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O que resta

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Atrovoam presságios da guerra. Generais e bombas a postos. Pedaços de gente voando pelos ares. Crianças, velhos, mulheres... Ataca-se o homem, mata-se sua família, Infertilizam suas terras para que não mais produza A humanidade é o que resta sob os escombros. E mesmo assim, contra tudo Sempre haverá esperança Porque o homem é um animal que sonha Havendo por cálculo ou acidente a exacerbação incontida de todos os instintos de morte, de vida, de gozo E sabendo que ser homem significa, simultaneamente, ser portador de uma tragédia e uma boa-nova Haverá sempre aqueles que saberão rir de si mesmos e superando o que há de ingênuo e perigoso na simples  natureza animal, persistirão na crença necessária de que o homem deve ser algo além E que mesmo que não se possa defini-lo ou sequer tocá-lo com palavras, a potencialização dos seus verdadeiros dons sempre será uma missão a nortear as nossas melhores expectativas sobre o mundo Quando a opressão ao in...

Valhalla (parte I)

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Thorvaldsen saía mais uma vez ao mar. Não era chegada ainda a época certa, mas o inverno teimava em não ceder espaço para a tímida primavera do hemisfério norte. A nevasca cobrira as estradas  de grossas camadas de neve e o frio excessivo deste último ano pressionava o líder do clã a tomar logo sua decisão, antes que fosse tarde demais. Os estoques de carne, óleo e víveres tinham praticamente se esgotado, e a colheita no último outono fora a pior dos últimos cinco anos. As ovelhas  alimentadas com as últimas resmas de feno davam o leite minguado que ainda garantiria por alguns dias o sustento das crianças, mas se nada fosse feito logo, ele sabia que em breve todos morreriam. Convocou os outros chefes da península. Knut, o pequeno, Olsen filho de Olmyr, Balder Vermelho e o grande Khors, o Formidável, para uma rápida reunião, e em menos de duas horas chegaram ao veredito: partiriam em uma semana, no raiar do dia. Iniciaram logo os preparativos,  com provisões, lança...

Memórias do parquinho (parte I)

Dia de sábado na cidade. rachando fora do barulho para o campinho de futebol soçaite mais próximo. oba!! campo deserto! pai e filho se arvoram no gramado ralo. filho aí pelos seus cinco anos. pai mais trinta na escala da vida. dia de sol e plenitude. felicidade jogar bola com meu filho. brincadeira de dupla, com chutes a gol e rebatidas. brincadeira de dribles, com os bofes (meus) pra fora depois de umas corridas. tudo vale pela causa. Depois de meia hora, surgem "rivais" no gramado. pai e filho também.  filho aí pelos nove ou dez. pai, mais trinta e cinco na escala da vida. cumprimentos introspectivos entre as duas duplas. eles ocupam o lado contrário do campo, na outra trave. o menino é sempre meio barulhento, quer chamar a atenção. observo entre intervalos, sem grande preocupação, a não ser o sentimento de uma certa privacidade quebrada . aquela privacidade que todo pai gostaria de ter, quando está dedicando uma parte valiosa do seu tempo e energia, e cisma em  achar que...

DISTOPIAS COTIDIANAS: MATRIX , ALICE E OS PARADOXOS DE SER CONTEMPORÂNEO

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(texto reeditado) Lembro-me, nostálgico, do conceito de futuro exposto por  Fritz Lang, no filme cult "Metrópolis", realizado há quase cem anos... A coisa toda ficou bem pior do que o gênio alemão poderia supor. A sensação claustrofóbica e a vertigem  de estar de pé em um planeta que parece girar cada vez mais rápido, num universo em contínua expansão, a sociedade pós-industrial  criando e destruindo referenciais com tamanha facilidade e volume que torna impossível a qualquer mortal assimilar a quantidade e a qualidade de informações julgadas necessárias para a sua vida. Situação de perda, que gera um certo descontentamento ou frustração diretamente proporcional à escala em que as próprias notícias, a tecnologia ou o conhecimento são produzidos. Ou seja, quanto mais informação, maior a tendência a uma relativa perda do referencial, e maior a sensação individual (em alguns casos coletiva, quando atinge determinados grupos) de perda, de incompletude, de infelicida...

O último mergulho

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Enquanto o horizonte diminuía à proporção em que a viagem abraçava seu destino, o carro descia vagarosamente o último trecho de morro antes da chegada. Lá na frente, num pequeno ponto de luz, o vértice azul de um mar verde e brilhoso  triangulava num foco de aumento constante. Como as lentes de uma câmera em mãos amadoras, procurando alcançar em zoom seu objeto num ponto específico da paisagem, o vértice de mar apontava como uma seta para baixo,  ainda a longa distância,  transportando a luz para o interior das quatro visões infantis que, justamente nesse instante, paravam toda a bagunça no banco de trás do automóvel e silenciavam por uns segundos, estendendo a vista até onde dava e atravessando com o olhar o pára-brisas daquele poderoso Fuscão VW Azul Claro  rasgando o universo em direção à praia. Um ano se passara, até então, desde que tinham ali estado pela última vez os quatro irmãos. Vinham há duas ou três horas na estrada, e como fazia parte de uma brin...

Uma manhã qualquer

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  Ouvidos eclipsados o vento no rosto segue a moto zunindo nesta manhã fria de agosto Campos se abrindo estrada vazia,  cavaleiro e montaria na trilha lisa e preta,                              perfeita de petróleo seco sobre a via Ambos numa única alma , ruidosa e azul sob o céu definitivo  de agosto As essências no ar: de terra, de barro, de barranco molhado de grama, de  pasto,  gado solto no mato pássaros e cães comportados lavradores e seus filhos sorrindo torresmos, polenta na mesa frango com macarrão borboletas e aguardente em manhã de domingo As essências do ar: úmido de florestas nesta manhã quase infame café e palhas fermentadas, acre odor misturado e o perfume  suavemente obsceno da flor  de  macadâmia Tudo isso entrando pelos olhos, pelo nariz pelos poros desse elmo de fibra carbono esta armadura de aço ...

Ser e Existir

para Manoel de Barros De tudo o que se vê no mundo a metade existe somente na nossa cabeça                                       os olhos é que mundeiam para enxergar Isso, porque ainda nem falei de Heidegger para quem, o que existe mesmo são os humanos O restante das coisas, bichos e plantas ainda que se esforcem , nunca conseguirão pois possuem unicamente sua essência podem ser, mas estão condenados a nunca existir Esta minhoca que agora cava sob meus pés redondeando num girobolante escarafunchar do barro aqui neste terreiro de chão batido parece não concordar muito com o Filósofo assim como estas formigas que, em organizada carreira, carregam apressadamente suas folhas nas costas e seus grãos de  açúcar furtados no pote da cozinha ciência de chuva que se aproxima Acho que não preciso dizer a elas que Heidegger...

o mapa do destino

Eu não sabia onde encontrar a vida ninguém me disse nada e eu nunca tive nenhum mapa Se aprendi algo, foi sozinho correndo feito louco jogando muito alto sem tostão para pagar Eu não sabia onde encontrar a vida eu não tinha nenhum mapa e nem pude ensaiar praquando a hora chegar Tudo que sei e eu sei muito pouco tive que arrancar à força eu tive que sangrar pra ver Não tenho medo da morte tenho só de nunca ter vivido Eu não sei onde encontrar a vida eu não tenho nenhum mapa nem pude ensaiar praquando a hora chegar Me criei nessas areias finas no martelo dos tempos e da destruição deste instante alimento meu futuro... Sou um exterminador implacável das minhas próprias possibilidades

Rimbaud

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Por que se escreve?  Para quem se escreve? Sobre o que se escreve ? Escrever é nada mais do que mirar-se em espelhos. O impulso de pegar uma caneta, um lápis, um teclado ou um giz e sair rabiscando raivas, desejos, frustrações, impressões, histórias inventadas ou acontecidas,  pode surgir pelos mais variados motivos.  Talvez por uma necessidade primordial e inconsciente de tentar ser lembrado, aquela noção de não passar pela vida incógnito, ou quem sabe, de poder perpetuar-se no tempo através das idéias?? A busca, ainda que vã, em legar alguma coisa não perecível, algo além de si próprio? Ou  até o simples preenchimento do tempo ocioso com este passatempo lúdico, de forma despretensiosa.  Se escrever também envolve criação e arte, busca-se eventualmente um "algo a mais" , aquilo que possa transcender o próprio escritor, aquela busca ancestral de deixar  para a futura humanidade outra lembrança que não sejam filhos ou árvores. Escre...