Flor de manga
Do topo do muro já dá pra ver, do outro lado
Os coquinhos de verde-claro subindo
para se enfiarem em meio ao rosa
Palavras descontidas portando ramos
Configurações fractais vindo à luz
A intrincada geometria das flores de manga
que Fabergé conhecia bem
(Quem disse que a beleza está no simples?)
Uma nova florada da mangueira
rebrotando com a chuvinha boba
e precoce ameaçando primaveras
Abrigo de pássaros e de um certo
Mico-leão acostumado a se esconder
na churrasqueira velha
e vir catar bananas inusitadamente
descobertas no fundo do meu quintal
Um dia desses veio tudo abaixo, sem aviso
e deitaram sua velha copa ao chão
Vestidos de macacões laranja
e patrocinados pelos se sempre
- os homens de barulhentas
motosserras e muitas sedes nas mãos -
(Sob protestos de moradores, tomados de espanto)
Mas de novo ela sobe flores
como se não soubesse
(nutrida pelos velhos troncos)
da existência das humanas razões
quando suga a seiva com suas raízes
Eu, no meu canto
bebo meu café quente nesta manhã fria
e espreito a vida através da fumaça
de uma grande xícara
olhando pelo muro do quintal
até gastar os olhos