Como se fosse acusação
Defendi melhorias na qualidade de vida
e menos exploração para os
trabalhadores, a taxação de grandes fortunas
e uma melhor distribuição de renda
e me acusaram de ser comunista
Defendi a liberdade de pensamento,
a tolerância religiosa,
o respeito à liberdade de crença e à diversidade,
enalteci a potência humana para enxergar a vida
em plenitude, sem se escravizar por dogmas
algumas vezes doentios e a moralização do mundo. Me acusaram de ser ateu
Saí tantas vezes em defesa dos amigxs, principalmente depois que virou a maré braba dos tempos, e-- mesmo sem que eles precisassem defesa no seu modo legítimo de ver e sentir a vida -- me tornei mais uma voz incessante contra todo tipo de opressão e de cassação dos amores e afetos e todas as variações possíveis com que eles vêm ao mundo. Elevei a voz não poucas vezes contra os desequilíbrios de gênero que ainda penalizam a mulher e contra os guetos, a segregação insidiosa que reside entre nós, desde criança na escola observando a presença maligna dessa farpa cortante. Censurei as tantas boas-gentes (algumas tão próximas) que achavam tudo muito bom, tudo muito bem, desde que o preto ficasse no seu lugar. Causei estranhamento entre os meus, ou aqueles a quem assim antes reconhecia, ora porque parecia advogar para o diabo, ora porque questionaram se esse lugar de fala era mesmo o meu lugar. Me acusaram de ultrapassar limites discursivos de minha classe, cor e status e tentaram por todos os lados cassar minha voz, como se eu desse ouvidos a isso e não estivesse pouco me fodendo pra essa babaquice dos tempos e não tivesse mandado tudo pro inferno em nome de um conceito de liberdade próprio que vai muito além dessa cerca.
Desafiei em falas e textos a forma-rebanho de acreditar
na salvação do que quer que seja por pseudo-heróis nascidos e formados
de súbito na selva da politica, esses monstros que vão se criando à margem das consciências obtusas, dentro de um Estado bizarro que não tem qualquer consideração pelas formas de vida e seguem alimentados por todo o ódio que já existia de alguma forma entre nós como germe mas era sempre mascarado por pura ideologia, e agora encontra pasto farto para crescer
Me acusaram de ser Anarquista . Provavelmente o primeiro Anarquista-Comunista da história, ao juntar duas vertentes contrárias numa única escola de pensamento
Apontei o dedo contra a besta inúmeras vezes, como tantos outros bons em nosso meio que não se resignam a ver sua terra diariamente estuprada, pelo óbvio da situação de terror a se instaurar no país. Estava na cara, muito antes de tudo acontecer. E fui (fomos) acusados de anti-patriotismo, até por gente chegada que aderiu à nova causa. Suspeitaram de nossas falas e atividades, e por todo lado onde andamos, por um bom tempo surgiram olhos insólitos a vigiar. Achando que não seriam notados apesar da falta de discrição e tato, ainda botaram stalkers de todo tipo a vasculhar nossas redes e nossos escritos, alimentaram dezenas de perfis fake a mandar ameaças e tentativas de intimidação, futucando nossa liberdade constitucional inviolável de expressão, nossa voz incansável contra o fascismo, como se isso fosse de fato nos intimidar ou como se eles tivessem o direito de legitimar o massacre que foi e está sendo feito à nação com requintes de crueldade há cinco anos , por desgovernos que reúnem tudo de ruim que já constou no sangue da raça humana, todos os defeitos e sequer uma virtude que possa ser apontada ao menos por descuido.
Mas eu era artista e senhor do meu pensar
Dono do meu próprio tempo, meu corpo
e dos meus pensamentos, eu era
artista e fui me consolar sobre a tristeza da era
consultando nas estantes outros maiores que viveram piores enfrentamentos muito antes de mim
e compreendendo que a falta de sentido histórico
e o estar tantas vezes em contradição com a época,
é na verdade bênção, o natural alento e força-motriz
para os que não se apequenam diante da vida
Tornou-se no fim motivo de orgulho a divergência, a ciência de ser um outro e a sorte de achar em meio ao grande incêndio aqueles que também voam na mesma direção
Essa força que existe e não cessará em mim, -- maior porque compartilhada agora -- vai devorar toda a negatividade da era , assimilar os pontos fracos desse inimigo comum transformando isso em vitamina, motivação e pulso para outros valores e ações, uma força que metaboliza e metaforiza e que enxerga além das barreiras toscas de concreto como é que a verdadeira vida se processa, em possibilidade de beleza e sentido
Como disse o poeta ao final de uma extenuante batalha perdida (não a guerra), afirmando que ainda era melhor estar em sua própria pele -- mesmo derrotado -- do que os que venceram em suas armas espúrias de sem-razão
A mesma energia que faz vibrar algo por dentro
ao me lembrar do quão vazio pode ser a vida em nosso tempo daqueles que ainda dormem e acordam sem sofrer nenhum tipo de falsa acusação