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Mostrando postagens de maio, 2020
Uma paleta gótica
Desafiando as trevas, o signo do sangue acende a sede do vampiro Histórias encadernadas emolduram o delicado rosto mas não podem salvá-la quando a luz do dia não mais clareia Antes, incitam à ceia como um raro antepasto de apurado gosto Ouço as corredeiras encobertas Sob papéis de seda e giz a escravizar os olhos e alargar o desejo (Onde irão desembocar , esses rios?) Absorvendo histórias na ponta dos dedos ela segue distraída como quem decide vidas sem gastar segredos O mundo aqui fora como animal a arquejar se os livros sequestram ainda que por um segundo seu olhar Quartzos boreais Águas-marinhas afiadas Adagas lavradas no mais fundo da terra sem lume A arma reservada para o fim quando a vítima tornada algoz lanha o peito da nova presa com seu gume ------------ in "Goth: A Casa de Frankenstein", poemas para Mary Shelley- AVCTORIS/ nov 2019
Dos sons que ficam
U2 - "Achtung Baby" (1991) , uma das obras de arte (raras) do rock contemporâneo, e não à toa de uma de suas melhores representantes. Um dos álbuns que mais me emocionam ainda hoje ao ouvir. De ter tocado esse som, de ter cantado todas essas músicas ,letra por letra. De ter acompanhado essa banda desde o nascimento, naquele estrondo de cores e coração pulando no peito de "Pride", "Indian Summer Sky" a coisa de tamanha beleza incontida em "Bad", e "Unforgetable fire", todas do album de mesmo nome. A porradaria comendo solta depois em "War", um disco-protesto sem perder o tom. Criado ainda na respiração do conflito sangrento que matou tantos inocentes nos embates entre Inglaterra-Irlanda. "Sunday bloody sunday" e "New years day" cravando na faca as marcas da violência das forças britânicas e a resposta à altura do I.R.A., então em plena atividade. Em Achtung, uma banda já muito experiente e
Red Papoula
Beauty Turn on the World In red and green Lost souls Running around a red skin The essence of life Waiting for a pinprick Silence blows over the night The book of secrets Rests glad on your pale hands Still remains there, the signs In the light of her eyes That mesmerizes everything Floating on liquid green Bright flight under a starless sky Red Papoula I would drink of you white blood All the night long And it wouldn't ever Makes me feel numb
"O tempo e o cão " (Maria Rita Kehl)
Disparado, a melhor obra de não-ficção lida nos últimos anos. Pra não dizer uma das melhores e mais importantes que li na vida. História, filosofia, psicanálise estudo acurado dos contextos sócio_ políticos e sua indissociável presença no âmbito do indivíduo, coisa que, incrivelmente, desde 2010, -- data da sua publicação-- ao contrário de relegá-lo a um possível esquecimento, apenas o fizeram imensamente mais forte e atual, diante da nova realidade do país e do mundo. Livro necessário, como o status da melhor literatura e arte, como ensejadoras de uma melhor e mais profunda experiência do pensamento. A prospecção e o questionamento mais que oportuno, sem medo do limite (Institucional, mercadológico e conivente dentro do que em alguns momentos se convencionou denominar ciência médica), de uma idéia sutil e funcional de doença, a construção e a atribuição dos rótulos como necessidade de controle do discurso e das formas de verdade . A experiência d
Café
-------------- Para Ariano Suassuna I. Toca mais à frente, que nosso lugar ainda não é aqui -- ele disse -- e do Alto Calçado chegou: pouca herança, o braço forte Pés pisando duro, peito cheio de esperança e um sentido seguro para os negócios Vinha assim o velho, e subia a montanha com olhos de amanhã. Nas mãos o menino baixando a meio caminho a visão sobre o vale A saudade e o sumo do que deixou para trás´ "quero é mais: terra nova, vento frio batendo no rosto" "Verde, tudo verdim, rio não longe, mina d'agua eeeh, ôoooa boi! quase tudo a meu gosto!!" O altiplano bom para o cultivo da planta A junta de malhados ralando casco na pedra A mulher de lenço branco na cabeça Serenou-se feliz no território da Água Limpa -- um quadro em sépia na sala junto aos santos -- O espaldar dos filhos penteados e enfileirados como o olhar pedagógico do pai na cadeira Em volta, as madeiras de lei, o solar e o terreiro Gaiolas e mais gai
Leituras (o cotidiano, por três olhares na poesia americana)
Carver é prosador e poeta, embora mais conhecido pela prosa que pelos poemas. Retornou às livrarias recentemente, por ocasião das referências do excelente filme "Birdman", onde seu belo texto "Do que estamos falando quando falamos de amor" exerce papel central como peça dramática montada pelo protagonista. A curiosa distensão que por vezes ocorre quando um autor projeta seu trabalho simultaneamente nos territórios nem sempre comunicáveis entre a prosa e o verso. Na prosa, seus textos, muito mais pela forma, os temas, os contextos, do que pelo coonteúdo, lembram um pouco Bukowski, de quem abertamente recebeu influência , -- coisa que jamais negou e é possível ver facilmente --, contudo o aprofundamento dos argumentos mais finos, a observação mais sagaz e menos impulsiva sobre as inúmeras variações do temperamento e da condição humana, a elegãncia contida do traço e o tom reflexivo da experiência logo o distanciam fortemente do be
Circo
Sempre fui uma criança chata. Do tipo que é imersa demais em seu próprio mundo pra ter qualquer noção do que acontece no ambiente adulto à sua volta. Se tivesse nascido hoje, não tenho a menor dúvida que inventariam alguma "Síndrome Científica" para me extinguir. Quem sabe algum comprimido milagroso que me desistisse de mim. E é claro, essa situação de desambiência com frequência era também percebida pelos adultos à minha volta, o que não exatamente facilitava minha vida. Isso nunca foi problema com as outras crianças, esses seres metafísicos e espaciais, e sempre transitei até bem demais entre eles, ora como rei, ora como súdito, ora simplesmente como o comum dos mortais -- par entre meus pares --, a maior parte do tempo como bicho solto no mato, sozinho, com arranhados nos braços e nas pernas, e um pedaço de capim entre os dentes. Entre os adultos, minha vida era um verdadeiro inferno. Ora etiqueta, ora catecismo, ora comportamento em público, ora mais obediên