Poeta é o que (r)existe
A poesia jamais se cala
Nasceu sem ser convidada
Do lugar de onde veio a fala
De um espaço
que -- tornado tempo --
gerou música
Celebrada, incensada
Proibida, cuspida
Ritualizada
e marcada no barro
Falou com os deuses
Habitou oráculos
Conjugou as preces
Conduziu multidões
Esculpida em vida
sobre a pedra
Testemunhou o auge e a ruína
dos reinos do Nilo
As incomensuráveis
riquezas persas
ainda hoje tão corpóreas
(o poeta e sua memória)
Testemunhou a guerra das guerras
Onde deuses e homens disputavam
a narrativa de um mundo maior
Viveu a decadência de Atenas
Foi expulsa da República por Platão
[mas não sem antes ele ter
se embriagado de Homero
Píndaro e Hesíodo
Platão que sabia, como ninguém
da vocação do verso, do seu poder
Sua capacidade de subverter
o óbvio, e não se submeter:
o destino de criar o novo
E isso sendo a materialização do medo
para os que dominam a velha ordem]
Vivenciou guerras, massacres
O êxtase coletivo dos vencedores
A dor e o sangue de quem perdeu
Doenças, misérias e tragédias
[Estava lá o poeta, pintando
nos muros medievais
com seu próprio sangue
nos tempos em que a peste
grassava na velha Europa]
Enfrentou os dogmas
quando a cruz se impôs na carne
e tudo o mais se calava
e às fogueiras foi levada ainda viva
-- julgada e condenada sem direito a defesa --
Ria, no final de tudo, sabendo de sua luz
enquanto ao redor respiravam as trevas
o mundo em choro e desespero
Postou-se de pé no paredão
Cabeça erguida, os olhos
vendados -- o coração não
Rimou dor e coragem
contra os fuzis da insanidade
e ainda na iminência de receber a bala
desferiu, de cor, seus melhores versos
contra o próprio algoz
Elevou a voz em puro delírio
na febre, - e foram tantas e
de tantos males, -- a temperatura
do poeta sempre destoando
do mundo
O poeta é o que adoece antes
mas cura-se primeiro
A morte sempre à espreita
e os versos correndo soltos
Como o sangue
que ora engrossa, ora raleia
Como a força da poesia
que a tudo incendeia
Não cedeu ao Treponema
Ou quando pálida do Mal do século
(e cada século com um novo mal
A cada meia hora um desandar
desafiando o conceito de saúde
como pressuposto de vida)
Não se intimidou nem quando em sua dor
foi acusada de se transmitir por amor
Sobreviveu à tentativa de extinção
quando as mãos humanas se empenharam
em causar o maior mal possível
Sem se calar depois da Inquisição
Não se calou depois das suásticas
Não se calou nem quando as fábricas
dominaram tudo
E não se calará, hoje nem nunca
porque o mundo não vai se acabar
enquanto o poeta (r)existe
Nasceu sem ser convidada
Do lugar de onde veio a fala
De um espaço
que -- tornado tempo --
gerou música
Celebrada, incensada
Proibida, cuspida
Ritualizada
e marcada no barro
Falou com os deuses
Habitou oráculos
Conjugou as preces
Conduziu multidões
Esculpida em vida
sobre a pedra
Testemunhou o auge e a ruína
dos reinos do Nilo
As incomensuráveis
riquezas persas
ainda hoje tão corpóreas
(o poeta e sua memória)
Testemunhou a guerra das guerras
Onde deuses e homens disputavam
a narrativa de um mundo maior
Viveu a decadência de Atenas
Foi expulsa da República por Platão
[mas não sem antes ele ter
se embriagado de Homero
Píndaro e Hesíodo
Platão que sabia, como ninguém
da vocação do verso, do seu poder
Sua capacidade de subverter
o óbvio, e não se submeter:
o destino de criar o novo
E isso sendo a materialização do medo
para os que dominam a velha ordem]
Vivenciou guerras, massacres
O êxtase coletivo dos vencedores
A dor e o sangue de quem perdeu
Doenças, misérias e tragédias
[Estava lá o poeta, pintando
nos muros medievais
com seu próprio sangue
nos tempos em que a peste
grassava na velha Europa]
Enfrentou os dogmas
quando a cruz se impôs na carne
e tudo o mais se calava
e às fogueiras foi levada ainda viva
-- julgada e condenada sem direito a defesa --
Ria, no final de tudo, sabendo de sua luz
enquanto ao redor respiravam as trevas
o mundo em choro e desespero
Postou-se de pé no paredão
Cabeça erguida, os olhos
vendados -- o coração não
Rimou dor e coragem
contra os fuzis da insanidade
e ainda na iminência de receber a bala
desferiu, de cor, seus melhores versos
contra o próprio algoz
Elevou a voz em puro delírio
na febre, - e foram tantas e
de tantos males, -- a temperatura
do poeta sempre destoando
do mundo
O poeta é o que adoece antes
mas cura-se primeiro
A morte sempre à espreita
e os versos correndo soltos
Como o sangue
que ora engrossa, ora raleia
Como a força da poesia
que a tudo incendeia
Não cedeu ao Treponema
Ou quando pálida do Mal do século
(e cada século com um novo mal
A cada meia hora um desandar
desafiando o conceito de saúde
como pressuposto de vida)
Não se intimidou nem quando em sua dor
foi acusada de se transmitir por amor
Sobreviveu à tentativa de extinção
quando as mãos humanas se empenharam
em causar o maior mal possível
Sem se calar depois da Inquisição
Não se calou depois das suásticas
Não se calou nem quando as fábricas
dominaram tudo
E não se calará, hoje nem nunca
porque o mundo não vai se acabar
enquanto o poeta (r)existe