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Mostrando postagens de abril, 2020

Led

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"Immigrant Song" pra exorcizar os dias cinzentos e resgatar as boas almas do fundo do inferno

covid season, may, 01. 2020

Quarenta e cinco dias do ano Covid-19, oficialmente sem eu botar os pés na rua. Sim, porque andar de carro não conta, e mesmo assim foram poucas as saídas em quatro rodas, sempre fechados dentro da célula mecânica, apenas fotografando o universo fragmentado ao redor. Vidros herméticos, ar-condicionado na posição círculo interno de ar, máscaras. Ver como a vida ia lá fora, longe da tv. Pra dizer a verdade, imaginei que o universo visual ao redor estaria mais dissolvido e fragmentado a essas alturas, imaginava ver alguma coisa entre a situação do Will Smith em "A Lenda" e do Mel Gibson no primeiro  "Mad Max". Pessoas brigando por água e gasolina, calangos disputando a sombra na seca depois do grande cogumelo de luz no céu, todos com armas e engenhocas  misturando a técnica com a pré-histórica luta pela sobrevivência, edifícios rachados e abandonados, plantas tomando as ruas, bichos felizes habitando um maior espaço e a erva pocando  calçadas para reaver o que na v

"Fenda e Vulcão " (Cora Made)

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"Estou farto do lirismo comedido..." (Bandeira) ----------- Me veio de Bandeira a primeira impressão ao ler esse livro lindo. Há duas vozes, aqui, nas duas partes distintas do livro, mas em minha leitura senti como se fossem uma só voz. A intenção estética dos dois momentos traz mais beleza na partição, mas como leitor julgo impossível dissociar  sentimentos, tentar classificà-los para que sejam "puros" ou "cristalinamente definidos",se tudo isso nasce é da mesma fonte, do mesmo ser, da mesma pulsão que vem como vai em vida no movimento das ondas nas pedras , arrebenta e arremansa-- um não-cessar que parte e reconstrói. E mesmo com o risco de soar descabido se o contexto, o tempo, a ordem do dia  por acaso não se configuram uma condição favorável em particular , o poema adianta-se ao desejo sem sequer perguntar, saber ou se importar se existe alguma permissão pra isso. O amor ainda assim é soberano e se põe em verso, fala, atitude e beleza

Saudade

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O quinto livro de Fernanda que me bate nas mãos, eu que, por uma razão idiota qualquer, não conhecia o seu trabalho literário, "apenas" a dramaturgia, até seu falecimento há menos de um ano. Dramaturgia que, por sinal, é uma das melhores coisas que já passaram aqui por estas tristes terras, fazendo com essa máquina chamada televisão pudesse ter garantido uns dias de glória com inteligência de sobra, charme e uma intensidade de mundo sem igual. Surpreendentemente ácido Surpreendentemente doce como a própria autora

O bom, o razoável, o medonho (Freud, 1a temporada Netflix)

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Ok, usando do rigor conceitual  cabivel a essas alturas: Uma bosta! Já tinha nada ou muito.pouco a ver com o nome Frustrando largamente  uma sobra possível  ao se imaginar um thriller qualquer  de livre adaptação  Com alguma inteligência e originalidade Nada! A coisa começa como novela das seis da Globo  as falas, os figurinos os contextos  Os galãs As mocinhas Depois, sem aviso  vira Dexter  versão séc XIX com momentos Walking Dead Para finalizar como Jack  O Estripador depois de ter  caminhado quase o tempo inteiro  como o filme que inaugurou  a franquia "O Exorcista' E pior: porque aqui o capeta ainda fala alemão  (Pobre Freud)

A paz possível

Pai, o mundo está sempre em guerra? (pergunta o curumim, enquanto tenta curvar o arco ) Lá fora,  sempre, meu filho Não para nunca Todos contra todos A única paz é a de dentro quando aprendemos que nem todas as mãos são arcos e nem todas  as flechas estão apontadas para o nosso peito

Poesia e filosofia

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"Pensar o mundo ou pensar sobre o mundo?" A Filosofia pode transitar pela estética sem ser poema? A Poesia pode aprofundar-se em conteúdos sem se aprisionar no conceito? Antônio Cícero, com sua sensibilidade monstra e uma notável erudição, trilhando  um caminho nada óbvio ao expor essa relação originária. A riqueza e urgência do gênero ensaio,  o link cada vez mais necessário entre Pathos e Logos, coisa inteiramente esquecida por estas tristes bandas. Irmãs no nascimento, nem sempre andaram juntas as duas formas de lidar com pensamentos, sentimentos  e palavras A rigor, não há óbice às interlocuções e descobertas mútuas, concessões e até invasões entre os dois campos que com o tempo criaram outras raízes Mas é fundamental a lembrança -- muito bem explorada pelo poeta-ensaísta sobre a vocação à busca da verdade conceitual, contida  nos pressupostos filosóficos, a eterna busca do universal, enquanto a poiesis, embora sem fórmula única entre formas e

Os passos em volta

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Quando você se depara com a pergunta "Que diabos é isso, afinal?" E não há qualquer resenha, chave ou hermético tratado sobre textos que possa esclarecer a dúvida Esse poeta gigante HH, e uma essencial dimensão dentro da escrita: Nem sempre a coisa que importa é "do que se fala" , mas sim "a forma como se fala" Bonita demais a prosa, esta única certeza Alguma coisa taciturna de "Notas do Subterrâneo", uns toques coloridos do surreal "Cadernos de Malte Laurids Brigge" exercício de giros e mais giros em torno de si mesmo Caleidoscópios do mundo janelando ao redor um diário do corpo enquanto se tranca num quarto para navegar sobre memórias de um espaço-tempo onde a idéia do vivido estende-se à pura transcendência sem jamais perder a carne É como se Proust tivesse escrito isso depois de tomar ácido

Só para maiores de cem anos

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Antologia (anti) poética Suspeito pra falar, porque entendo que nada escapa à poesia Daí que falar em anti-poesia como forma de fugir ao cânone, às formas clássicas ou entender que o destino melhor do verso é cuidar do detalhe do imediato, mais da percepção do que da elaboração isso tudo soa mais como capricho estético ou a defesa de um modo existencial A idéia de que o cotidiano  tudo aquilo que mais salta aos olhos deve ser o melhor objeto Ainda assim tudo isso é poesia Boa coletânea do autor

Um oriente nos ombros

Sustentando fácil um oriente nos ombros Pórticos jônicos tombados e belos Deliciosos arabescos se insinuam para o dia Contrastando os tons que conduzem o vivo Já não há mais sol e ainda assim o brilho cegante de uma  luz

O Albatroz

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Em memória do saudoso amigo Marcos Silva Oliveira -- filósofo e poeta -- que nasceu no mês de abril e em uma bela tarde daquelas tantas  me apresentou Baudelaire Transcrevo abaixo seu poema preferido  ----------- A quem é de asas, a altura que lhe pertence. "Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao principe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado no chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante imped

"A Banalidade do Mal", que nunca morre

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Lucien Lacombe (1974) ----------- Louis Malle, o grande diretor, lembrando o status cotidiano e concreto do mal como atitude e posição ética, permissiva e individual, antes de se perpetuar em terríveis coletividades Coisa tão cara e tão bem delineada por Hannah Arendt Essa maldade toda, de eixo político e econômico, transposta para pequenos gestos de exclusão ,perseguição, destruição de todas as normas constitucionais e reflexos de justiça social Os próprios cidadãos, apequenados e acéfalos, cumprindo bem seus papéis de difusores e servindo de sustentação ao insustentável Malle fala dos colaboracionistas durante a ocupação da França, em 1940 mas qualquer semelhança  com a situação política hoje vivida em nosso país não é mera coincidência A estarrecedora certeza de saber que nossa maior doença não é -- nem de longe -- o tal vírus

O tempo e o sentido

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Trabalho magistral  desse grande pesquisador   Philippe Ariés. Escrito há mais de quatro décadas, em hipótese alguma  assume uma tonalidade sombria nos brilhantes relatos e exposições,  como o título poderia sugerir Ao revelar minuciosamente, pela riqueza da pesquisa e a capacidade  única de análise que demonstrou em sua  prolífica carreira, o autor nos mostra como e em que contextos a humanidade se deixou tocar e a forma com que ritualizou a presença da morte em todas as suas variações  As épocas das grandes guerras Os períodos de paz prolongada  e as rotinas em diversos  países e tradições fúnebres  Os períodos de doenças  A grande peste  e as impactantes transformações  que ela trouxe No campo crítico que se estende quase como um desdobramento  necessário diante da paisagem, vai surgindo aos poucos a curiosidade de tentar compreender a demonização da morte e sua absoluta negativação para nossa cultura A d

Paul Auster

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Uma definição da famosa compulsão por livros: se a quarentena durar mais cinco anos, é possível que eu ainda não dê conta da lista de leituras Ah, bendita mania, essa! Fora isso, estendendo os olhos  sobre outros textos. Paul Auster,  que escritor foda! (E como demorei tanto pra descobrir ) O erro tacanho e reiterado por aí afora,  considerar-se, para além do efeito meramente didático , que exista alguma literatura nesse mundo que se deixe aprisionar por  essência à sua circunscrição geográfica, local Há escritores americanos, indianos, brasileiros,  mas a arte A arte fala é do mundo para o mundo mesmo quando olha para o próprio umbigo

Os Hippies estão chegando

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Para Raul -- Deus é mais! Os Hippies estão chegando. Era com essa sentença de morte e fazendo em nome do pai-do-filho-sprítsantamém que minha tia profetizava o fim do mundo bem próximo, nas vésperas do festival da canção que estreava  em nossa pequena cidade . De sua casa, situada num dos pontos de maior movimentação por aqueles dias, punha o olho em tudo que acontecia ao redor, ladina e alcoviteira como o mais puro estereótipo das tias velhas. --É coisa dessa faculdade aí, depois que veio pra cá. Antes não tinha disso, esse monte de cabeludos maconheiros, um bando de jovem tudo perdido sem deus, dormindo feito bicho em barracas, só viajam de carona e mochila nas costas, vivem sem tomar banho e com aquelas fieiras de miçangas e arames lá no Centro, o cheiro de mijo e  de incenso empesteando tudo. --A filha da cumadi fulana bem fugiu com um cabeludo desses mês passado, ninguém sabe onde está. -- O filho de cumpadi sicrano deixou o cabelo crescer, falou que quer mudar de

Escrever fácil não é fácil

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Sal de frutas contra o excesso de acidez dos tempos e um alerta sobre a necessidade da  arte aprender a lidar com o amargor -- subjacente ao viver, em algum grau --, mas não sucumbir. Há pulsões de vida e morte em constante embate. Potência e beleza, sempre surpreendendo pela forma com que se manifestam.  Quando a arte se afirma em linguagem, é porque a vida está ganhando. Longe dos barulhos do mundo, é sempre um tipo de  felicidade estar vivo e poder provar do instante, contrariando (uma vez mais) Sileno. Crônicas curtíssimas, a incrível (invejável) capacidade de manter a síntese sem perder as asas. Um sopro de vida pelos olhos atentos de um grande escritor. -------- Reunião de textos escritos entre 2008-2017. Ed Sextante,  coleção "Estação Brasil", 2018 Livro vencedor do último Jabuti