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Recordacões da casa dos mortos (Dostoievski)

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Gosto dos russos em geral, terra boa pra dar escritor fera, ainda não vi nenhum clássico ruim daquele país. Vou indicar o primeiro que li, "Recordações da casa dos mortos", e a porrada na cabeça que veio na sequência. Nietzsche dizia, "de tudo que se escreve, valorizo mais o que é escrito com o próprio sangue".. Bom, não foram exatamente essas as palavras, mas é quase isso. O fato é que o russo é um dos grandes exemplos de como a vida e a literatura, independente de gênero e forma, estão sempre imbricadas de forma imprevisível, misteriosa e bela, embora trágica boa parte das vezes. Esse livro mesmo, veio de uma fase do autor, onde ele havia sido condenado injustamente por conspiração na Rússia czarista, e no instante de ser fuzilado, sua pena foi comutada para prisão na Sibéria, local terrivelmente cruel e árduo nas condições de vida e no cumprimento da pena. A força da narrativa, extremamente realista, vem do poder de superação pelos anos em que lá esteve, analis

A descoberta do Mundo (Clarice Lispector)

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O título não podia ser mais feliz pra designar o poder do texto. A "Descoberta do mundo", reunião das crônicas de Clarice publicadas aos sábados no JB, entre 67-73. Os temas e as pegadas não têm qualquer padrão, são mais intimistas e variam entre o jornalismo e a poesia, mas vêm sempre carregados daquela conhecida visão profunda da vida e com uma extrema capacidade de observação dos detalhes mais inusitados do mundo ao redor. O que importa para Clarice, e isso inaugura um estilo literário que só encontra analogia ao movimento simbolista europeu ou o expressionismo nas artes, é que os encadeamentos de idéias e as narrativas não obedecem, como na literatura tradicional descritiva do fim do séc XIX, um requisito de lógica e arranjamento de idéias lineares. Com os sentimentos em vulcão, e com o texto extremamente intuitivo, os fatos exteriores é que passam a se agregar e articular conforme as vicissitudes do temperamento e do olhar. Um movimento que pertence historicamente muit

Thomas Mann (Doutor Fausto)

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Na literatura como na filosofia, meu perfil de leitor sempre foi mais vertical do que horizontal, então, durante um bom tempo, eu não conhecia muitos autores, mas lia tudo daqueles que gostava. Dentre eles, Thomas Mann, que foi pra mim uma "leitura de formação", e nos intervalos da graduação eu sempre me via mergulhado entre as prateleiras da biblioteca da UFES, caçando as obras do escritor. Comecei logo com o tijolaço "A Montanha Mágica", e fui seguindo, até que me deparei com esse "Doutor Fausto", que me deu um travão, tanto existencial quanto literário. É como se um livro de repente te reiniciasse numa certa visão do mundo, e a partir dali, ela passasse a integrá-lo para onde quer que você vá. Tudo nele transborda: sua beleza, sua magia, sua dificuldade relativa e a complexidade até mesmo em termos de construção dentro da obra geral do autor. A abordagem sobre a música aparece de uma forma que jamais vi em qualquer outro lugar. Não bastava ter a vida

Mia Couto (Terra Sonâmbula)

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Há muitas maneiras de se gostar de um livro, um autor, um artista, e sobre a obra há incontáveis portas de entrada. Por isso é que existe a arte. Depois de "lançada ao mundo", aquelas histórias, os versos e as vidas agregadas a eles se imensificam, apenas pra mostrar que a matéria é limitada mas nosso jeito de possuí-la ou despossuí-la ronda o infinito. Pra quem ainda não conhece, um texto denso, às vezes duro em suas revelações porque não pode nem quer falsear raízes, mas extremamente rico em suas alegorias. Pra quem gosta da construção de palavras, pra quem já leu Manoel de Barros ou JGR, há uma bela familiaridade de sons, de jogos e invenções que vão se fazendo na prosa poética de Mia Couto, como a música nas mãos de um grande mestre. Poucas vezes vi essa língua portuguesa dançar tanto. Há influência do estilo iniciado por Saramago quanto à forma, décadas atrás, mas a meu ver a semelhança para por aí, porque o ambiente sob ou sobre o qual se desvela o imaginário d

Grande Sertão: Veredas (JGR)

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"Nonada". Que dizer desse "Grande Sertão: Veredas?" E do "Corpo de Baile", as "Primeiras Estórias" ou "Sagarana"? Menino do interior, acostumado com terra, pasto e vaquejada, fui vendo aos poucos o aumentar da vida na criação dessa linguagem com muito mais sentido e verdade que as tristes gramáticas sofridas até então. Uma inventação de palavras se desenhando como um outro mundo onde boi também conversa, cavalo é que decide a estrada, onde os vaqueiros são também jagunços na lida com um infinito sertão que nasce por dentro. Esses cavaleiros templários a perseguir incansavelmente seu Graal em olhos de céu líquido e o mundo que resta é o espaço costurado sem anestesia entre couros e dores de toda sorte. "Nonada." Nem arrisco resumo. "Muita coisa importante falta nome". Só recomendo a imersão, e deixo o Drummond dizer por mim, em "Um chamado João": "João era fabulista fabuloso fábula? Sertão místico dis

Avctoris: Registro de copyright para todos os textos autorais deste blog

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Declaração de autoria: Todos os textos deste blog estão registrados pelo Avctoris, copyright, conforme legislação 

Cotidiano 14

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Cotidiano 13

A escadaria De dia, o campo aberto de nossas excelências que desfilam , cenhos fechados Grandes questões do mundo para decidir os carros brilhantes, o comércio                              dotô pra cá, dotô pra lá De noite, puteiro- cracolândia o mercado das carnes em promoção pedra a dez real tem de cinco tem de dois sexo a trinta amor por duas pedras "aceitamos  qualquer moeda:                                    até cartão" as marcas de sangue com pegadas no chão na descida da esquina mais conhecida pés de homem, coisa de ontem pelo tamanho, pelo tempo seguindo com um bordo de havaianas rodeado de vermelho muito escuro e denso (sangue arterial) um esfaqueamento um tiro um acidente? na porta da casa rosada onde sobem os marinheiros com a bagagem do mundo e de onde descem  aliviados no espaço enorme de uns quarenta metros de calçada nova, cidadã margens de pastilhas vermelhas

Cotidiano 12

TZZZZZZZZZZZzzzzzttttt!!! Sem luz, sem net, sem geladeira sem elevador, sem climatizador sem britadeira Ausenta-se a civilização por uns instantes quando a energia de repente se vai e os estranhos dois minutos de silêncio são quebrados ao som de sirenes Jornais, em cinco minutos (sempre os primeiros) Bombeiros, em dez minutos (diligentes, sempre) Polícia (onde, alguém viu?) Com certeza tem algo errado naquele prédio ali ao lado, beiradas de construção Em poucos instantes, a rua cheia polícia perdida, bombeiros atarefados fotógrafos, fumaça, repórteres, toda a mídia gente correndo pra todos os lados gente se benzendo e barulho faixas de proteção espalhadas o mestre-de-obras  num canto em choque, chorando o recente passado Pessoas em transe, se explicando saltara a fagulha à distância de um fio um fósforo riscado e queimado até o fim agarrando Genaro num último abraço três andares e meio de construção e o toque quase s

Cotidiano 10

tocada morro abaixo, quem me leva é o cão pretexto fingir que o conduzo, de alguma forma cinco metros, parada estratégica . levanta a orelha parece captar alguma coisa que não está aqui mais cinco metros, estaca, mijada no poste não sem antes cheirar como quem lê uma carta deixada para trás por alguma outra criatura da raça um adversário intimidando um futuro rival que ainda não conhece, apenas pra marcar território quem sabe uma cachorra desesperada deixando uma apresentação e um convite de boas-vindas na pracinha, a cachorrada solta na área, latidas ameaçadas de fugir da corrente, como se essa criatura que está na minha mão se metesse a algum feroz cão de guarda. até olho ele de novo pelo arrupiado, bravio no elástico, dentes pra fora de um jeito que nunca vi. poco fora pra não dar mais trabalho, salto de banda e surge logo um besouro verde, uma esperança, um gafanhoto? acho que é um besouro mesmo, só que verde. e grande. o cão primeiro chega

Cotidiano 9

07:00 : CAFÉ : - ) PASSWORD LOGIN LOGON DISPLAY \\\PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN FLASH- FLASH- FLASH - FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH… 12:00 : LUNCH (pin puk token) (pin puk token) CAFÉ : - ) FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH- FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH FLASH-FLASH-FLASH-FLASH-FLASH- FLASH-FLASH 18:00 PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN PIN PUK TOKEN ………………………………………. ……………………………. ....................... ....... .../// 02:00 LOGOUT : - ( (take a little pill ) : - )

Cotidiano 8

HOJE EM DIA QUANDO HABITAMOS O CONCRETO TODO CARRO É PRETO OU PRATA TODO PRÉDIO É PRATA OU PRETO TODA JÓIA É PRETA OU PRATA ELETRODOMÉSTICOS SÃO PRETOS OU PRATA O PÔR-DO-SOL NESTA CIDADE É PRETO O NASCER DO SOL É PRATA GRAVATAS PRATA PALETÓS PRETOS GRAVATAS PRETAS PALETÓS PRATA OS UNIFORMES DOS POLICIAIS 0 E 1 DÍGITOS BINÁRIOS SÃO PRATA OU PRETO AS VIAS QUE CONDUZEM TODO O TRÁFEGO SÃO PRETAS OU PRATA OS FIOS EM QUE TRAFEGA A ELETRICIDADE E OS CABOS TELEFÔNICOS SÃO PRATA OU PRETOS DURMO ARTIFICIALMENTE NA NOITE PRETA ACORDO ARTIFICIALMENTE NAS MANHÃS PRATAS EU E MEUS AMIGOS QUÍMICOS DE SEMPRE BLISTER PRATA E TARJA PRETA COMPUTADORES SÃO PRETOS OU PRATA TELEVISORES DE LCD, LED OU PLASMA GELADEIRAS, MICROONDAS E TORRADEIRAS SORRISOS GELADOS COMO ATITUDES PREVIAMENTE CALCULADAS PRETOS OU PRATA CARTÕES DE APRESENTAÇÃO PRATA OU PRETOS O CHIQUE É PRATA OU PRETO O

Cotidiano 7

o ser-social essa construção tantas vezes inadequada até mesmo em vistas do seu próprio fim inóspita em sua essência lugar-comum evocado tantas vezes ao dia apenas para não enlouquecer seu usuário distinto antes de extinto o sorriso de negócios durante o ato, ainda, antes de terminar a fala fluida que é que ainda resiste no fundo do copo quando o efeito da bebida já se evaporou quantos estados de ânimo se alternam nos trezentos e sessenta e quatro dias de um mesmo ciclo solar nas vinte e três vezes que irrompem entre uma alegria e outra durante um mesmo dia quê que foi feito da poesia o que foi feito da vida não importa desde que o sorriso permaneça esse grande enigma de silêncio profundo trabalhe, produza, acrescente e cresça o gato de Cheshire comanda o mundo

Cotidiano 6

Ficar à toa, meu Deus! ficar à toa!!! Como é fácil notar o efeito de tanto trabalho na escala evolutiva e tecnológica do mundo. No que tem de bom no que tem de rúim A ciência governa tudo desde o príncípio De outra mão como é difícil reconhecer (e valorizar) a importância essencial do ócio como descoberta do que fazer de melhor com tanta coisa inventada Se é no rala-chão coletivo de fábrica que conhecemos os tijolos os remédios os celulares e as armas foi no prazer do abandono individual a si mesmo que reinventamos em nós os prazeres o sono bom, a comida como algo além da mera nutrição o sexo sem culpa sozinho ou acompanhado (porque o tesão não incide sobre a máquina) Com esse trabalho de formigas geração após geração ferro sobre ferro cimento sobre pedra era após era viramos humanidade Com  o ócio a contemplação a retomada da respiração o gozo sem culpa Essas artes tão compreendidas e valorizad