Se for pra ser velho
Rol (Poemas Armando Freitas Filho)
Para Armando
---------
Se for pra ser velho
tem que ser assim
Melancólico e moleque
Sem engrossar demais a pele
Ouvir na noite erma
ao abandono de si
Os arranhões do lápis
(Angustiado, desperto, solto)
encontrando e perdendo vidas
na superfície porosa do papel
Perscrutar o dia que ruge lá fora
pelos vidros de uma outra varanda
Saber de cor os sons das antigas falas
Cômodos e salas, quarto e cozinha
de nosso peito-casa
O amarrado das coisas que contam
[E nessa lida tanta coisa conta]
Lembrando nostálgico
o tempo incauto de fumante
aspirando a fumaça do cigarro
escondido -- um por dia --
no cantinho escuro do banheiro
Como dizia o João Cabral
aos 72 não pode mais fazer mal
O copo de conhaque pela metade
Prosseguir como quem arrefece
mas jamais sossega
Sair dos sessenta, passar pelos setenta
e chegar aos oitenta intenso
No pulso o não-senso
de quatro garotos de vinte
A inquietude como bênção
e o sossegar sendo a morte
antes da própria morte
Sentir no âmago
como quem provou o fel
E ter estômago ainda
O sensível da língua
para a ciência do mel
em uma fonte que não se cansa
Se for pra ser velho
tem que ser assim
Ter tido o suficiente da vida
para que
bem antes da partida
-- tornando a ser criança --
o medo de ir perdendo os dentes
pelo caminho
não impeça de dizer o que se tem de dizer
não tolha a liberdade de ser
o que se tem de ser
Para Armando
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Se for pra ser velho
tem que ser assim
Melancólico e moleque
Sem engrossar demais a pele
Ouvir na noite erma
ao abandono de si
Os arranhões do lápis
(Angustiado, desperto, solto)
encontrando e perdendo vidas
na superfície porosa do papel
Perscrutar o dia que ruge lá fora
pelos vidros de uma outra varanda
Saber de cor os sons das antigas falas
Cômodos e salas, quarto e cozinha
de nosso peito-casa
O amarrado das coisas que contam
[E nessa lida tanta coisa conta]
Lembrando nostálgico
o tempo incauto de fumante
aspirando a fumaça do cigarro
escondido -- um por dia --
no cantinho escuro do banheiro
Como dizia o João Cabral
aos 72 não pode mais fazer mal
O copo de conhaque pela metade
Prosseguir como quem arrefece
mas jamais sossega
Sair dos sessenta, passar pelos setenta
e chegar aos oitenta intenso
No pulso o não-senso
de quatro garotos de vinte
A inquietude como bênção
e o sossegar sendo a morte
antes da própria morte
Sentir no âmago
como quem provou o fel
E ter estômago ainda
O sensível da língua
para a ciência do mel
em uma fonte que não se cansa
Se for pra ser velho
tem que ser assim
Ter tido o suficiente da vida
para que
bem antes da partida
-- tornando a ser criança --
o medo de ir perdendo os dentes
pelo caminho
não impeça de dizer o que se tem de dizer
não tolha a liberdade de ser
o que se tem de ser