De amores e delírios

De amores somos feitos
Nem rocha nem água
nem desespero
No tempero, talvez
um grão de delírio

Nem o chão pedregoso
O caminho pisado
Nem destinos sofridos
nos tiraram o riso

Não tiraram o sarcasmo
como sintoma de saúde
Não perenizaram mágoas no sangue
por mais de sessenta segundos

Nem os pés machucados
experimentados
no decorrer de uma vida
desafiando a corda bamba
Nada pôde mudar isso

Duvidamos quanto ao mundo
saber acolher o amor
Jamais da nossa capacidade
de amar

Continuaremos
contra tudo e todos
exibindo na praça
a casca grossa
a cara lambida
os olhos tortos
de estranhos desejos

Uma espécie amistosa
de solidão que é companhia
e musa
(mesmo quando arranha)
Um querer bem
a todo sentimento que transborda

Sozinhos ou acompanhados
Reprovados no campo de teste
cotidiano
no velho quesito incapacidade
de viver sem amor
Não somos oniscientes
Não somos mercenários

Somos guerreiros aguerridos
(mas do tipo quase imprestável
no campo de batalha)
Infensos às ordens insanas
do general manipulador

Soldados reprovados
em seu potencial ofensivo
a quem caberia,  por missão,
causar devastação,
e que, na hora de atirar a bomba,
apertar o gatilho
gritar aterrorizando a noite escura
acelerar o canto de despedida
das multidões desprotegidas

Somos os desertores-sabotadores
que vão  desarmar as ogivas
questionar a pátria
embainhar as facas
voltar-se contra seus senhores
desobedecer aos pastores
porque não aceitam a escravidão
porque não toleram atrocidades

Somos os que não conseguem
ver nas humanidades
--coletivas
ou individualizadas
fragmentadas
sofridas
perdidas--
qualquer
tipo válido de alvo

A vida que vai no outro
é sagrada e inspira
contagia,
-- nosso peito é imenso --
Pega tudo pelas mãos
e desenreda, alimenta
ensina a voar

Somos o guerreiro virtuoso
Coabitando o soldado desertor
Sabotador das causas que nos causam náusea
Somos o Samurai que escolhe
o seu senhor