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Mostrando postagens de setembro, 2018

Décimo Round

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                                                                                                                    Para Henry Miller Jab, jab de direita., respira, respira. esquerda jab, direita no cruzado. não entrou. desvia, encaixa lateral no rim, encaixa nas mãos em concha um golpe surdo. um dois, desvia cruzado, salva-se por ora. afasta-se depois do curto clinch. tenta novo direto de esquerda. um dois, respira rápido, solta o ar no golpe. um, dois, inspira no braço voltando ao corpo. giro ligeiro do corpo com gancho de esquerda sobre o fígado. entrou. o adversário sente e faz uma careta de dor. ele continua pressionando no ataque. sabe que a potência é inimiga da resistência. são forças contrárias. ou define logo, na explosão com risco animal, ou afasta e resiste, levando pro último round. ginga, dança, ganha no preparo. sabia que a segunda hipótese, ao menos para hoje, não tinha a menor chance. investiu tudo na massa e explosão para esta luta, sem foco nenhum na dura

Hólos

I. Recém-levantados da alcova                         sentindo no ruído da minguante noite fria                              ainda  uma neblina leve que havia             que no entanto não obsedava os olhos                                                   Ora, e por que a dúvida maldormida sobre a impermanência dos sentidos quando a vigília resolvia mesmo sem ser convidada assumir de vez por que não saber da contradição que habitava o ocidente se desde muito tempo atrás quando já éramos gente até mesmo Einstein em sua incansável sede de viagens, já tinha demonstrado que nossos corpos são, no fundo esses pedaços densos de matéria                          passeando lentos no tempo                                     e que se isso tudo passasse por uma máquina ainda não inventada de desfragmentar luzes retornando-nos à matriz viraríamos energia pura novamente (e quem sabe, mais feliz) ao podermos nos espalhar por tudo experimentar todos os

De olhos e sombras

Choras, trancada neste quarto há horas borrando a maquiagem amassando teu vestido Choras, enclausurada neste falso abrigo e parte do mundo também chora contigo mesmo como tantas as outras vezes sem bem saber a razão Teu choro é orgânico e convence e nele está inscrito algum tipo de beleza inexorável em um signo atávico que persiste através das eras mesmo à sombra desses  olhos líquidos escorrendo pelo rosto abaixo Porque se o mundo soubesse que neste exato instante provavelmente já nem mais te lembrarias do porquê dessas lágrimas desacreditaria de tua versão Mas confie que comigo teu segredo estará sempre guardado Choras, nem tanto por que isso seja necessário --visto que és assim muito mais uma criatura de berros, unhas e gestos predispostos pela luz da lua -- mas apenas porque é da tua natureza essa tal espécie estranha de certeza animal que o tempo inteiro quer transformar instintos em boas razões Esse dom

O Tempo Redescoberto

                                                                                                  para Marcel Proust ---- No primeiro dia, enfiei as mãos na terra arranquei o mato, reguei meu jardim e pus a alma pra secar ao sol No segundo dia, cuidei dos cachorros dei atenção especial aos passarinhos e varri o quintal No terceiro dia, fiz meu próprio bife com feijão preto, muito alho e um ovo (um não, dois) com gemas moles por cima No quarto dia, rabisquei um poema No quinto dia, li um capítulo inteiro do romance que adiei por tanto tempo e ainda assisti a um bom filme No sexto dia, depois de ligar para um amigo com quem há muito não falava apenas para ouvir sua voz fui  passear na pracinha no intervalo de almoço, num clima de sol à meia estação, ver de perto como é que andam as pessoas que eu não conheço No sétimo, tomei um café bem forte logo pela manhã e me deitei na minha rede preferida na varanda pra ler o jornal Depois de tanto sangue joguei as notíc