Sapiens



Dos rudimentos do quase-humano mapeados 

no tempo, até a inteligência artificial da civilização que neste instante procura superar o legado monolítico do 0 e 1 dígitos binários, tudo isso através de uma leitura bastante ampla sobre as ambivalentes potencialidades conjugadas às incoerências e mazelas da era digital, passando com um olhar de enorme síntese sobre todas as fases da humanidade bem conhecidas (acrescentando a cada tópico pontos curiosos e histórias paralelas sobre fatos e eventos fortuitos) , a grande virtude desse livro ao se propor tarefa um tanto pretensiosa, é fazer isso com uma linguagem acessível principalmente a quem não é da área de humanidades. 

Não é um livro sem alguns méritos, ainda que 

a meu ver tenha sido superestimado desde o início (a grande arte do mercado editorial gringo, de sempre se fazer passar por algo original e virar best-seller). Se alguém há pouco já ouviu falar das contundentes leituras contemporâneas de Zizek, Agamben, Baumann,  Byung Chul-Han, Mbembe e Piketty, que exploram com muito maior propriedade e profundidade alguns dos temas tratados nesta obra, vai achar "Sapiens" um tipo de resumão para prova do Enem.

O acerto, a meu ver, foi mesmo com relação à escolha de tópicos bastante conectados em termos históricos, e que certamente tiveram extrema força e causalidade para o que nos tornamos hoje. Não é um roteiro perdido, penso. Apenas os links entre eles nem sempre são claros e muitas vezes soam exagerados, com excesso de informações pontuais  para substituir análise mais densa dos dados.  Também a linguagem fluida e bem humorada do autor é um ponto forte, apesar de não poupar o viés crítico e bastante ácido quanto à história da raça. Em alguns momentos contudo peca pelo excesso de informações dentro de uma mesma explanação, poluindo um pouco a leitura com pontos fora da curva, o que é imperdoável para obra de não-ficção.

Como o autor, evidentemente, não faz apenas um "relato' histórico, o que a rigor é impossível em qualquer análise honesta pela própria impossibilidade da visão neutra, os dois principais pontos frágeis são a ausência de uma abordagem estrutural da economia e a utilização de certos pontos de vista como se se tratassem de certezas científicas ou unanimidade teórica no campo da sociologia e antropologia, em geral .

A análise econômica de fundo foi substituída por uma narrativa histórica bastante eurocêntrica polvilhada de casos particulares e curiosidades ocorridos aleatoriamente mundo afora, acolhida ao fim por uma visão autoral que transita entre um liberalismo ingênuo e uma ideia de social democracia tecnológica um tanto conservadora na economia, embora mais permissiva nos costumes .

 Embora seja algo que marque a personalidade do livro e nesse sentido seja bem explícito,  ou seja -- testemunhar a transição da vida humana pelo universo carregada principalmente pela capacidade da espécie não sucumbir à natureza justamente porque possui nas mãos desde sempre o trunfo da ciência --, não merece qualquer condenação, a sensação que permeia a leitura desde o princípio é que o autor ainda confia demais na técnica como motivador e resposta universal para os maiores problemas que ainda nos restam para solucionar. Além disso, em muitos pressupostos tomados para desenvolvimento dos temas, conta como certos determinados pontos de vista que, a bem dizer, não são nem de longe consensuais nem para os historiadores ou antropólogos.