Cedo demais


                                         em memória de Márcia






É porque em algumas pessoas

a morte não cai bem. Não encaixa 


Imaginar um fim para essa sua inteligência 

Seu talento pra tudo 

aonde botava os olhos e o coração : biologia,

enfermagem, mãe, cuidar de gente: campo 

que sempre me pareceu o seu natural.


E nos últimos tempos, no jurídico, 

uma guinada de carreira, como  

induzindo o mundo a se rearranjar em 

novos espaços para  agasalhar tamanha força benigna em erupção


Imaginar um fim súbito

pra isso tudo, um fim maldito

Obra de misérias coletivas e mitos 

que nos aterrorizam nesta triste terra 

até mais do que o próprio vírus


Um fim súbito para sua risada sagaz

convulsiva e meio fora de hora,

que não tinha Cristo capaz de parar 

a não ser sair de perto e tomar um ar 

um sossego, um copo d'água

(Risada meio dolorida depois do  aparelho,

motivo de tanta piada da turma e pirraças.

Onde já se viu "véio" usar aparelho?)


No entanto somos os que mais precisamos

deles


Sua generosidade em ser mais

repartindo sua luz por outros seres 

-- todos saídos à sua cara, é claro


Essas partidas onde se parte 

mas algo ainda resta na gente 

Fazendo-nos questionar

essa idéia banal de sofrer 

sem necessariamente

ter uma razão: se ficou em nós 

tanto de quem partiu, por que 

a dor, então?


Ainda assim seguimos em frente

(Seja lá o que isso quer dizer)


Com a estranha sensação por dentro

de que algumas criaturas não podiam

mesmo ocupar esse espaço da cessação

de vida, mesmo quando toda angústia, 

todo medo e todo acidente 

é o que mais nos propõe acolhida


Algumas vidas simplesmente não cabem 

no que possa vir a ser 


         esse conceito imperfeito de morrer