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Sete minutos depois da meia noite

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OS MONSTROS Dorme dorme, doce criança enquanto a noite tece a teia de todas as vãs esperanças e nos sonhos incontidos que tua fértil imaginação alcança é que residem incontestes os sentidos do dia Aos que eles denominam monstros tu chamarás de amigos;  quando teus inimigos  fugirem  em pânico porque não entendem (simplesmente pelo prazer de serem homens), tu deitarás no colo dessas criaturas e elas velarão teu rico sono cantarão para ti velhas cantigas de ninar e com os dedos longos vão acariciar teus cabelos afastando os piores pesadelos e te darão novos motivos para viver Dorme dorme, doce criança e essa tua agressividade é apenas a reação em face de um mundo cruel que nunca te deu o devido acolhimento um purgatório povoado de maus espíritos tolhidos de sentir por um instante sequer a pusilanimidade de que são capazes em suas melhores intenções Para quando houver a dor haverá sempre o ombro amigo de quem nunca

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Súbitos os símbolos brotam da esquina uma humanidade retomando                                         rituais coletânea de tendências depositadas brutas ancestrais nascidos assim do chão caleidoscópio de poesias densas épocas costumes crenças penso em fotografar (um cético que adora o sagrado) até tiro do bolso o celular mas meu medo de roubar a metafísica do ato me dissipa como os primeiros índios do Xingu no contato com a câmera branca preocupados em que o viajante lhes roubasse a alma (e roubou) velas brancas, velas vermelhas umas inteiras outras quase inteiramente derretidas ardendo ainda nas primeiras horas da manhã moedas de vários tamanhos numa cesta com grandes rosas brancas bonitos arranjos alguns búzios e sementes alguns santinhos também (eu não saberia dizer quais) a cachaça, litro a meia o grande galo negro, pescoço cortado seu sangue coagulado sobre o chão e pedaços de vidro sobre fragmentos de cristal pedra o sol refletindo

Cabelos do vento

Era algo de não se falar sobre mas sim de sentir a presença contemplar, ir ter com os olhos acolher o silêncio eloquente no fundo do peito, deixar que a sensação boa mergulhasse e se multiplicasse em nervos em pele em uma espécie estranha de felicidade Que poderia dizer eu do alto de minha não-sabedoria do alto ainda tão raso de tudo que me falta abandonando todos os esteios das minhas vãs filosofias da minha parca ciência ou da vontade de mudar o mundo um mundo que sequer sabe da minha existência que poder me reconduziria ao topo do nada porque tão pequena e carente de sentido é a perspectiva da vida humana Um pôr-do-sol, um simples ocaso seguindo seu curso como qualquer dia e pouco antes da luz sumir detrás dos morros naqueles minutos mágicos que  antecedem a tomada do crepúsculo onde a luz é diferente de toda a luz do dia e o efeito de seu toque na superfície das coisas faz com que seu verdadeiro brilho apareça em sua plenitude é onde o verde

Versos que bailam

Tirar um pouco o pé do acelerador cotidiano e sentir o tempo voltar sentir o corpo respirar novamente perceber como somos roubados em energia, pulso e criação pelo grande pacto entre a ideologia e o sistema sob o eufemismo do trabalho Que a arte parida por nós parida de nós seja a negação de tudo o que oprime e com um verso corajoso e afirmativo um verso alegre que nao esconde nem aliena mas mesmo tenaz, é terno e chama pra dançar bailemos sobre essas tragédias todas

Pare e siga

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Vôo sem asas, braços abertos desço o morro na ventania duas rodas sem freio nas mãos, a brisa generosa do dia Paro na curva, fotografo apenas de memória a bela baía de Vitória atletas e remos  Álvares versus Saldanha o bonito quadro que surge quando contrariando a natureza (sempre egoísta), homens conseguem concordar em alguma coisa e seus esforços  remando na mesma direção são algo mais além de mera duração o esporte é a metáfora da beleza do algo além contra o puro desperdício de tempo e  força bruta do cotidiano Sigo leve, fotografo (e meus olhos são câmera, memória meus olhos são imaginação) A garota de patins na pista livre passa deixando seu rastro não é daquelas experts na arte como vejo tanto por aqui. é até meio desengonçada  pra dizer a verdade Em seus patins como um patinho que ensaia os primeiros passos um pouco longe da mãe a solidez em seus vintepoucos na  fluidez dos traços de um mesmo corpo a

Sumo

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Sangue de uma terra em transe videiras ganhando minhas veias o colorido a se formar atrás dos olhos quando a especial graça do mundo súbito surge onde antes tudo era pálido deserto pujantes brasas em total desatino a razão finalmente adormecida por obra de duendes delirantes os sentidos despertos para o que não viam antes a engrenagem sob o peito insone, imaginativa instilando o líquido insidioso lentamente gotejando sob minha pele gole por gole na pura demora enquanto o sol não nasce me abraça a seiva que prepara a aurora

MUDANÇA DE ESTAÇÃO

Discípulo do sol Amante da chuva Úmido, húmus, umidade Hora e meia contemplando a chuva da minha janela Meu lugar perdido na cidade (hoje de manhã tá frio pra eu me molhar lá fora) Sobre o topo de igrejas a neblina de picos carregados passando Contemplo os suspiros do mar subindo a serra e prometendo mais temporal até o final da tarde As plantas já bem verdes da estação a terra encharcada recusando-se a absorver a água exagerada e a chuva ainda assim derramando-se e armazenando-se em pocinhas renitentes Toda essa água é soberba dissolvendo sentimentos O ritmo das coisas se quebra Seres de água surgem do nada suplicando de volta aquilo que lhes pertence Caracóis e lesmas ganham coragem animando os sapos que saem no seu encalço Formigas egoístas se retraem Garimparam antes seus tesouros e agora reúnem-se para as festas a portas fechadas O húmus se revolve, se encharca, Transmuta-se O húmus é o que seremos, em breve quando voltarmos ao p

A festa

O melhor palhaço é sempre o mais triste mas quase ninguém percebe porque o alegre não sabe a alegria

Instintos

A natureza me fez assim porque é da sua essência ser bela, pura E sem culpa Se sou águia, vôo  porque é meu o céu Se sou tigre, caço, tocaio e mato porque preciso comer Se sou cigarra, canto e minha metamorfose justifica Se sou macho, cubro porque replico a vida Se sou fêmea, emprenho porque sou a explicação Se sou homem  e tenho em mim o tanto de águia, de tigre, de cigarra Se sou homem e vibra em mim o tanto que a natureza me doou de vida e intensidade Por que legitimar a lida em sociedade Se é apenas na natureza onde me realizo?

Limitless

Respira, respira, até onde vai respira a bomba por dentro, bomba bomba centevinte, centequarenta, centesessenta subindo a têmpora lateja as veias dilatam as pernas anestesiam a estrada se abre e o peito esquenta respira respira o sol resseca a garganta as costas doem centesessenta, mais centesetenta, mais por quanto tempo mais meia hora, mais uma hora, mais até onde mais a endorfina injeta o peito enche beleza nos olhos que surge respira...............                respira..................                                      respira..................... tempo lento lá fora encantos de se pegar com a mão tardes de toda pele sombra sob sol aparador de árvores e vermelho de castanheiras na beira molhada de areias meu próprio vinho entornado no meu sangue carregando comigo minha contínua embriaguez respira

Créditos

Deus aposta sempre na paz e na harmonia como fins ainda que seja preciso a guerra para obtê-los O diabo aposta mesmo é na guerra por esporte ainda que seja possível evitá-la E Deus criou a bicicleta dando asas ao homem que queria voar desde criança E o diabo inventou  o preguinho no asfalto a areia no asfalto os ciclistas de headphone nos fins de semana os motoristas que não enxergam e as bikes de dez mil reais E pra matar a sede Deus criou a cerveja e a água de coco geladinha na praia drink de um dia de sol E o diabo faz você perder a carteira não apenas com os trocados para a água de coco mas com um monte de documentos que o farão literalmente viver no inferno por um mês E para acalmar os olhos e sossegar o espírito  Deus inventou a brisa leve os passarinhos coloridos a água azuverdinha o mar em sublime inspiração e, para coroar uma vaidade de criador fez a mulher Enciumado e temendo perder a disputa final o diabo inventou o suplex

Não vou mais dormir

Quando estava no exército gostava de pegar a última guarda das quatro as seis da manhã Era a guarda mais difícil Eu ficava cansado sempre porque emendava com a faina do dia O cansaço quase vingava mas a aurora me impregnava de uma energia tal que eu pensava nunca mais precisar dormir Os tons de lúcido cobalto dos negros azuis no convés da montanha findando estrelas me tomavam por tamanho desespero que eu pensei nunca mais poder morrer O arremate do roxo saindo pro púrpura avermelhando-se tudo em laranja depois para dar no amarelo solar me faziam acreditar em jamais partir

A duração do dia

Vento na cara saudades da estrada sentar beber falar tudo assim ao mesmo tempo há assuntos tão intensos que expulsariam rimas e  não caberiam num raio de verso e tão extensos que devorariam um século

Lagoa

P lá ci da Lagoa Di a sem vento Tuas águas são mes mo as sim pro fun das ou apenas mágoas reunidas na po ça dos la men tos?

Contágio

A criança dormia em meus braços e seus cabelinhos cacheados faziam mechas nos meus dedos enquanto a rede balançava lenta A vida que passava, fria fez questão de parar pra ver O mundo girando ao contrário sempre que o amor (tão refratário ) teimava em acontecer

Fearless

A língua rápida e mortal como um cruzado a lucidez desperta nas palavras do seu profeta Mohammed Dizer seu nome É não calar a força É não negar a guerra Alma sem limites Num coração maior que a Terra

Quasar

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A intensidade que trago em mim A pulsão que desde sempre Habita impunemente meu peito Faz chorar à própria vida Quando ela se percebe, assim Algo tão pequeno E sem jeito

Rap da nova ordem

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Sobre o ruído das ruas que era forte e silencia Pra falar sobre o defunto dessa tal democracia Rima fácil irmão, porque na situação O curral de gado manso nasce da hipocrisia Conduzido sem esforço, nublado e sem juízo Turvado em alvoroço, governado em improviso Nunca foi tão fácil convencer  uma nação De que o destino é esse mesmo Arrastados a esmo Engolindo empulhação Menino na escola aprendendo essa lição De que pobre é sola e preto sem ambição Matando criança, matando favelado Matando a liberdade até de ser veado Polícia canalha escolhida pela máfia Se o Estado é o tal, o dono da empáfia É prefeito, é presidente, é político safado Quem acredita em urna só pode tá errado Faz campanha, divulga a conscientização Que adianta amigo, canalha não tem perdão Ovelhinhas pro abate, esperando sua vez Quem quiser que acredite, confiando no talvez O sistema não dorme, na calada escolhe as regras Não admite justiça, não admite liberdade Os pobres de espírito dominando a

O garoto da camisa preta

Ele vivia assim, sentado na mureta da quadra de esportes ensimesmado uma criança bastante comum no que tem de mágico e maldito em ser criança para um mundo governado por adultos Caçula e franzino de três irmãos a irmã mais velha, preferida do pai o irmão mais velho, preferido da mãe ele não era  bom na escola nem era bom em jogar bola Sobrava sempre nos grupos colecionava apelidos e desfeitos entre os supostos amigos enveredava-se, quase sempre sozinho por seus mundos perdidos, confusos dominados por criaturas sem nome Mas um dia logo ao completar de ano um estranho amigo chegou com bandeiras, propósitos e uma camisa preta agora havia outros amigos também tantos que fizeram um clube e todos pensavam do mesmo jeito e todos gostavam das mesmas coisas lá ele era acolhido e respeitado frequentavam os mesmos lugares saíam à noite juntos, sempre em grupo e marchavam juntos também em suas estranhas ginásticas coletivas onde não tinha mais bola e sempre