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Mostrando postagens de janeiro, 2020

Antropologia contra as trevas

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"O cru e o cozido", um dos 4 livros da série "Mitológicas", de Lévi-Strauss. Vasta pesquisa, reflexão , trabalho de campo, resumo da experiência de décadas como privilegiado observador dos últimos povos ainda sem contato com a civilização. Seus costumes,  suas tradições,  a relação possível com nossa maneira de ver o mundo. As diferenças.  Indescritível  a beleza e a importância dessa tetralogia de um autor fundamental, que trouxe ao contemporâneo seus principais espelhos ao enfatizar a necessidade da referência pelo olhar do outro. A "verdade civilizatória", esse algoz, mostra-se assim a maior mentira em contraste com um olhar do relativismo cultural. O "primitivo" é um mito. A complexidade e a beleza de cada contexto,  suas expressões estéticas, seus cantos,  suas cores e complexidades ganham um reforço ao direito de existência. Cada povo e cultura tem seu direito à vida e à voz, herança talvez mais profunda e grata ao pensament

Inteligência, talento e coragem: o humor que é resistência

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"Minha mãe é uma peça 3" Paulo Gustavo, lembrando uma vez mais que o humor não é um gênero menor e que a vida não deve ceder, principalmente num país fascista.

Caverna

Umidade sem fim lambendo paredes, chão e teto depois da estação das chuvas por mais um ano A incomodança dos pedreiros Telhados que, mesmo sendo consertados estão sempre quebrados como se algum anjo à toa, entediado entre nuvens, vivesse lhes tacando pedras As gramas que crescem exageradas desenfreando-se por entre as frestas da calçada mal coberta nos cantinhos aos pés das coisas O vão da cobertura, que mesmo sob protestos aninhou por vários verões as multidões de pombos invasores, sua beleza e suas pragas O vento bom do fim de tarde despistando o calor dos infernos no balanço da rede A chuva, quando vem boa e forte e a paz por dentro que consigo traz repleta de vida e voz No canto do jardim, o formigueiro que eu não quis erradicar, apenas pra poder seguir os planos das formigas através das estações do ano O novo ninho de beija-flor engastado feito pedra colorida de diamante-rubi nos galhos e espinhos aduncos do limoeiro As torneiras que revezam-se em seu

A primeira vez

adulto, já passado em cinco ciclos grisalhando sob a fronte não sei se tinha algum senão mas os olhos fundos narravam um outro sofrimento nada que um medicamento inventado não pudesse aliviar por instantes em revolucionária prescrição duas doses de pedal na pracinha ao som do sol da tardinha aprendendo pelas mãos dos anjos um tombo, uma flutuação e a criatura vacilante, triste ensimesmada de repente criou asas

Sino de vento

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Brincando de provocar os elementos em segredo é que passei a acordar cedo pra ver nascer o dia Embrenhei-me na floresta até que o silêncio fosse verde e cessasse a agonia Cacei os finais de tarde na praia de olho no crepúsculo Relaxei os músculos Respirei fundo com os olhos bem fechados para ouvir melhor a vida e enxergar apenas o que importa Pendurei na janela aquele sino de tubinhos em móbile pra captar em diferentes melodias o que o vento vinha me dizer Não me disse nada que eu mesmo não tivesse inventado Mas me serviram, o sino e suas frases coloridas, pra que eu me lembrasse do vento de ouvido toda vez que ele toca Não há um sopro sequer que seja igual ao outro E isso soa como canto que tanto apavora quanto encanta (Seres de alternâncias e raras certezas) Embriaguei-me de pássaros, no fim De folhas e areias molhadas contra todo o pessimismo entranhado até os ossos O viver se  impõe                    é nos pressupostos

Pescaria

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Amarrada com linha especial ou simplesmente trespassada pelo metal em dois ou três pontos pelo corpo, ia longe a conversa dos dois em pé sobre as ondas rasas, acerca da melhor forma de se dispor a isca de camarão no anzol. O fundador, junto ao mais novo rebento do clã, argumentando-se em expertises como um pescador-raiz. Uma semana de preparativos, lojas, pesquisas, apetrechos, algo parecido com um mochileiro de aventuras armando seu kit sobrevivência para sair ao mundo, começando pela imensidão agreste da Patagônia. Com a diferença que não havia Patagônia, e o mundo, no caso, era uma ponta de areia e água salgada sob o calor do verão. O sol de janeiro   marretava tudo o que se podia quase não ver no reflexo dos olhos miúdos diante de tanta claridade. Óculos de sol como acessório indispensável à vida. O dia tem mesmo algo de exagerado, tem hora. Um tapa na nuca.  Varas, molinetes, redes, linhas, chumbadas, anzóis de tantos tipos que chega a dar dor de cabeça se for explicar pra

Para lembrar Neil

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O último mergulho

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Para Carla, Cris e Cláudia (e Carol, que veio depois) Enquanto o horizonte diminuía à proporção em que a viagem abraçava seu destino e o carro descia vagarosamente o último trecho de morro antes da chegada, lá na frente, num pequeno ponto de luz, o vértice azul de um mar verde e brilhoso triangulava num foco de aumento constante. Como as lentes de uma câmera em mãos amadoras, procurando alcançar em zoom seu motivo num ponto específico da paisagem, o vértice de mar apontava como uma seta para baixo, ainda a longa distância, transportando a luz para o interior das quatro visões infantis multietárias e cruzadas que, justamente nesse instante, paravam toda a bagunça no banco de trás do automóvel e silenciavam por uns segundos, estendendo a vista até onde dava, atravessando com o olhar o para-brisas daquele poderoso Fuscão VW Azul Claro e rasgando o universo em direção à praia. Um ano se passara, até então, desde que tinham ali estado pela última vez os quatro irmão

Areias

Aguinha gelada espraiando a areia fina feito ampulheta entre os dedos A face de um bicho que não se adivinha Um lagarto,  uma onça uma planta? asas de avião A criança se encanta com outro mistério Por que tentar explicar tudo? O segredo desses castelos em gotas de areia condensada construídos nas palmas de um segundo apenas para a próxima onda derreter Quem os teria habitado entre cada maré? A beleza da vanitude feita de fugacidade [Como seria triste não morrer] Essência de mortes contínuas gotejadas uma a uma sobre um castelinho de areias até a próxima onda dissolvendo tudo numa só substância E de novo, uma vez mais Cavando mais  fundo O fosso, a ponte levadiça Cavaleiros, vilões e dragões Outro castelo em suas torres com princesas de longas tranças jogando o lenço nas amuradas Os olhos vermelhos do arrastão

A lua de Peart

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Para Neil ------------ Tonto poeta,           em seu tatear A exaustiva busca da metáfora perfeita Rarefeita fugidia tantas vezes quebrada Se não for perdida não é metáfora Não é perfeita se for vivida Inventada, até -- quando não se leva fé -- e se aprende com ou sem porquê o quanto de imperfeição às vezes cai tão bem ao viver De quebras, assim A vida que na tocada vira ritmo forte, fraco, como pulso Pearrrrrt como baquetas treinadas técnica e feeling no rufar da caixa terminando fechadas em hi-hats ao som de um certo nome Que não é necessariamente rock não é apenas técnica, não é jazz nem qualquer definição de estilo É tudo isso e mais um pouco na corajosa junção de cores Pesquisa, vivência, história O som que vira música por puro instinto           ritual                   primal                          tribal De tambores Aquela primeira lição que se aprende numa aula de bateria em algoritmo de palavras : baquetas sobre