Asas de Artistas
Vieram diferentes, hoje
contra os quadros do morro
Pra mais de cem
Um certo arrepio destes tempos
me subiu frio pela espinha
Mau agouro? Fim de mundo, esse
clima de tudo queimado
Avesso às secas e queimadas
ando criando
pequenas criaturas no quintal
que ganhou imensa vida
depois da goteira permanente
virar piscina pra bicho no balde
Não conseguia cessar a goteira
Não consigo nem saber
de onde vem tanta água
mesmo com o registro fechado
Bombeiros, remendos, bóias
Desisto, ao menos por hora
Passei a ver a metade cheia do balde
É cada mergulho de Bem-te-vi
que dá gosto de ver
Ao redor, o matinho verde
se alvoroça limando o cimento velho
Cimento bom é o que ganha pele
Soberanos em paradeiros de ar
Os urubus voam com o pouco- esforço
só no leve-levinho
Os ossos ocos
asas longas e graciosas
Não é difícil ver os ponteiros
"Urubru-cruzeiro", como dizia
Seu Antônio
As asas no alto
têm um formato diferente
do bigodinho de Dali, e voam
apartados dos demais
As espirais não são circulares
como eu mesmo achei tantas vezes
(Pescoço doendo, olhos no céu)
São concêntricas mas poliédricas
Só deu pra ver melhor agora
porque hoje tem muita raça de urubu
lá em cima
Eles fazem ângulos retos entrando
e saindo de um círculo imaginário
que não é círculo e rascunham
em quadrados e estrelas
E enquanto fazem esses desenhos em 3-d
vão migrando o bloco coletivo
de um lado a outro do céu
Esquadrinham tudo, de norte a sul
Deuses pagãos brotassem das nuvens
Amarrassem um pincel
com tinta colorida em cada asa
e soltassem
os bichos na tela azul de ainda setembro