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Mostrando postagens de janeiro, 2015

A Tempestade

Renascendo depois de um tenebroso e seco inverno, eu vi sua chegada verde, anunciada e úmida por entre chuvas temporais, calores estivais flutuando cheiros. Eu e as árvores olhando para as nuvens, na esperança da sua volta. Os arautos de vento que dançam janelas, entrevistam portas e recomendam gotas, esses sabem as notícias antes que o mundo as faça. Toda chuva tem sempre sua escola de espreitar o momento certo. Com as primeiras gotas, contempla-se de uma janela esse liquefazer de todos os seres vivos, como se através do olho mágico de uma porta secreta eu pudesse contemplar o próprio mundo em espiral infinita, movendo-se no ritmo de torrentes seguidas enquanto uma  leva de seres felizes por poder navegá-la sem paradas, sem atropelos, simplesmente flui.  Sob a ponte de madeira grossa, mas incompleta em sua latitude, ruge o rio vermelho, com esse temeroso som desbarrancador (familiar a quem habita suas margens), curvando violento  poucos metros à frente, enquanto arrasta margens, cerc

Poesia do cotidiano 4

Manhãs de domingo dias de anjo dias de Belzebu Acordando meio amassado depois de transvirar entre lençóis e travesseiros a noite inteira depois que parei de fumar até sonho com cigarros preciso beber menos A vizinha com o som alto para as 7 da manhã é impressão minha ou essa porra não parou de tocar a noite inteira? Seja como for, eu com minhas verdades universais que só valem pra mim: uísque é sempre uma péssima pedida cabeça latejando corpo cuspindo farpas e funk é sempre ruim a qualquer hora do dia ou da noite Um Bem-te-vi canta alto amarelinho esperança e todo motivado, numa antena de tv que deve estar a uns três metros da minha cabeça, sob o telhado do vizinho daí penso em como é perfeito o senhor Deus, e tão bonzinho, que não me deu uma metralhadora anti-aérea ponto 50 numa manhã de domingo Atravesso a sala num último ato glorioso e piso no jornal que ainda está no chão escorrego, em particular, no caderno de política, que faço quest

Seppuku

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A lâmina do metal mil vezes forjado mil vezes afiado cortando ossos sem dor a medula de encontro ao frio gélido espalhando arte na prata reflexiva salpicada de vermelho enquanto escrevem a morte no pergaminho da vida Honra no lugar do medo a disciplina no lugar da sorte ganham o mundo sete samurais e sua sede de glória corta mais que qualquer metal Sete espadas, sete vocações oriundos de um tempo que não há para um mundo que se desfaz mais rápido do que se engendra um reles pensamento. De que valerá, enfim, tamanho talento no bojo de uma civilização que solapou toda verdade? Se na fibra da planta, o carvalho para ser bom demorou tantas décadas se a lâmina de sua katana destilou tantos venenos no gume pra quê tanta honra e tanta disciplina eu me pergunto num mundo que se derrete ao lume? Melhor não seria capitular perante o tempo o mais forte dos senhores? Melhor não seria abraçar o seppuku do que ajoelhar-se perante um inimigo cada vez mais vil?

Poesia do cotidiano 3

A mulher na rua como um bicho nua, seios infantis e descobertos posição simiesca, sentada no meio-fio cabelos raspados, braços arranhados Não era branca não era preta não era azul poente Não tinha roupas não tinha charme não tinha dentes Um olhar perdido para o canto do espaço em que nunca existe luz Dizia coisas sem nexo, e tentava em vão cobrir o próprio sexo Olhava para o rosto dos passantes e todos a acusavam, uma só voz em frente ao lotado shopping, Natal! Ameaçaram polícia ameaçaram ação social ameaçaram violencias coisa que mais há no mundo Hoje a mulher ganhou a rua de vez sentou-se bem no meio aonde passam os carros O chão do asfalto quente, tostando uma vez mais sua pele queimada E realçando os arranhões que aumentaram daquele dia até hoje