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TOBOGÃS

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No rosto, a chuva Na fuga da tarde Matar aula Cavar tempo Aventura Sem idade Sobre o morro O Espírito Sobre o espírito Velocidade Luzes, Exposição: É a feira da cidade. Gostando dos pingos  Batendo no rosto Os ventos de agosto No alto da colina Na boca, o gosto Os olhos as curvas Presença dos  sonhos Aquela menina Chicletes com música,  Balas de hortelã Pipoca no cinema Drops com adrenalina. Parque- da- festa, de diversões Gente modesta, maçã-do-amor. Meninos pequenos, meninas-com-as-mães Bate-que-bate , meninos-carrossel "Moço, um ingresso!" pra porta do céu Roda que gira, gigante-que-bate Gira-que-bate essa roda de parque Festa do povo, cheiro de pólvora Crianças que rodam Traques-rojões Trem fantasma, trem do terror É festa na cidade do interior. Montanha-russa, algodão-doce Crianças adultas, adultos crianças Ingressos pros sonhos Cavalos girando Fantasias, pipoca, Choro                       E muitas lembran

"Os Filhos de Saul"

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Não vou falar sobre mais um menino sírio que apareceu arrebentado em uma foto de jornal. Há algo que vem de dentro e que se recusa  terminantemente a buscar qualquer racionalização possível. Uma raiva que rejeita por princípio qualquer pacificação dos sentimentos ou sua substituição por um conceito administrável que possa extravasá-los, uma analogia objetiva e fácil que normalmente é direcionada aos maus e notórios personagens políticos do planeta. Achar prontamente "culpados", tanto contextos quanto pessoas, é em todas as vezes nada mais que criar um tipo de remédio psicológico para que a dor alheia não nos incomode tanto, não nos  consuma de uma vez e a vida possa retomar seu curso no dia seguinte. Desta vez, eu quis que a dor continuasse, quis que a dor não arrefecesse e não se calasse mais. Voluntariamente, joguei fora minhas defesas e quis  que a dor ficasse entalada na garganta minha e do mundo, para cada vez que nos lembrássemos com otimismo de qualquer aspecto pos

O gesto

Dia comum, sol comum, céu comum, gentes nas ruas de uma segunda na hora do almoço. As vias tomadas pelos ansiosos dragões de mil cabeças soprando fumaça negra pelas ventas. Pedestres passam apressados, vitrines passam espelhadas. O que elas refletem, dizem os físicos, é apenas as cores que encontram aqui fora, para repetir o padrão através de seus prismas infinitos de pequenas lentes. Mas a vida refletida em vidros é sempre mais bonita, é uma outra vida. Há luzes coloridas, há tecidos de sonhos, cores que não se vê no mundo, a não ser nas vitrines coloridas de todas as lojas de rua. Quem sou eu, quem é você, o que somos nós refletidos nesses vidros infinitos que habitam uma segunda-feira de manhã numa metrópole qualquer? O reflexo inverdadeiro da vida chamando à vida. Súbito na calçada  o rapaz se ajoelha em frente à gestante com um neném de colo para lhe amarrar os cadarços soltos. Alguns embolam-se na calçada, outros se imprensam na parede lateral forçando passagem na pressa, uns out

Memórias da pele

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E seu hálito doce me dizia mais sobre as chances de felicidade no mundo do que qualquer reza que alguém julgasse possível. Sua boca desenhada por esses fugazes lápis vermelhos de Deus, sussurrando ao meu ouvido as obscenidades que ainda me mantinham vivo até aquele momento, enquanto eu derretia meus propósitos, suado e amarrado entre suas pernas.  O mundo exterior, se existia, não era mais do que a tênue percepção dos reflexos de  um sol refratário na sombra das persianas, enquanto ficávamos o dia inteiro na cama.    O tempo, se havia, era só o intervalo entre a abertura da porta da geladeira para mais vinho na taça, ou meio sanduíche de atum, divididos sem cálculo entre uma ida ou outra ao lavabo. Televisão sem som na sala. Tempo horizontal, eternizado em cada instante de preguiça perfeita porque plena, sem desculpas. No mais, tempo era espaço, tempo tornado intensidade pelo movimento, tempo degustação e tato no banquete corporal, tempo barulhos sensuais , reclamado por exces

As escadarias da cidade alta

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Nas escadarias da Cidade Alta Espreitam olhos acuados A mirada de um sol pontual A mergulhar  de vez no poente Sedentas criaturas Ganharão as ruas Das tocas invisíveis Ao sereno da fissura A visão  tremida dos passantes Depurando em vão toda amargura Fumaça etérea, cachimbos vorazes Cooptando almas fugazes Amaciando  promessas de cura Grunhidos simulam conversas Aros de lata queimam no abismo O espírito embarca de boa O vapor entornando seus fluidos Alma e corpo caminham insones Sobre a  linha da vida divididos Kamikazes por mais um trago A substância inebriando  sentidos Pela moeda que um dia foi corpo Pela moeda que um dia foi carro Hoje apenas um espírito roto Cuspido no chão como escarro Corpo moldado na violência Convulsando-se no limiar da noite Aonde a vida termina E onde começa o açoite Incompreensão Do mundo-ao-redor Eclipsado pela autoridade Opressão que cala, omissão que arde Apertando-se ambas na desmedida ansiedade Não exi

Eles, o monstro paranóico

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Eles chegaram Eles sentaram Eles estão bem à minha frente Eles me encaram, agora, fixamente Na busca de um olhar furtivo [Uma piscadela, que seja...] Tomo meu uísque fingindo a calma que nunca tive Balanço minhas duas pedras de gelo, Súbito despisto e olho... E lá estão eles!! A me encarar  novamente... Acendo um cigarro Dou uma tragada profunda Meus olhos navegam na fumaça Permeando algo no espaço Que a essas alturas já se perdeu [Despisto e olho de novo!] Esses olhos... Certeza: não sou forte o bastante Fixo perdidamente o chão Como se procurasse minha casa, Cova da qual Não deveria ter saído Reconheço, finalmente, Meu lugar é nos subterrâneos Embaixo do soalho me sinto melhor Suporto com segurança O peso do mundo, pesado-de-pedra Concreto no olhar Sempre inquisidor Olhos que assassinam minha musa privacidade Eles, o monstro, nunca me deixam em paz Eles, o monstro, querem sempre saber de algo Eles, o monstro me deixam tenso como um camp

O farsante

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E foi assim que fui parar num sarau, a convite de um grande amigo e cronista de primeira hora, aqui de Vitória. Noite de plena quinta-feira, o fim de semana ainda estava apenas apontando no horizonte. Curioso com as apresentações literárias prometidas no evento. Apesar de considerar os saraus importantes fomentadores e divulgadores da boa literatura, nunca senti que tivesse muito o perfil necessário para frequentá-los. Em parte pela timidez ou total inépcia em  ler meus próprios textos, e de outra mão, pra ser bem sincero, porque não consigo entender muito bem literatura falada, verbalizada. Uma heresia, é claro. Admiro quem consegue. Sou meio ortodoxo e surdo para a palavra falada, e isso muito a contragosto. Acho que é um defeito de nascença, ou quem sabe, tenha havido algum possível passado onde um germe educacional mal plantado ou malcriado impediu que meus ouvidos tivessem talvez o necessário desenvolvimento. Também geralmente eu sinto o efeito dos versos de forma diferente: o

Rubim

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Sai daí menino, Que jogar bola é coisa do diabo (dizia o homem da igreja para o menino Rubim) Larga a preguiça de ficar nessa quadra Aproveita e pega logo a mão na enxada Porque Deus gosta é de ver a gente trabalhar [Rubim largava a quadra Rubim pegava da enxada E saía com seus nove anos de idade pra capinar Juntava ele com seus mais amigos O mais velho tinha onze O mais novo tinha seis Meninos perdidos De sua própria infância] Não pode jogar bola, Rubim Não pode olhar pras meninas Não pode falar nome feio Nem jogar jogo nenhum [Capinando o ermo, as mãos cheias de calos A vida se embolando no embornal E as rezas cada vez mais frequentes No domingo matinal Na terça à noite, na quinta à noite E na sexta-feira de carnaval] Não pode mais andar solto Não pode deixar de sofrer Não pode pensar sozinho Não pode gostar de viver O certo é aprender a morrer Rubim, nessa casca grossa Que se forma por dentro É aí que habitará seu espírito Tocaiado como bicho

Poesia do cotidiano V

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ZZZZZZZZZZZzzzzzttttt!!! Sem luz, sem net, sem geladeira Sem elevador, sem climatizador sem britadeira Ausenta-se a civilização por uns instantes Quando a energia de repente se vai E os estranhos dois minutos de silêncio São quebrados ao som de ensurdecedoras sirenes Jornais, em cinco minutos Bombeiros, em dez minutos (Polícia, em quinze minutos?) Com certeza tem algo errado naquele prédio ali ao lado Em poucos instantes a rua cheia Polícia perdida, bombeiros perdidos Fotógrafos, repórteres, toda a mídia Gente correndo pra todos os lados Gente se benzendo e chorando Faixas de proteção espalhadas O dono da obra num canto Em choque, chorando o passado Pessoas em transe se explicando Saltara a fagulha à distância de um fio Um fósforo riscado e queimado até o fim Agarrando Genaro num último abraço Três andares e meio de construção E o toque quase silencioso da morte Rápida, rasteira, dolorosa e brilhante Numa manhã suave e azul de abril Genaro era vas

Poesia do cotidiano IV

Manhãs de domingo Dias de anjo Dias de Belzebu Acordando meio amassado Depois de transvirar entre Lençóis e travesseiros A noite inteira outra vez Depois que parei de fumar Até sonho com cigarros Preciso beber menos A vizinha Com o som muito alto Para as sete da manhã É impressão minha Ou essa porra Não parou de tocar A noite inteira? Levanto com a cabeça Sincopada Seja como for, eu com minhas verdades universais: Uísque é sempre uma péssima pedida Cabeça latejando Corpo cuspindo farpas E o funk é sempre ruim A qualquer hora do dia Ou da noite (Embora eu goste bastante daquele movimento de corpo, mas isso não vou confessar) Um Bem-te-vi canta alto Amarelinho esperança Todo motivado e coitadinho Numa antena parabólica Que  pelo jeito deve estar a uns cinco metros Dos meus tímpanos,  sobre o telhado Do vizinho Daí penso em como é perfeito O senhor Deus, que não me deu Uma metralhadora anti-aérea Ponto 50 ou uma bazuca (Aquela dos filmes

Poesia do cotidiano III

A mulher na rua como um bicho Nua, seios infantis e descobertos Posição simiesca, sentada no meio-fio Cabelos raspados, braços arranhados Não era branca não era preta não era azul poente Não tinha roupas não tinha charme também não tinha dentes Um olhar perdido para o canto do espaço em que nunca existe luz Dizia coisas sem nexo, enquanto tentava em vão cobrir o próprio sexo Olhava para o rosto dos passantes e todos a acusavam, uma só voz em frente ao lotado shopping: Natal! Ameaçaram polícia ameaçaram ação social Ameaçaram violências, coisa que mais há no mundo Hoje a mulher ganhou a rua de vez sentou-se bem no meio aonde passam os carros O chão do asfalto quente, tostando uma vez mais sua pele queimada E realçando os arranhões que aumentaram daquele dia até hoje

Poesia do cotidiano II

A criança se abaixa para passar na roleta Ela se ajoelha, se arrasta, e sai do outro lado Meio suja, meio descabelada, meio atrapalhada Linda e sorridente, como se nada tivesse acontecido Não precisa se envergonhar de nada, menina Vergonha mesmo é a minha O ônibus pára longe do ponto A velha entra com duas ou três sacolas pesadas de compras O ônibus arranca A velha se desequilibra e cai por cima dos passageiros sentados (com sacola e tudo) Quem está de pé, continua, mas ninguém se levanta A velha salta no ponto logo ali, mais à frente Com suas duas ou três sacolas pesadas O ônibus arranca novamente E ninguém se levanta O gari varre o meio-fio em tempo de chuvas Os carros passam em velocidade, revolvendo toda sujeira De volta ao seu lugar O gari segue varrendo a sujeira etérea Que mesmo se não existisse  naquele chão Continuaria sendo varrida para todo o sempre Por ele, por seus filhos, por seus netos O garoto tecla seu celular, com os dois fones nos ouvidos

Poesia do cotidiano I

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Há dias em que a única humanidade detectável  são aqueles palhaços com seus malabares nos sinais de trânsito. Sua grande arte encanta e é um soco no olho cinza da civilização.

O CAMINHO DE TODAS AS COISAS

Olhar ainda não é ver Escutar ainda não é ouvir Abraçar ainda não é ter Concordar ainda não é sorrir Perdoar ainda não é sentir Aspirar ainda não é querer Engravidar ainda não é parir Esperar ainda não é sofrer Andar ainda não é dançar Nutrir ainda não é comer Falar ainda não é cantar Despedaçar-se ainda náo é morrer Correr ainda não é voar Embriagar-se ainda não é beber Acudir ainda não é amparar Achar-se é não saber se perder [O que falta ao homem: lembrar-se de que sempre é a medida de todas as coisas O que falta ao homem é lembrar-se  de que sempre foi a medida de todas as coisas] O céu ainda não é Terra Garras ainda não são mãos Estrelas ainda não são gente O espaço é solidão O universo ainda não é seus olhos Seu corpo mais que reparação Palavra que ilumina a vida Centelha contra qualquer razão (texto reeditado em 26-07-16)

Existencialismo, psicodelia, critica social e ousadia estética: A História de uma obra-prima. Pink Floyd The Wall 35 anos

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Quando se fala de arte, independentemente do terreno de sua expressão, seja no mundo figurativo da escultura, da pintura, ou não figurativo da dança, da escrita ou música, é muito fácil se enrolar ao tentar definir conceitualmente aquilo que é bom ou ruim, o que é certo, errado ou onde estão, ou mesmo se devem existir os tais limites para a criação. Perde-se muito ao tentar racionalizar um discurso que pertence a outro gênero de conhecimento e experiência humanas, porque geralmente essa fala explicativa opera um reducionismo ao usar uma linguagem estranha para "dizer" e tornar palatável aquilo que foi criado dentro de um outro modo de experimentar o mundo. Na falta de critérios absolutos para definição, uma vez que a arte não se curva à mera análise cartesiana da racionalidade, ao mundo hermético dos conceitos que compõem a Filosofia ou mesmo ao quadro de funcionalidades e relações típicas do pensamento científico, o que acaba acontecendo é a imposição de verdades com