No coração da selva
Alessamba, que linda!
a índia branca se apropria
dessa outra fantasia
Na passarela
Um corpo que é discurso
Incorpora lutas
Reverbera vozes
sufocadas há pelo menos
quinhentos anos
Corpo-painel
a revelar verdades surdas
Alessandra samba
O sangue dessa tinta
marcada sobre os olhos
E seus sonhos também
são os nossos
Solidários aos pesadelos
dos que nós não vemos
Rubras cachoeiras
que todos tentam esquecer
[Que linda essa índia]
Em sua fantasia
Bela ainda estaria
vestida de noiva
Cleópatra ou arlequina
Mas o gesto é mais
É metáfora e evocação
-- a hipótese, o que seria --
O paraiso, numa visão
Não fossem eles,
-- não fôssemos nós --
os donos da sede
que não sacia
A avidez do agronegócio
O veneno nas águas
O garimpo desolador
A matança dos últimos
guerreiros
Alessamba e evoca
Os antigos donos da terra
Os expropriados donos dos rios
Os verdadeiros donos das matas
Ganha capas de revistas
Ganha mídia e polemiza
Tua imagem generosa
é essa candente rosa
sobre um rio raso
e quase morto
E vai mais longe em um gesto
que tantas falas inúteis
eivadas de raivas vãs
Tua tez não é de Iracema
mas o coração já é Tupi,
Carajá, Tamoyo
Porque é a causa que dignifica a luta
(O resto é ocioso passatempo)
Evoca
em nome dos que não têm voz
Todos aqueles deuses
assassinados
por doenças brancas
Soterrados sob o capital
Massacrados pelo
fundamentalismo
em nome da cruz
Dia após dia após dia
Mas disso poucos se lembram
Os discursos sossegam, mudos
sem coragem de sair da boca
enquanto os monstros se instilam
Samba e brilha, linda
e chama o mundo aos olhos
nessa avenida
Quem sabe a vida
não se vinga
unindo ainda uma vez
o arco à flecha
a pena ao cocar
Deuses guerreiros
Florestas em fúria
revertendo
a maldita civilização
com a exuberância
de uma outra cultura
Uma tela, um poema, uma beleza
Divulgar a luta
Demarcar as terras
Todos tocados
muitos tornados
um pouco mais índios
no coração
Que linda essa india
enaltecendo com seu gesto
o último grito
de uma nobre raça
Quem sabe um dia
a vida não se vinga
Alessandra
e elimina a ameaça