Postagens

O silêncio

Imagem
Há poesia demais em não falar nada um romance não escrito quando penso em você contos que dormem intactos sob o travesseiro crônicas de uma vida que anda de lado, sem porquês. Se eu não nascesse hoje, tornaria a morrer sem revelar esse mundo sem participar o liame das coisas, entre o sólido e o abstrato mais profundo, aquele lugar onde tudo o que há se revela na história do mínimo, enquanto se perdem, assim, os seres recém surgidos do limbo, antes de inaugurarem qualquer estado de consciência. Àtomos e palavras, urdidas na calada da noite inacabada, inocências... Neste filme que passa bem diante dos meus olhos vejo cores, o campo, bichos, flores e mato alto, então estou integrado nesta tela impressionista, e sou a própria imagem do que quero ser: sou campo, sou bicho, flores e mato alto repleto de pontos de sombra e luz, sob cuja fragmentação espelhada possibilito a visão, enquanto imponho meu olhar, esse tirano trocando a realidade pela impressão. Sou também o pintor que tudo observ

Vida Minha

Imagem
*Por Marcos Silva Oliveira A cidade emitia sinais de vida no cotidiano. Recordo bem o texto e a mensagem. A angústia não era dor definível e não doía tanto quanto agora. Nós estávamos para o que der e vier - o possível. O improvisar e as tentativas de reviver dia a dia o lúdico: eram presentes. A fotografia do instante. Estão nestes versos que encontrei ao remexer em papéis antigos. O pardo das luzes passadas. A metáfora daqueles instantes: momentos de 1984. Ao largo da paisagem Do que posso vislumbrar As luzes e a amplitude Da cidade entre as trevas. Parques de sonhos... De luzes amarelas O carro estacionado A cancela de madeira Atrás os penhascos Da minha angústia... A noite perigosa A cidade baça Ameaçada das trevas: A missão salvá-la... A cura. Nesta noite silenciosa Temos medo. Muito medo. Os postes de luz Os cabos de telefone, 1984, a cidade resiste. Eu devo salvá-la... A missão para a salva-guardar. Oprimido pela noite Decido a proteger: A cidade me precisa... Os penhascos e a

carpe diem

Imagem
Então estou eu aqui, mudo, nesta sala E percebo que quase tudo que me ocorre, agora, Vem sempre de um determinado passado, Um lugar no tempo Que julgava deixado para trás. Esse tempo, que na verdade é busca Que não sai de mim, que me integra, Que fala por mim e me define pelas memórias Tempo perdido esse, que não me larga mais... Memórias seletivas e falhas, por sinal, Lacunas que então eu não enxergava Lacunas que nunca pensamos existirem E que foram crescendo e tecendo, aos poucos, Por paradoxo, Uma improvável textura em torno, Costurando-nos como retalhos ao avesso das coisas Com essas linhas invisíveis e duras. Crianças brincando num jardim. Nós, que éramos tão poderosos e pensávamos Poder ocupar todos os espaços, Pulsar todas as sensações possíveis Com um violão e uma garrafa embaixo do braço, Entre tantos risos, beijos e abraços E aquele cigarro eternamente aceso numa das mãos... Uma eterna e infantil curiosidade diante das coisas, Fumaças filosofantes de deslumbrantes auroras Na

The fool on the hill

(**sobre música de Lennon e McCartney) Isolar-se no topo da montanha entre paus, pássaros e pedras defesa e fuga necessária, junto aos ventos para este tolo que agora descansa e respira, pela primeira vez depois de muitas eras Lutando contra tudo e todos buscando nada mais do que o que lhe parecia verdadeiro com a coragem suficiente para lançar-se a novos projetos quando percebia ter errado o alvo quando sabia ser toda verdade relatividade, nada mais que um ponto de mirada sobre o mundo Missão de tolo essa, na Terra um tolo isolado numa montanha tocando seu violão relegado ao seu próprio mundo longe, agora, da solidão encontrando-se a si mesmo sempre a maior descoberta no silêncio absoluto entre os ventos cansado de andar contra tudo e todos buscando a força nos etéreos elementos quando nada na terra parecia suportar ou compreender sua necessidade de elevação Ver o sol se pôr é seu único consolo ver o mundo girar enquanto toca sua desafinada viola e

Esse ofício do verso

Nesse ofício do verso nenhum parto vinga sem dor a escrita é sempre uma vitória sobre si esteja onde estiver o escritor Não há lugar privilegiado para o pensamento idéias são coisas que surgem a qualquer tempo, num insight, num devaneio, num tropeçar afastados ou registrados os infortúnios quando a palavra nasce no papel: labirintos possíveis para a vida humana Muitas noites mal dormidas essa eterna inquietação às vezes superada, pela manhã nestes caminhos sobre a folha neste peculiar nascer do sol A busca do universal que não existe compõe-se a escrita de temas, estórias e instante harmonia dinâmica e geografia flutuante que mescla impulsos, sensações, vivências com sangue, trágédia e dor mas também onde o lúdico ganha espaço assim como o amor Alegrias e tristezas, pessoas e despessoas e o mundo lá fora, sempre impassível variando mesmo é nossa percepção do mundo nossas vivências exageradas ou contidas nunca desprezadas, tornadas mais vivas imortalizadas no legado, na obra na contempl

Quasar de um dia calmo

Imagem
Estive no vento Deixei-me levar pelas horas das horas As horas sem tempo O espaço, o momento As deixas, as perdas, eu estive no vento Minha poeira , eu, De mim a me perder Minhas partículas se esvanecendo Dissolvendo-se no éter Nunca cheguei a ser algo, na verdade Esse emaranhado de discursos não Pode ser alguém Não me conferem qualquer identidade Tudo não passou de uma brincadeira Os jogos da divina criança Esse feixe de células que tantas Vezes morreram Tantas vezes reviveram Esse arrazoado de possibilidades Em torno de mim Não fazem o que sou Eu fui outros em vida Eu morri de novo, mil vezes Renascendo todos os dias Para me tornar a perder, Para ser a fala de um outro sobre mim Mas isso não define o ser Pois o ser só se encontra com o mundo no estar aqui Estou partículas , estou almas Estou metais em poeira de energia Desintegrando-se pelo cosmos agora,

O perfume de Laura

Imagem
Ao nascer, o que se vê, o que se ouve primeiro? Como aconteceu com Grenouille, acontece com todos, no mundo inteiro. Se a memória tivesse voz, aos berros diria que nada se vê e nada se ouve naqueles segundos, e é pelo cheiro que nos toca o sentido do mundo , não importando que alguém tenha vindo à luz entre finas rendas ou em meio à lama. Primeira consciência: acordes e blends, antes de enxergar. O cheiro da mãe, do berço, dos primeiros brinquedos: leite, vida, alimento. Amêndoa, cedro, limão, jasmim. Respiração. Pulmões se abrindo, o sofrido choro. Patchouly, vetyver, sândalo, alecrim. Antes de pensar, antes de andar. Bergamota, gerânios, musgo de carvalho. Antes de ouvir. Almíscar, incenso, thymo, tomilho. Antes mesmo de chorar, e muito antes de falar. Sálvia, âmbar , gengibre, cardamomo. Café, couro velho, tabaco, cipreste: em cada corpo, um resultado diferente. Chocolate, óleos, essências, fougére: a fixação lânguida lambendo a pele. Entre os seres, o cheiro precede a fala. Cio e

Palavras em febre

livres da lida, a queda de não pertencer aos espaços vazios nem solo nem arcos, tampouco anima titubeando linha acima sem ter um talvez saber a vida nonada, sem horas não aparecer colo, carinho, calor você a você silentes de calvas, os circos na festa, na dor de querer -não- querer vicissitude, vontade perfeito sabor rito que dita a fuga amor desamor soltos a viver navios viagens , imensidão ritos extravios de amarga prisão nuvens, névoas, sombras ebulição da alma sobre as palavras sobe a palavra desce a alma perde-se a alma ícones e signos perdidos loucura da velha que grita a despeito da morte

Entrevista

Marcos Silva Oliveira* O escritor Franco com todo o aparato da fotografia em Parati com a objetiva focada nos casarões antigos e na paisagem, no bucólico das ruas, com toda aquela gente a transitar interessada na literatura, o pessoal do programa de Tevê “ Entrelinhas ” a entrevistá-lo... Enquanto fotografava as perguntas eram feitas... O motivo de estar ali, seu trabalho, o fato de ser reconhecido como escritor por todos os presentes – dizia tudo. Recordo três dias depois o programa da Tevê “ Entrelinhas ” apresentando as respostas objetivas do Escritor Franco e suas fotos em cortes da cidade de Parati, colorindo o calor de sua conversa descompromissada da entrevistadora. Achei belo este recurso cênico. Escritor interessado em fotografia, desde então, pareceu-me elegante. Escrever foi dito por Franco ser entretenimento e arte ou uma viagem sem compromissos, livre de propósitos, mesmo o papel alegórico da arte, colorindo nossos dias fúteis e sem alegria – ent

Playing with fire

Melancolia , companhia Uma suave melodia Tédio triste, fuga Da rotina Essa lua enorme a me olhar estranho Sobe a noite, cai o dia Não sei pra quê tanto brilho Esse desencanto tamanho E aquele ar blasé sobre a humanidade Angústia é querer voar, Possuir asas A energia de um vulcão ativo E as unhas roídas de não saber para onde Sem saber nunca para onde Sem nunca saber Sem saber das asas, Batendo de ansiedade Angústia é esperar demais para agir E a nítida sensação , depois, De que se deveria ter alçado vôo Enquanto se podia Depressão, esses sapatos de chumbo Essas cortinas da sala sem sol Fechadas em torno de si Essa ausência de luz O cansaço, as correntes atadas às pernas A necessidade da sombra A ausência de comunicação A ausência do movimento Semente plantada que nasce para dentro Na escuridão Essa sensação familiar De que o mundo é algo entre o estômago e o pulmão Esse equilibrista numa longa corda Sobre o abismo que é viver

Corações Selvagens

Clara, Clarice, uma luz Um clarão O som, a palavra O dom De ser um Guiando por sorte O cego ao redor Da Meca sagrada Na busca imortal A mágoa, a sina A dor vai além Vontade, angústia Tentar ser alguém O peito se abrindo E o mundo também Casa é a vida A lida que faz Imensa a alma As chamas que vêm Vida é via Feliz quem não ilha Rimando dor e cor Rimando cor e amor Ser e surgir Adeus com retorno Fazendo do talvez O espaço do sim Tornando o humano Possível senão Fazendo do humano Que não seja em vão Clara minha cara Clarice Um clarão

Flying Bag - American Beauty

BELEZA AMERICANA Quem não viu Aqueles pequenos espíritos elfos da floresta tomando sacolas de espanto pelas ruas ? Fazendo-as voar sozinhas durante segundos no vento segundos dançando que pareceram na verdade horas um espetáculo da vida a brincar com esse espectador solitário O ser a espreitar pelos olhos do pássaro morto como se algo além da própria vida a verdadeira vida mirasse diretamente nos seus olhos e lhe dissesse que tudo possui um sentido oculto mas que não é preciso ter medo um sentido oculto que se revela nesse instante nesses elfos que brincam por trás das coisas Seu maior segredo é simples é mostrar como toda a vida se sustenta dessa beleza frágil e única desmedida, plural que causa tanta dor e desespero a quem a percebe

DIÁLOGO SOBRE A CRIAÇÃO ARTÍSTICA

Por Marcos Oliveira * Arte é fúria, tamanha sanha! Arte é tensão! Para a satisfação! Tudo cor! Arte é lúdica Joga e Traquina, Bate na Poesia! Arte é ânsia! Projeto toda hora A possibilidade! Da cor dos dias O azul e o branco! Arte é livro Aberto para desejo! É gênio Clássico: Ciranda brasileira! Esta mesa Repleta. Sentados os convivas! Nós "iniciados..." Marcos Oliveira é Filósofo . Homepage: http://www.marcossilvaoliveira.blogspot.com/

DISTOPIAS COTIDIANAS: MATRIX , ALICE E OS PARADOXOS DE SER CONTEMPORÂNEO

Imagem
Lembro-me, nostálgico, do conceito de futuro exposto por  Fritz Lang, no filme cult "Metrópolis", realizado há quase cem anos... A coisa toda ficou bem pior do que o gênio alemão poderia supor. A sensação claustrofóbica e a vertigem  de estar de pé em um planeta que parece girar cada vez mais rápido, num universo em contínua expansão, a sociedade pós-industrial  criando e destruindo referenciais com tamanha facilidade e volume que torna impossível a qualquer mortal assimilar a quantidade e a qualidade de informações julgadas necessárias para a sua vida. Situação de perda, que gera um certo descontentamento ou frustração diretamente proporcional à escala em que as próprias notícias, a tecnologia ou o conhecimento são produzidos. Ou seja, quanto mais informação, maior a tendência a uma relativa perda do referencial, e maior a sensação individual (em alguns casos coletiva, quando atinge determinados grupos) de perda, de incompletude, de infelicidade, enfim, de que está f