do pé de goiaba, escondidos por um alto muro do paiol. Seu Zé Baromeu, o encarregado
da horta, quase flagrou nosso campeonato uma vez. Ia ser difícil explicar, com
certeza. O anfitrião era quem comandava o espetáculo, cada um poderia escolher
a revista ou o gênero literário de sua preferência, fotos clássicas, fotos mais
ousadas, putaria deslavada da Europa ou a categoria contos e fotonovelas, ao seu
critério, e havia a premiação por categorias: ficávamos lado a lado, numa mesma
linha, cada um a uns dois metros do outro, mirando pra frente. A primeira premiação
era a distância do esguicho, a segunda era quantas vezes o cara conseguia terminar
a missão. A terceira, para o atirador mais rápido. A quarta e última, é claro, que
virtualmente deveria existir mas não existia em hipótese alguma naquele tempo
porque ainda não conseguíamos saber a sua utilidade, seria para o atleta que conseguisse
fazer durar mais a brincadeira e manter o bicho duro por mais tempo antes de
terminar. Ninguém conseguiria imaginar , a essas alturas, qual a utilidade dessa
história de prolongamento desnecessário
e qual a utilidade disso que era universalmente considerada a grande virtude
contemporânea do macho latino. Essa espécie
de tantrização do jogo para contemplar o prazer da fêmea, mecanismo cujo
funcionamento real ninguém ainda sonhava em dominar. Se eventualmente demorávamos
mais, com certeza era por algum erro, falta de concentração ou apenas pra
prolongar a coisa o máximo para uma inocente satisfação própria, com tendência
a aumentar o volume do esguicho, nada mais.
Nando era o dono
do pedaço, o cara de maior moral da turma, além de filhadaputamente ser um fanático
e habilidoso jogador de futebol (tanto de botão quanto de rua) e boa praça, o
cara mais comunicativo do grupo. Magal, o maior mau elemento e reiterado campeão
de esguicho dos últimos três campeonatos. Na verdade, houvemos por bem encerrar
a categoria “tamanho”, de nossas olimpíadas, depois que Magal entrou para o grupo
e acabamos inventando outras categorias da competição pra não ter que dar o
prêmio sempre para o infeliz. Também, porra, o cara tinha três ou quatro anos a
mais, seu apelido era cavalo não por mero acaso, e a diferença de idade faz toda a diferença nessa fase da vida. Enquanto
alguns de nós mal tinham completado o cabelo no saco, Magal já tirava onda de
homem feito. Enfim, mas o fato é que, se não fosse por nós, todo mundo sabia que
Magal já seria marginal há muito tempo. A aceitação dele no nosso grupo é que
lhe deu um fôlego extra para não delinquir de vez. Sandrinho Pirralho, o
baixinho, com sua alma de coelho – sabe-se lá o que comia a criatura no café da
manhã – sempre ganhava na rapidez, marcando exatamente três minutos em uma
certa ocasião, cronômetro cravado. , com seu recorde de cinco vezes em duas
horas. Yuri venceu duas etapas de frequência, empatando comigo uma terceira, a
última vez, sendo que eu também numa oportunidade venci a disputa de esguicho, depois
de por algum milagre divino conseguir ficar dez dias sem esporrar. Também foi a
única vez que venci nessa modalidade, o que denotava desde já, minha
incapacidade inata para a virtude da contenção.
De forma bastante democrática -- e fisiológica,
creio -- não necessariamente o mesmo atleta vencia a mesma categoria todas as
vezes e era também uma verdade absoluta que ninguém conseguia jamais somar
todas as qualidades simultaneamente, dentro de uma mesma competição. Era impossível
o cara ao mesmo tempo ganhar na modalidade distância do esguicho, quantidade de
vezes e rapidez (lembrando apenas que a categoria duração ainda não existia). Se
isso ocorresse, de alguém por exceção vir a ganhar em mais de uma categoria,
provavelmente seria um tipo de super-homem com a força de Krypton multiplicada pelo
sol terrestre.
Do nosso panteão não
escapava ninguém, no que dizia respeito aos quesitos e motivação estética dos
desejos. Competitivos até os ossos, havia também uma tabela que criamos para discriminar
as nossas musas mais conhecidas, compartilhada por quatorze dentre vinte
meninos da oitava série, onde todas as mulheres ao redor estavam lá, com suas
respectivas pontuações. Cada um fazia a sua estatística, lançava a frequência,
e ao final do mês, comparávamos as tabelas para estabelecer nossos prêmios imaginários
por justo mérito. Estavam lá a baixinha bonitinha bibliotecária do segundo
andar, as professoras de ciências e literatura, uma das faxineiras do térreo e a moça que vendia sanduíches naturais na
cantina. Eu ia dizer aqui que, por se tratar de um colégio de formação
Católica, seus representantes junto ao mundo da Divina Graça não deveriam, por puro
sacrilégio, constar nisso, mas vou dizer: não fui eu quem escalei, mas havia lá
em tabelas apócrifas duas freiras também, na escala coletiva, e, mais, suas
respectivas cotações não eram baixas, para surpresa geral. O poder inusitado de
Eros, mudando as barreiras de tempo, raça e gosto.
Mesmo aficionados
pelas revistas, se fosse pra confessar, eu diria que continuávamos sem conhecer
muito bem a realidade do mundo feminino. Ok, sabíamos melhor agora algumas
geografias, alguns históricos e invencionices, mas nada de empirismo nesse
nosso mundo ideal. A maior parte do tempo nosso planeta era esse, de garotos a especular o outro lado da
lua. Se gastássemos o mesmo tempo e energia dedicados a nossas musas para fazer
algo em prol da humanidade, certamente teriam saído ali, da mesma turma, alguns
jovens Einsteins, Isaac Newtons de carteirinha, alguns filósofos revolucionários
do mundo global ou artistas de renome mundial. Mas não conseguíamos canalizar a
energia pra outra coisa, devo dizer. Era mais forte que nós, a presença delas em
nossas vidas, tanto coletiva quanto individualmente. Hormônio demais sob a cara
cheia de espinhas, desejo demais no sangue. Lembrar da professora gostosa de
Educação Física ou de Literatura já era motivo para começar os trabalhos
trancados no vestiário mesmo, ao fim da ginástica; pau duro a cada meia hora, apontando
pro teto, precisávamos urgentemente aprender a domar o bicho; lembrava também
da colega de sala que desde a sétima série já tinha corpo de mulher e deixava à
vista as marquinhas dos bicos dos seios sem sutiã; daí, como consequência rigorosamente
lógica da observação, mandava bronha pra disciplinar os sentidos; trocar velhos cards de fotos proibidas das atrizes de
“séries especiais” , filmes alternativos quase Hollywoodyanos também contava ponto
no quesito excitação. O problema era que o pau subia à toa, e depois era difícil
baixar sem uma compensação. Doía, se tentasse.
Éramos habituées
da banca do nosso amigo tiozão clandestino. Ele repassava pra nós, a partir dos
doze – porque seu elevado sentido ético não permitia que isso fosse liberado
para ninguém abaixo dessa idade, que ele considerava o limite para a iniciação
no reinado da punheta – Eu não disse ainda, mas nosso amigo tiozão era
praticamente um pensador, e sabia como ninguém as manhas do mundo adulto. Suas dicas
e observações epicuristas nos mostravam, pelos filmes e as revistas a que ele
tinha acesso, o “créme de la créme” do movimento mundial dos nudes. A arte mais
pura que existia, segundo suas próprias e sábias palavras. Aquelas mulheres
incríveis em poses mais incríveis e tantas vezes didáticas ainda traziam para
nós a noção de como a vida além de bela era poderosa e mágica.
As mulheres
ganhavam assim um outro status diante de nossos olhos mortais. Não eram mais apenas
as criaturas chatas e excessivamente sensíveis habitando desde sempre
nosso imaginário pretérito e infantilizado de clube do Bolinha, nem eram os pares
que viviam sendo cortados das brincadeiras mais enérgicas do grupo dos meninos,
também não eram mais as minimães de família que repetiam os valores decorados
em casa e administravam minilares plásticos de bonecas e suas tantas repetições
de filhos, chás de bebês, reproduções de repartições da vida que lhes eram
imputadas desde ainda tão cedo por uma moralidade
bastante burguesa e tradicionalista de plantão, e como se viu depois, muitas vezes
contra sua vontade.
Elas eram uma outra
coisa, afinal. Tinha uma outra essência ali, e o tempo aos poucos ia mostrando.
Antes das revistas, já percebíamos a Leandra, cujos longos cabelos ruivos cada vez
cresciam mais, indo até a bunda, aquela carinha de anjo e como o jeito dela olhar a gente dava uma
machucada de vez em quando por dentro, fazendo perder o rumo. Uma vez ela
derrubou um cara da bicicleta só no olho. Percebíamos a Sylvana, suada em suas
roupas de ginástica ou depois do volley, e quando ela falava lá na frente, nos
trabalhos em sala, todo mundo parava pra ouvir. Houve uma mudança, em silêncio,
que a maioria de nós talvez não tivesse percebido de início. As garotas da
sexta não eram as mesmas que chegaram à oitava. Usavam seus mesmos nomes, mas
eram outras, no intervalo de apenas dois anos. E não era demais consentir que
era por causa delas que nós também mudamos. As revistas nos mostravam parte da resposta
ao enigma. O resto, a resposta inteira, caberia a cada um de nós, na sua própria
lavra, tentar decifrar. Quem sabe elas mesmas não nos ajudariam nessa tarefa
graciosa?
O fato é que, aos
poucos, apesar do gosto compulsivo de colecionadores, fomos percebendo que
apenas o paiol de revistas e a consulta quase que diária ao nosso panteaõ de
deusas de papel não ia mais satisfazendo a vontade como nos primeiros tempos. As
coisas mudavam . E rápido. Era hora de
ir além. Sentíamos isso, cada um no peito e ao mesmo tempo, coletivamente, ainda que contra todos os
discursos de ocasião que pesavam em nossos ombros. A velha história de se
preservar para a hora certa. Inferno! Quem ainda acreditava nessa porra? Todo
mundo queria era mergulhar na piscina da vida de cabeça. Lambuzar-se no mel. E foi
justo quando veio Yuri contando as novas, já depois do carnaval: cê viu, rapaz?
A sorte do Vitinho. Todo mundo curioso. O cara fazia suspense. Conta aí, viado,
não fica fazendo graça. Disse Magal, educado como sempre. Yuri, ainda meio engasgado,
desata o nó: rapaz, o Vitinho, o pai dele, o tio não sei, deram de presente de
quinze anos uma noitada no Summer House, saca? E podia escolher a mulher que
quisesse, e adivinha quem ele escolheu? Bárbara, a loura. Bárbara? Todo mundo
olhão arregalado. Não acredito. Nando falando por todos. Silêncio geral, todo mundo
ainda com a boca aberta. Caralho ! isso que era um presente de quinze anos! Eu com
a cara de besta. Todos. Mas bicho, Pirralho logo pergunta, babando, e o pai
dele? Deixou? Rapaz, o pai não só deixou como pagou a conta toda, apenas quem
levou ele lá, de carro, foi o tio, mas quem pagou foi o pai. Isso que é pai,
porra, vamo falá, diz Yuri, estatelado, imaginativo.
Se havia alguma
coisa que estava no ar, a respeito de um certo cansaço de nossa duvidosa e já
um pouco cansativa vida onanista , seja individual ou coletiva de metade da
oitava série, agora o peso da história toda acabava de aumentar consideravelmente.
Bicho, a gente tem que fazer alguma coisa! Disse Nando, sempre o mais empreendedor.
Mas o quê ? eu mesmo me inquietando ali, triste como um passarinho sem asa. Nos
achávamos o máximo, e agora éramos assim, rudemente, tragicamente, passados
para trás com um novato playboy da nossa idade. Tirando Magal, o animal, ali só
tinha virgens de todo tipo, e todo mundo sem saber o que fazer.
Além do Vitim,
tinha o caso do amigo do outro grupo, da outra panela da sala, e que por alguma
razão nós também invejávamos, o cara que investia na empregada da família e
ainda cobrava uns trocados da galera chegada pra moça fazer um extra. Deu merda
aquilo tudo , no final. A empregada engravidou, era novinha e bonita e tal, a gurizada
entrou em pânico, afinal de quem era o filho? E sem ninguém saber, o pai do
moleque também tava na jogada e acabou levando a culpa, no final das contas a
moça acabou causando a separação dos pais dele.
E foi o Pirralho,
o menor de todos e sempre o mais tarado, que deu a idéia, num belo dia: ora, a
gente também tenta lá na casa de shows, porra! A gente junta uma grana e paga
uma daquelas garotas pra ter um momento com ela. Um sorriso coletivo se alivia,
mas logo vem um arrazoado, na boca de Yuri, rapaz quem qual pai que vai aceitar
uma coisa dessas? Não só pelo proibido da coisa, mas também o Summer House não
é barato, nenhuma garota lá é barata. E as mães? Já imaginou se isso vaza? Tamo
fudido. Eu vou ter que ir à missa rezar de joelho todo dia durante o resto da
vida se minha mãe fica sabendo. Não temos nem dinheiro, cacete! Arremata Sandrinho
Pirralho. Baixou logo o espírito da negatividade em todos. Ninguém sabia o que
fazer, mas sentíamos todos que era o caso de romper com a teoria e enveredar
definitivo pelas práticas. Magal foi o primeiro a pular fora logo, porque pra ele
e a sua alardeada experiência internacional
no assunto, era ofensa ter que pagar pra pegar garota, daí ficamos só nós
quatro, de resto. Magal sabia da parada, mas evidentemente não podia contar pra
ninguém. Depois de um vai e volta dos infernos, o próprio Yuri veio com outra
idéia: o Summer House é proibitivo pra nós, por várias razões, a principal é o
preço. Mas eu conheço uma garota, que mora na rua de baixo, que faz esse lance,
e é só acertar com o irmão dela, que tá agenciando: é a Nadya.
Expressão muda na
cara de todo mundo. Vem Pirralho na sequência e surpreso, porra, a Nadya não
é a maluca? A garota da quadra de esportes, que no dia da festa junina... Sim rapá,
é ela mesmo, rebate Yuri, e tem o lance da despedida do Harley também, que foi
pra faculdade, ela tomou umas e tem uns outros lances dela aí, de grafitar de
madrugada muros da rua e compor umas canções meio malucas, mas é o que tá dando
pra fazer. Não dá pra arrumar tanta grana pro Summer House e nem ninguém vai
querer nos botar no esquema lá. E além do mais, a Nadya pode até ser meio doida, e tudo, mas é
gostosa pra caralho, né, e já tem dezoito, sabe das coisas. Cacete! Decide Nando. Vamo lá ,então. Cêis são tudo doido, tô fora! arremata Magal, dando
risada. Eu apenas observo, surpreso. Fechamos o plano, então, no mesmo dia. Íamos juntar
uma grana e partir pra negociar com o irmão da doida, os termos da iniciação de nosso clube.
Não teve problema pra
combinar com Marreco, o irmão da doida. Na rua de baixo, o povo era meio barra,
e Marreco não era diferente. Ia cobrar mais
caro do que o esperado, e íamos demorar alguns meses pra chegar na grana, mas
vindo dele, não era surpresa. Estudante repetente do segundo ano, passador de
bagulho nas horas vagas, negociava ainda as aventuras da irmã, agenciando
encontros. Eu estranhava aquilo tudo, pra dizer a verdade, e além disso, o
próprio irmão, --ainda que meio-irmão-- jogando sujo dentro do sistema podre do
mundo, mas a vida, enfim. Não sabia que Nadya tinha esse lado. Na verdade,
não sabia se era mesmo verdade. Não vi ninguém que confirmasse o assunto. Apenas
boatos que corriam. Eu conhecia de tempos atrás a doida, passar perto de sua
casa era meu caminho natural pra escola. Sempre via a figura por ali, meio
gótica, cabelo chanel cada hora de uma cor, dia era azul, outro vermelho, às
vezes raspado na nuca, às vezes espetados, tachinhas pra todo lado, uns couros
pretos, maquiagens escuras, uma pele branca e uns sons pra lá de estranhos no
CD sempre na mesa da varanda aberta. Duas ou três vezes ela me chamou e chegamos
a trocar umas idéias. Eu meio acanhado ainda, garoto de sétima série, ela falante
e exagerada, já nos dezessete e plena em seu início de idade adulta. Pegava seu
velho violão puído folk Tagima de cordas de aço e me dizia que queria ser
cantora indie. De vez em quando eu não entendia bem o que ela dizia, sobre umas
bandas aí, umas letras e tal, meio papo cabeça. Me dava conselhos sobre
namorada. Eu que tinha acabado de terminar com uma garota, Roberta, minha primeira
experiência do assunto, e que afinal não
passou muito dos beijinhos e umas sessões de cinema, Nadya veio me dizendo
que mulher é assim, e tal, que o cara não pode ser babaca, que o cara tem que
aprender a ouvir, saber chegar junto, não ficar se impondo, e saber respeitar a
liberdade da mulher. Que mulher também tem voz, também tem vez. Eu não entendia
porra nenhuma, mas gostava. Fazia de maduro na hora, sério e tudo, -- ninguém
quer revelar que é virgem, afinal --, mas voltava rindo pra casa, feito besta.
Semana após
semana, mês após mês, o resto do tempo, agora, era só a ansiedade pra
inteirar o valor pedido por marreco, o cafetino da irmã doida. Todo mundo esperando
chegar o dia. Todo mundo queria, e a reputação da garota estava cada vez mais
quente. Semana passada tava andando com um cara, esta semana foi vista com
outro, e por aí afora. Nosso grupo se acirrava juntando a grana. “Acho que temos
o bastante”, sentenciou Nando no final do quinto mês. Bolão rolando, o sorteio
da ordem dos eleitos estava para ser realizado no nosso clube, quando alguém dá
a notícia, depois de sair do banheiro com a revista mais nova na mão; caralho,
roubaram a grana! As revistas estão todas lá, mas roubaram a grana! Fui lá dar
uma olhadinha, pra contemplar quanto tínhamos juntado, e nada! E correu todo
mundo ver, não tinha nem poeira da fortuna
malocada no baú, ao lado de nossa coleção de preciosidades. Putaqueopariu! Gritou
Nando, e todo mundo meio olhando pra cara dele cismando com a notícia , mas
ao mesmo tempo sabendo que de todo mundo ali, o único filadaputa que teria
dinheiro de sobra pra pagar qualquer garota num raio de duzentos quilômetros
era mesmo o Nando, daí que não faria o menor sentido ele mesmo ter roubado. Suspeita
geral, todo mundo olhando um pra cara do outro, e revista bolso, carteira, só
por precaução, e nada! Desconfiaram da mãe ou do pai de Nando, apenas
por vingança, suspeitaram da empregada dele também,
na hora da limpeza, enfim, nessas horas não sobra ninguém inocente.
A real bateu logo.
Final de ano chegando, grana surrupiada, sem tempo e sem moral para o clube se
reorganizar e tentar alguma coisa nova, -- afinal a grana não era pouca e foi difícil
juntar aquilo tudo durante quase seis meses. Final de oitava série, dali em
diante todos se espalhariam por aí afora, meia dúzia pra escola técnica, dois
pra escola militar, outros tantos pra capital, tinha gente da sala que ia mudar
até de país. Vida nova em outros contextos, partindo pro ensino médio e dali
pro mundo, tudo isso em poucos meses. E terminávamos melancolicamente assim,
nosso quinteto, e à exceção do Magal, ninguém tinha comido ninguém. Agora
depois de tudo, tínhamos desfeito o
clube e rateado o que restara da nossa reserva artística de revistas de mulher
pelada, um pouco pra cada um, no sorteio.
Foi Magal que veio
até mim, dia desses, um mês e pouco quase dois depois do ocorrido, com uma revelação.
Era sábado à noite e ele já tava meio chapado, andou bebendo ou cheirando qualquer
porcaria, não sei. Cigarro aceso e olhos inquietos, na varanda de casa.
Então, Heitor, meu
amigo Tozim, é que eu queria te falar um negócio. Sobre o lance da doida
lá, do nosso combinado, do bolão que vocês
tavam fazendo pra ir na garota, lembra?
Porra Magal, é
claro que lembro, mal tem um mês que terminou isso tudo, como eu ia esquecer?
Velho, é que eu
queria te dizer uma coisa aí, porque você sempre foi meu melhor amigo, Tozim mas
é segredo da porra, você não pode abrir isso pra ninguém.
Claro, seu mané. Se
tem uma coisa que sei manter é discrição. Pode falar, rapá. Se isso te faz mais
feliz, desabafa aí, po! Aposto que vai confessar que foi você que roubou a
porra da grana toda da nossa turma, né não? Vc. é um filadaputa, Magal, eu bem
que já desconfiava....
Qual é , rapá? Enlouqueceu?
Se eu por acaso tenho pinta de ladrão. Quer levar uma porrada, seu viado? Olha eu
eu te dou uns tapas...
Relaxa, meu irmão.
Não tá vendo que estou brincando?
Tudo bem, po, vc. Falou
assim que eu achei que era verdade. E você sabe, eu levo brincadeira tudo na
boa, mas esse lance de roubar, fico puto.
Né não porra,
fique tranquilo. Claro que não acho que foi você. Mas pode falar o que quiser,
cê sabe que eu não sou de ficar de fifi não. Segredo comigo é segredo, assim
como amizade. Palavra de honra, e tudo.
Cara, é que eu acabei
pulando fora logo de cara, quando vocês falaram do bolão, nem foi por causa do
que eu disse, não, sacou? Não foi por causa da desculpa que eu dei, porque era
só meia verdade. Não foi porque eu tivesse esnobando e tal, e que não quisesse participar,
mas tem outro lance.
Po, eu nem
lembrava mesmo a razão. Pelo que me falaram, foi porque você não tava nesse nível
de ter que pagar pra transar com alguém, não sei bem.
Velho, isso foi o
que eu disse mesmo, mas não era isso, era outra coisa...
Mas que coisa, rapá?
Não tinha grana pra ajudar na vaquinha?
(Ele dá uma longa
bicada na cerveja pelo gargalo e esvazia o conteúdo todo. Acende outro cigarro
na brasa do cigarro do anterior)
Não, rapá, é porque
na verdade, Tozim, eu não gosto muito de mulher.
(pausa dramática,
eu não tinha bebido nada mas ainda não conseguia digerir as palavras e
associá-las com o cara bem ali na minha frente). Minha cerveja até então tava
parada na lata, eu resolvi tomar uma grande talagada antes de conseguir falar.
Magal?!
Pois é, caralho! É
isso, falei...
Ma... como é que
... rapaz, isso é sério, não tá me zuando?
Tô não , brother ,
é sim, essa é a verdade e agora só você que sabe.
Mas porra, você é meu herói,-- meu apenas não, da
turma toda--, você era nosso herói, cacete, Magal você é viado?
Po, Tozim, você
também me sacaneia, não é isso não.
Mas como é que é,
porra, não tô entendendo mais nada.
Não é que eu não
gosto de mulher, sacou? Eu já fui algumas vezes, pra dizer a verdade até muitas
pra minha idade, e isso é assim desde muito cedo, você não sabe...
Não sei o quê ,
porra,? agora que começou, fala.
É que minha mãe,
quer dizer minha mãe de verdade não porque morreu quando eu era muito pequeno, digo minha
madrasta, é que eu e ela, nós dois...
Bicho, não vou nem
ouvir mais essa porra. Tá parecendo filme.
Nós
dois, desde que eu era pequeno, ela me pegou pra ensinar a fazer umas coisas
que ela gostava, eu aprendi a passar a mão e lamber ali, uns lugares, ela dizia
que fazia cosquinha e pegava em mim também, no meu pau, botava na boca, ficava
agitando e tal, e acabou que eu também gostei,
aquela coisa toda de proibido, na ausência do meu pai viajando, você sabe, isso
acabou indo por uns tempos, até que meu pai descobriu e me encheu de porrada...
Mas quanto tempo,
Magal?
Rapaz, na verdade
só acabou ano passado, quando ela se mudou com o cara do açougue, e no bate-boca
com o velho, resolveu me botar pra fritar junto. Você lembra, foi um período
que fiquei faltando aula por umas duas semanas, pra recuperar da surra, falei que
tava com hepatite. O velho começou a beber depois disso.
Putaqueopariu, Magal!
Mas o que tem a ver isso com o resto?
Na verdade
nem sei se tem a ver, mas no fim não e´que eu não goste de mulher de vez,
assim, mas é que descobri na ginástica um dia que eu também gostava do outro
lado, entende? Eu reparava também os homens..
Entendo e não
entendo, bicho, tô tentando aqui recompor meus parafusos, você até meia hora atrás
era não só nossa referência no terreno
dos caras espertos, mas também uma espécie de ídolo por suas conquistas entre a
mulherada.
Até que
nunca foi difícil pra mim, mas isso também não tem muita importância. Já peguei
muita mina e fiz raiva em muita gente roubando namorada, mas depois meio que
enjoei um pouco disso. E também eu não ligo, só não quero que a coisa vaze. Já estou
saindo de vez em quando com o professor de educação física, mas é tudo segredo.
Só queria te explicar que saí logo do bolão porque ando numa fase difícil e não
ia querer ter que provar nada na frente de uma mulher e com um monte de fedelho
na expectativa, se me entende. Sair daquilo foi uma espécie de alívio.
Acho melhor você nem
me dizer mais nada. Claro que não vou contar, eu entendo você mas acho que também
não tô querendo saber de mais detalhes, você também me entende, né?
Sim, po. Você é meu
brother, e estou feliz por ter falado. Só fiquei meio puto porque o resto da
galera ficou me acusando de ter roubado a grana do bolão, que já tava alta. Eu juro
pra você por tudo que tem de mais sagrado que não peguei a porra dessa grana.
Eu não queria participar, tinha minhas razões, mas jamais pegaria a grana. Só queria
contar isso mesmo, que tava agarrado aqui na garganta , e eu achando que ia
morrer se não falasse.
Magal, mas também
não é assim , velho. Relaxa, levanta a cabeça. Ainda mais hoje em dia, tudo tranquilo,
acho que é manter a mente no lugar. Cada um faz suas opções, segue o que sente
que é mais verdadeiro , sei lá. Confesso que ainda tô meio surpreso, mas seu segredo ta´garantido comigo, pode confiar.
Fico feliz que tenha me escolhido como seu amigo, e por conta disso também vou
lhe contar um segredo meu.
Po, moleque, vai dizer
que tu também é gay?
Não, mano, qual é?
minha coisa é outra, mas eu também precisava falar com alguém.
Desembucha aí,
vai. Não imagino nada que seja mais impactante do que eu te disse aqui esta
noite, depois dessas cervejas todas. Por ora estou ótimo, mas amanhã depois que
passar a ressaca, acho que vou ficar péssimo.
Rapaz, Magal, eu
sei que não foi você, velho, que roubou a grana. Mas o que vou te falar,
você também tem que manter segredo.
Obrigado, bicho, você
é meu amigo, e sei que confia em mim. Mas no fim das contas, como é que pode
ter tanta certeza que não fui eu que roubei, T?
Magal, eu sei que
não foi você que pegou o dinheiro que nós guardamos lá na casa do Nando porque
fui eu que roubei a porra da grana, sacou?
Como assim, rapá? Cê
ficou maluco?
Roubei tudo, não
deixei nada pra trás, dois dias antes de darem pela falta, lá na casa do Nando.
E pior: não tive qualquer remorso.
Putaqueopariu,
moleque! Mas não sabia que você tinha esse lado podre.. hahaha, mas essa é boa!
Essa cara de santo aí, meu...haha (vira pra trás, na cadeira da rede, quase
virando de costas) mas que porra é essa, por que você fez isso?
Você tá lembrado
que eles queriam combinar com o irmão da doida, né, pro rock de iniciação da turma.
Eles decidiram não ir no Summer House mais, porque tudo lá era muito caro .Só o
Vitim mesmo, burguês do cacete, pra ter esses luxos de tio pagando GP de alto nível...
sortudo do caralho!
Sim, claro. Tô lembrado,
o cara é irmão, meio-irmão da menina, sei lá, conheço Marreco há tempos, mas é
tipo um cafetão, além de passar uns bagulhos aí. Ano passado mesmo andou preso
uns dias e levou umas porradas lá na DP. Mas e aí , filadaputa? Diz aí porque é
que resolveu botar a mão no dinheiro. Você não era disso, Tozim, manda aê, rapá,..
(dá uma gargalhada e um trago profundo no Hollywood filtro amarelo que tem na mão
direita).
Pois é, Magal, fui
eu que roubei. E só roubei porque eu gosto da doida. Eu gosto da
doida!! Sacou? Entende, Magal?
Como assim? Cê não
tá falando sério. A garota maluca dos cabelo azul e das música sem-noção? Mas o pessoal
por aí diz que ...
Foda-se, Magal! Tô
nem aí. É ela mesmo. E não vou deixar nenhum filadaputa seja amigo ou não ficar
fazendo arranjo lá com irmão marginal da casa do caralho. Eu nem acho que ela é
do jeito que falam é que todo mundo e´meio filadaputa nessa vida...
Rapaz, mas aí é
paixão mermo, meu amigo! Pro cara roubar e brigar com todo mundo por causa da mina...
hahaha, tá fudido , moleque!
Então, cara. Me diga
se não estou maluco ou isso é simplesmente o amor, no final das contas? Já nem me
lembro das minhas revistas, mais , Magal, consegue imaginar? As revistas, bicho!
Logo eu, um aficionado pela coleção, a coisa mais linda, já tenho quase setenta
revistas do mundo inteiro , com aquelas beldades. Tem mais de um mês que nada! Nem
lembro que elas existem.
Como assim, nada??
Não tá falando sério...
Nada! As revistas
só no canto, malocadas. Nem peguei. Agora só penso nela o tempo todo. Eu gosto do
sorriso dela, do cheiro, das paradas que ela fala, das idéias atravessadas e do
jeito muito diferente de todas as outras garotas que eu já vi.. Já trocamos uns
beijos no réveillon na casa de Lisa, mas ainda não passou disso. Roubei a grana mesmo, roubei a porra toda e
roubava de novo, mil vezes, e com o dinheiro ainda comprei um violão novo, elétrico,
e mandei pra ela de presente de natal, e é com esse violão que ela vai tocar lá
no show de início de ano da escola, no fim do mês. Já estou até aprendendo a tocar
bateria pra poder acompanhar ela nas apresentações. É isso, eu gosto
da doida, Magal! Eu gosto é da doida!! Era isso que eu queria te dizer.
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pub orig in livro de contos "Reine Sobre Mim", reg AVCTORIS dez/2018