Criaturas da noite
Vinho quente e fogueira de lenha
na antiga laje de pedra
O violão segurando o blues
para um pôr-do-sol nobre e rubro
se despedindo atrás do morro
Dos lados, apenas a mata silenciosa
Coro de corujas ressabiadas
iniciando o pio
E o rio leve em estação de secas
Risadas e cantorias
Enquanto aguardávamos seu nascimento
no vão entre os picos mais altos
Daí a pouco, no sobressalto
A cara branca de pedra
infiniluz
Trazendo até nós um espelho de histórias
roubadas de outras eras
O incenso ritual passando a roda
E à medida em que a fumaça subia
O vinho acariciando o peito
(Seu caminho avançando na noite)
A brincadeira de adivinhar os
bilenares portraits sobre suas crostas
Distantes e tão próximas
Objetivas focando
o mesmo quadro no espaço
ao mesmo tempo
e achando pinturas tão díspares
Cada um -- viajante de si --
na liga-mestra dessa espaçonave
via então uma diferente tela
Desenhos de letras gregas
O rosto de um santo
ou de algum conhecido
A face oblíqua
de uma geometria qualquer
Um animal em movimento
Surgindo túrgida no céu liso sobre as pedras
alheia a todos os humanos problemas
-- grandes ou pequenos --
Trazendo consigo essa estática
que inferniza a vida dos rádios
O ciclo infalível que torneia as marés
e faz crescer cabelo às árvores
O mesmo poderoso ciclo
Remanejando cios
Vitalizando raízes
Desnorteando bichos
Liquefazendo mulheres
Estratificando a grama
Entorpecendo formigas
Ensandecendo lobos
Maturando o vinho
Densificando a madeira
Mortificando o sono
Recrudescendo a fome
Alimentando os homens
Aumentando a sede
Essa prata que se bebe, sôfrego
e nos atravessa a garganta cheia
quando os olhos se calam
e toda palavra a certa altura
soaria inútil
Apenas um uivo, então
estaria à altura de nosso canto
Apenas um uivo
restituiria ao humano alguns segundos
dessa eternidade partilhada com o firmamento
sob um teto de orvalho e noite