Escrever




Nada a celebrar, na escrita 

Nada a sobejar em vaidade

Muito a exasperar, talvez

Pela fragilidade da coisa toda

Pela potência da coisa toda


Vivendo fora do texto, desapareço

Retorno e não sou outro, sou o mesmo 

Talvez pior

E não amadureço jamais

Descubro na escrita que existe algo em mim incapaz de aceitar que sou adulto : do tédio ao sofrimento, do sofrimento ao tédio. Recuso

Digo logo: fui lá, vi e voltei. Não gostei do que vi e me tornei uma espécie de resistência heróica contra o fado e muitos da minha própria safra, que se renderam fácil demais, cedo demais. De meninos se verteram em anciãos do pensamento e dos sentidos na meia idade sem quedar-se o tempo suficiente de serem homens. Esperança lhes resta ainda se, quando em-velhos, a sabedoria os resgatar tocando-lhes uma meninice  tardia

Ao contrário do que imaginava, não é por acaso que tal coisa aconteceu: eu me recuso conscientemente a adultizar e a palavra amadurecer sempre me fura a pele

Sou a criança peterpanizada em fainas de buscar as infindáveis Terras do Nunca

Criança precoce e melancólica, trágica. Lúdica em dias aleatórios e meio doido em noites de lua, querendo que o mundo me devolva alguma coisa que perdi mas eu não me lembro o quê 

Por trás dessa capa pseudo intelectual, meus processos são inconsequentes e não se cansam de buscar beleza em tudo. E há tanta beleza nessa vida que meu normal é andar tonto, olhos no ar. A beleza  me arrebata, muda minha respiração.

E as palavras não me largam. Mesmo quando penso por imagens, logo vem um diálogo ou um som de algum lugar a me dar idéias de textos, de contos, de tramas. Às vezes transponho, vira poema, às vezes absorvo vira Existência .Respiro luzes e cores em fotos. Sou fotógrafo, sou poeta, sou músico, em suma sou menino. Tento ver o que a fotografia esconde. Mesmo quando não escrevo, estou sempre escrevendo. Até quando leio. Principalmente quando leio

E sempre me divirto

vendo essas figuras tragicômicas de barro

lutando pra ganhar cor e textura

Ora Aguardando no limbo que um sopro demiurgo

lhes encha os pulmões

Ora elas é que me enchem os pulmões 


O texto é assim

Não é vitória quando acontece 

Não é derrota quando se esvai


Estou aqui, existo, exato

e alquebrado porque o mundo existe

Sou tranquilo pra essa verdade 

Mas o sujeito que é Sujeito escreve em mim

antes que de mim nasça letra

(Nisso Sartre estava errado

Nisso Heidegger estava certo):

Tem algo mais ali


Derrubando as chances que eu teria de me gabar

pelo seu brilho eventual 

ou lamentar  seu  fracasso recorrente 


O ego inflado que move o artista

é o mesmo que bota a arte a se perder 

Mas tem algo mais ali


Esses rabiscos por vezes nem me dizem 

respeito, a mim que não sou seu senhor

e me causam tanto estranhamento

na ressaca do dia seguinte

e me põem no alerta de tentar aprender

a tarefa sempre ingrata dos possíveis sentidos

Os mesmos que  me escapam por entre os dedos

numa faísca de tempo mas surgem inadvertidos

e sólidos noutros olhos como uma eterna brincadeira 


Como tutor só deixo na porta o potinho

com água , a sua comida preferida

e a esperança de que venha a besta

(Quem sabe passarinho)


A esperança de que a fera se aproxime, 

se alimente e se deixe montar no pelo

enquanto simultaneamente monta com seu jeito

meus infinitos puzzles rarefeitos


Fosse semideus, imporia seu destino

mas sou humano, sofro dessa doença 

e de alguma forma capturo algo do animal:

Uns olhos de dizimar galáxias

Umas garras de desfazer nós

Sua sólida substância de alimentar desejos

A delicadeza brutal de ser como é 


O pulso 

O hábito

A disciplina

A ousadia

para que a ferramenta torne á carne a palavra 

E o que quer ser dito por minhas mãos o seja

independente da minha vontade 

O olhar se aprimore e o espírito respire


E sei, -- sabemos-- , ainda que de forma 

meio sorrateira

-- assim sem querer admitir --

que dentro desse processo 

ainda se guarda novo desafio 


Uma coisa é escrever, dar à mão seu movimento 

Outra é ser lido pelo outro que te habita

Esse um-outro que assume todas as formas

E assume todas as dores, paixões, alegrias


Pensar não tem peias 

Mas é justo na escrita que se pode ser pego 

em flagrante delito