O silêncio no cinema
Tema difícil para o cinema. Embora tão comum à música, à pintura, à literatura, em alguns
casos definindo o eixo da criação de um artista pela forma do seu manuseio ou pela instilação
de seus preciosos efeitos sobre o tempo e o volume da obra, o silêncio quando é celebrado
contra a constante barulheira incontrolável do mundo, pode ser extremamente fértil em seus
resultados. Que o diga Tarkovski, que teve domínio absoluto sobre o tema, em suas esculturas
de movimento.
Mads Mikkelsen, esse excepcional ator (ainda pouco conhecido do grande público), interagindo com a natureza selvagem do polo norte, em "Ártico". Longe de qualquer reafirmação do antigo mito de Tarzan, o homem branco vencedor como indivíduo contra o mundo hostil, ou uma idéia equivocada e inoportuna da repaginação de um MacGyver em novo shape, é antes um filme de sobrevivência contra si mesmo, sendo a natureza exterior um segundo personagem. Um homem qualquer, sobrevivendo a um acidente aéreo, perdido nos confins de gelo numa região completamente inóspita a quilômetros de qualquer abrigo, tendo que superar dia após dia na sua própria capacidade de acreditar numa saída. Trabalho sublime de ator e movimento de câmera para contrastar a monotonia do branco neve dos polos, raros diálogos, bela fotografia, atuação magistral de Mikkelsen.
Brad Pitt, em "Ad Astra". Mesmo com carreira irregular entre boas e questionáveis atuações, já depois do incomparável "Clube da Luta", há duas décadas, o ator mostrava o potencial para bons trabalhos. Este poderia ser mais um filme espacial numa imensidão de produções anuais, caso o tema girasse em torno de conquistas/expansões/traslado da vida cotidiana militar-científica terrestre para a burocracia previsível do espaço sideral -- como ocorre tantas vezes em filmes sci-fi, mas o caminho aqui é outro. Inicialmente, até, cercado por um suspense e da adrenalina típicos dos filmes de ação , uma dada missão espacial que precisa ser realizada com certa urgência, (lembrando a história de Conrad, em sua grande obra "No coração das trevas", tão inteligentemente adaptada por Coppola em "Apocalipse Now"). O resgate de um militar de alta patente nos confins do mundo , cuja revolta contra o sistema o fez tornar-se uma "persona non grata" ao regime americano que o condecorou e o põs em ação. Com um detalhe inusitado, neste enredo: o rebelde militar de alta patente (o ótimo Tommy Lee Jones) é ninguém menos que o próprio pai do protagonista (Pitt). Uma leitura psicanalítica logo se põe a partir dessa revelação, feita logo de início. Há trechos silenciosos, onde fragmentos e memórias tentam (re) construir uma imagem passada, preencher uma ausência. O caminho de retorno ao pai como possível origem, a busca, a tentativa de compreensão do surgimento, a expectativa do "Lugar do pai", tema tão caro ao pensamento filosófico (e à psicanálise na esteira), de Platão a Lacan. E como em toda busca dos príncípios, -- situação muito bem trabalhada neste filme -- não se aplicando às descobertas e consequências as regras comuns da vida.