Velhice
Quem se preocuparia
de fato com algum destino
sabendo daquela força
que habitava seu interior desde sempre?
Como eu fugiria de algo que estava em mim
Algo que já era eu?
Eu já era velho aos sete anos de idade
Um excesso de juízo, um peso reiterado
em dizimar probabilidades
Carregava preocupações desmedidas
num espírito que vez em quando surpreendia
incrédulos adultos ao redor
por sua sisudez encrespada
(Eu só era criança quando me distraía )
Eles ainda não sabiam
que eu tinha mais ou menos noventa anos por dentro
Feito aquele Benjamin Button do livro
Mas sem a bênção do personagem
A graça dele se tornar mais jovem e bonito
no caminho enquanto por dentro as memórias iam benignamente se desfazendo
Comigo,
(embora sentisse que algo retrocedia
continuamente no espírito)
por fora a física continuava seus estragos
E a memória, essa maldição dourada,
jamais quis arrefecer
Não herdei o lado bom da velhice, por contradição
A tal sabedoria,
que me caberia por preceito
A relativa e desesperadora calma
em saber que tudo passa
Não herdei a imprudência vertiginosa e necessária
das crianças, o desmedo de ir cavando mesmo sem saber o que vem de lá
Ou pressentir que pode algum barranco desabar na sua cabeça
a qualquer instante
e ainda assim continuar a cavar
No correr da roda, cheguei hoje
pelos meus cálculos , e pelo revés do relógio
em uma idade interior em torno dos
doze ou treze, no máximo
(a ansiedade, o enxergar mundos
no mundo, o excesso de curiosidade,
a incansável mania de esmurrar facas e uma eterna ingenuidade que tantas vezes quer
passar por malícia )
enquanto por fora
no físico, a soma dos cinco ciclos
produz os mesmos efeitos dos noventa
(O mau humor, os entrevamentos físicos, a má-vontade em admitir os erros, o pessimismo inafastável dos ossos)
Tudo que julgava ter deixado para trás
Um Benjamin Button incompleto
para desespero de meu dileto amigo
o querido Fitzgerald