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Café
(Poema em intenção de cordel) -------------- Para Ariano Suassuna I. Moço, toca mais à frente, que nosso lugar ainda não é aqui -- ele disse -- e do Alto Calçado chegou: pouca herança, o braço forte Pés pisando duro, peito cheio de esperança e um sentido seguro para os negócios Vinha assim o velho, e subia a montanha com olhos de amanhã. Nas mãos o menino baixando a meio caminho a visão sobre o vale A saudade e o sumo do que deixou para trás´ "quero é mais: terra nova, vento frio batendo no rosto" "Verde, tudo verdim, rio não longe, mina d'agua eeeh, ôoooa boi! quase tudo a meu gosto!!" O altiplano bom para o cultivo da planta A junta de malhados ralando casco na pedra A mulher de lenço branco na cabeça Serenou-se feliz no território da Água Limpa -- um quadro em sépia na sala junto aos santos -- O espaldar dos filhos penteados e enfileirados como o olhar pedagógico do pai na cadeira Em volta, as madeiras de lei, o solar e o terreiro Gaiolas e mais gaiolas
Cedo demais
em memória de Márcia É porque em algumas pessoas a morte não cai bem. Não encaixa Imaginar um fim para essa sua inteligência Seu talento pra tudo aonde botava os olhos e o coração : biologia, enfermagem, mãe, cuidar de gente: campo que sempre me pareceu o seu natural. E nos últimos tempos, no jurídico, uma guinada de carreira, como induzindo o mundo a se rearranjar em novos espaços para agasalhar tamanha força benigna em erupção Imaginar um fim súbito pra isso tudo, um fim maldito Obra de misérias coletivas e mitos que nos aterrorizam nesta triste terra até mais do que o próprio vírus Um fim súbito para sua risada sagaz convulsiva e meio fora de hora, que não tinha Cristo capaz de parar a não ser sair de perto e tomar um ar um sossego, um copo d'água (Risada meio dolorida depois do aparelho, motivo de tanta piada da turma e pirraças. Onde já se viu "véio" usar aparelho?) No entanto somos os que mais precisamos deles
O Pequeno Sol
E o futuro pai desabafava com um amigo, desses que sempre têm o toque certo: "O parto é mês que vem e eu já li a porra toda de revistas e ainda não aprendi nada sobre crianças". O cara ,do alto de sua garrafa de cerveja, responde, todo chinês: "Não se preocupe, ele é que vem pra te ensinar. Você vai aprender com ele. Portanto, cabe ficar com a mente aberta e os ouvidos atentos". ------ Recentemente casados, não demorou três verões para que ela engravidasse. No início, susto e ansiedade pelo inusitado da coisa toda. Ambos muito novos, a vida ainda por fazer e a experiência cósmica e existencial apavorante de engendrar um terceiro ser humano pela frente. Passados uns dias da notícia, como em tudo na vida, a consciência maior das grandes coisas foi se assentando e agregando a si as melhores expectativas ao preparar mentes e corpos para o importante papel a ser exercido. Em pouco tempo, aquela menina de 22 anos exibia a mais linda barriga que ele já tinha visto. Rad
O Aleph - 10 anos
Comemoração extemporânea, na verdade, porque desde abril de 2010, lá se vão 11 anos já, da criação deste Blog. Mas em abril 2020, quando a bomba Covid já fazia tantos estragos, não senti qualquer motivo pra comemorar qualquer coisa. Na verdade, quase parei com a escrita de vez. Muitas felicidades lancei aqui, muitas dores e catarses também. Belezas, terremotos e momentos de silêncio espacial necessário para recuperar o fôlego depois de uma grande alegria ou tristeza. Não houver nenhuma outra função para os textos, ao menos a mim me consolam tê-los escrito. Penso que a escrita, no fim das contas, pareia com a vida, com a respiração, com os fluxos em geral, tanto humanos quanto da natureza, em suas manifestações. Você pode metabolizá-los, metaforizá-los, mas não se deve tentar contê-los O fato é que, nesse período de mais de 10 anos de escrita compulsiva, o Blog foi meu grande "arranjador", um imenso facilitador para organizar, editar, manter o foco, em vez de simplesmente perd
Polanski
O cinema, sendo a grande arte contemporânea. Pelo fascínio que exerce, a sinestesia tomando vários sentidos ao mesmo tempo e ensaiando as possibilidades estéticas em diversos campos. É a paixão incondicional pela fotografia, o registro mágico da pintura e do movimento. É o eixo do roteiro, portanto narrativa e história. Diálogos e aberturas que evocam a identificação ou olhar crítico do público por tornar suas vidas algo digno de ser encenado. É música que enseja a maior intensidade nos andamentos, as pausa s de silêncio e fôlego e os exageros da adrenalina na emoção do pulso rápido É teatro pela dramaticidade, o corpo em ação, a grande pegada dos diálogos, e de como se torna possível ir tateando a condição humana através da fala e do gesto E é poesia, no fim, quando mistura tudo isso num texto aberto para propiciar a criação de novos mundos no espírito do espectador ---- Trabalho belíssimo de Polanski -- ele que segue fazendo o que Woody Allen não conseguiu de uns anos para cá, propo
Os cabelos do sol
Quando o dia amanhece comum e nada se ouve muito bem Ouvidos tomados pelo barulho ao redor E deixamos de lado o jornal por um instante na esperança de que o mundo pudesse ser melhor se nossos próprios olhos melhor pudessem vê-lo Quando o cinza ameaça as manhãs e a consciência vã dissolve-se em face das enormes tarefas Uma criança vem com sorriso de olhos à luz e acende o sol com seus cabelos
Box Camus
Depois de quebrar a cara com as "Obras completas de Balzac", pelo selo de segunda linha "Editora Azul" da Globo (nunca vi edição mais porqueira), tava na dúvida sobre o box Camus, da Record mas resolvi embarcar assim mesmo. Grata surpresa, o trabalho da Record é primoroso, ed capa dura, papel de primeira, contendo os três romances publicados pelo autor em vida, além do belíssimo ensaio "O mito de Sísifo", um dos textos mais bonitos já escritos e que mostra com toda força a importância do gênero ensaio como melhor fórmula de se mesclar elementos de filosofia e arte numa mesma fala. Assim como Sartre, Camus é autor essencial em nossos conturbados dias, quando a busca de uma noção maior de sentido volta a se tornar relevante, jogando por terra a superficial impressão de domínio lógico de um mundo-máquina
Mallarmé
Quando, na sua formação de leitor você implica com determinado poeta, por questões tão idiotas. Fazendo justiça a esse grande autor que apenas por pirraça deixei de considerar antes, durante tanto tempo Aficionado por Baudelaire , (até hoje) achava Mallarmé uma cópia mal feita, mesmo diante da fama Um agitador superficial diante da força contundente das imagens do seu mestre. Baudelaire é quase um místico, dessas criaturas meio sinistras, meio deuses em seu surgimento no mundo, alguém com que dificilmente outra poética pode ser comparada . Um criador de mundos Acontece que Mallarmé, ao quebrar um pouco essa seriedade de Baudelaire dá uma outra plasticidade à palavra que antes não havia . Daí, em certo sentido, abandona o mestre para correr a vida com os próprios olhos E vem, com sua mente inquieta falando sobre tudo que é tema sem privilegiar cânones ou escolas Trazendo principalmente inovações de forma, que vão influenciar fortemente o que vem depois Na torção, n