Da série: Alegrias e desventuras de leitor
Dois autores distintos com histórias e propostas muito diferentes, o médico (já falecido) Scliar e o músico Chico Buarque.
Em comum, nessas obras,
o tema sobre a longa noite pós-64. Scliar foi militante durante muitos anos e
dedicou, no período ainda da ditadura, seu fabuloso "Carnaval dos animais" a metaforizar de forma brilhante pela estética do realismo fantástico o quadro trágico -político da época. Chico fez isso por uma vida, também na militância ora mais calada, ora mais explícita, mas principalmente pelo trabalho poético- musical, nesse aspecto ainda sem igual no país, a ponto de me fazer pensar que, se o Bob Dylan merecidamente recebeu um Nobel pelo conjunto da obra, se aqui houvesse premiação pelo mesmo critério, sem dúvida Chico seria o nome.
Contudo, aqui me estendendo na comparação de duas obras tão distintas, lidas recentemente, apenas por uma razão: a sensação de estranheza no contato com o livro novo do qual esperava muito mais.
A decepção por ver, onde eu acreditava justamente que ele traria seus "depoimentos de sangue" , não apenas por ter sido testemunha real e ocular de todo o peso da era, mas também pelo incontestável talento de sentir e expressar as dores e angústias de todo um país, como tantas vezes fez de forma grandiosa em sua música. E o resultado fica bem abaixo disso. Na forma narrativa tediosa (pra não dizer banal) para tocar com as palavras esse período dramático da nossa história. E quanto ao conteúdo em si, contos que vc veria de passagem na pena de qualquer diletante em busca de autoafirmação.
Neste instantes, com o texto recente no espírito, sinto como se o médico Scliar viesse do além por sua inspiradas linhas puxar a orelha do Chico para dizer, ao estilo de Goethe: "ó, lembre bem sobre o que está falando, não se perca em vaidades literárias e outras pequenezas de estilo quando vida e morte é que estão no palco"
Lendo e relendo Scliar, nos livros citados, por pura coincidência de leitor e aleatoriedade,
e tendo aqui um olhar sobre a obra já finita, onde dá mostras de uma perspicácia, de uma criatividade no uso da estética do fantástico e uma intenção de capturar muito melhor o espírito da época, espírito que uma certa "preguiça" do "Anos de Chumbo" jogou por terra com facilidade.
Isso dito, a curiosidade final fica mesmo por conta do reconhecimento que faço, a qualquer tempo, de conceber a obra musical de Chico simplesmente o maior monumento artístico e poético engajado e, com a ressalva do trágico que retrata, ser ainda a coisa mais bonita feita neste país acerca desse período tenebroso de ditadura que ainda nos causa tantas dores tardias.