Terra molhada

Poluição, seca, calor dos infernos

Mas ela vem assim mesmo, e entorna

Vai lavando, diligente

           e irrigando, generosa

o que encontra pelo caminho

Mágoas, melancolias, escadarias

Dificulta por uns tempos 

o triste hobby dos incendiários 

Destila o bruto vivido no concreto 

Dissolve convenções e vivifica

o rumo dos dias. Chuva lá- fora

repõe os ponteiros do agora 

Embaça os vidros dos carros 

lembrando ao incrédulo dia 

que em todo cantinho ainda há poesia

Desperta a terra para sua potência

como se a latência se guardasse no núcleo

Na cadência surda de um mundo escuro 

bem no limbo do planeta

e as primeiras águas desvelam o ser

que sempre esteve ali, contido

Terra quente que sabe segredos 

Absorve chuvas e oferece nuvens

Sem medo rebrota, repovoa, nutre

e com a fúria calma das águas renasce

Sossega a ventania que vai dentro 

Melhora o respiro das coisas

e dos bichos

Os bambus não recolhem a felicidade

Os passarim endoida

Aparece bicho novo de tudo que é lado

A terra seca, só no gorgolejo afobado

como bebum na abstinência forçada 

a quem subitamente por descuido

se franquia uma nova garrafa

Aqui, onde os pés tocam o chão

é esse conforto de friozinho 

no repente do verão


Molhado,

o som das coisas ao redor se modifica