Mil anos

Auto-ajuda só funciona mesmo

é pra quem vende

Sejam livros, remédios 

ou conversa besta


Daí que, tentar conciliar 

numa mesma personalidade 

mesmo corpo e mundo-agora

uma espécie de sapo arrogante

frio e pegajoso de óculos 

que me habita o cérebro

insuportavelmente inquisidor 

com o leão passional, acéfalo 

e excessivamente sanguíneo 

de longa juba vermelha

que me enche o peito 

nunca foi trabalho fácil 


Depois de muito errar mundo afora

fui parar na quina do oriente

(Décadas antes de virar modinha)


Mil anos

Se eu vivesse tanto

ou ao menos tivesse a absoluta certeza 

de que minhas encarnações seriam 

um plano-sequência continuado 

as filosofias orientais teriam me

valido de alguma coisa


Do contrário, foi apenas um surto 

de ansiedade no estranhamento

de um pensamento que recusa a ação 

porque acredita piamente no carma

e que tudo enfim uma hora se resolve

Mil anos para aprender melhor a lidar

com o tai-chi-chuan e as embolações

conformadas do mundo Zen


Levo na memória e no corpo apenas 

a beleza do Kung-fu, essa arte

das artes e seu mágico retorno 

à natureza. 


Existe alguma coisa ali 

Não sei bem se um certo olhar 

Uma respiração, um movimento

Um soro aumentador da vida

Um respeito a tudo que vive

e a louvável busca de uma sintonia


Devia ter continuado