Etílico

Uma dose, duas três
Não me ponham
outra vez
o gim gelado com limão
à minha frente
O poder do álcool
sobre o texto

A respiração
A visão
A insônia
A tensão

O pulso o peito acelerado
O fluxo do corpo
congestionado
O palco todo armado
Para que outras narrativas
de mim surjam, ao fim

Mancando
sobre o papel

Um coração vomita-se inteiro
em amargas porções
Quem pode querer tudo
ao mesmo tempo agora
Espetando a vida contra os desejos
Quem viveria impunemente
suas mais verdes pulsões?

Quem ainda se enquadraria
no desígnio de continuar sendo
aquilo que se tornou
quando a ebriedade
é este irrecusável convite?

Ceder às aparas medianas
do estéril controle externo
patrocinado tristemente
por reencarnações seguidas
das mesmas despeitadas almas

Ou albergar o monstrinho sorridente
e criativo cuja energia jamais se esgota?

Encarnando Hyde por uns tempos
percebi, surpreso,
que é na verdade  Jeckyll
que me sufoca
é Jeckyll quem me maltrata

Mas não importa muito, no fim
Quando o efeito do fluido cessa

A vida é sempre essa contínua  ressaca