Postagens

Rastro

A escadaria De dia, o campo aberto de nossas excelências que desfilam , cenhos fechados Grandes questões do mundo para decidir os carros brilhantes, o comércio                              dotô pra cá, dotô pra lá De noite, puteiro- cracolândia o mercado das carnes em promoção pedra a dez real tem de cinco tem de dois sexo a trinta amor por duas pedras "aceitamos  qualquer moeda:                                    até cartão" as marcas de sangue com pegadas no chão na descida da esquina mais conhecida pés de homem, coisa de ontem pelo tamanho, pelo tempo seguindo com um bordo de havaianas rodeado de vermelho muito escuro e denso (sangue arterial) um esfaqueamento um tiro um acidente? na porta da casa rosada onde sobem os marinheiros com a bagagem do mundo e de onde descem  aliviados no espaço enorme de uns quarenta metros de calçada nova, cidadã margens de pastilhas vermelhas centro de cimento clarinho os passos , de início

O sangue

para Lorenzo ---- Você com a sua calma o equilíbrio o segredo de manter sob esses olhos por duas décadas a inquietude dos seus poucos anos em sintonia com a própria vida A arte de ser filho e não sucumbir aos pais sejam eles terríveis sejam os mais amorosos Tão diferente de mim mesmo na mesma idade quando a ansiedade me governava o peito as angústias me desfazendo os dias e por dentro uma certa agonia o monstro sem nome que já insistia em se criar O excesso de âmago o excesso de fôlego o excesso de ver o excesso de imaginar e não sabe como expressar Combustível certo para implosões A casca tornando-se em algum momento mais grossa porque havia a necessidade real ou inventada de se preservar para não sucumbir à beleza do mundo à violência do viver As crises, a rebeldia a impossibilidade de uma fala que sinalizasse tradução dos estados de ânimo permanentemente Sentidos desalentados em idade tão precoce Vejo sua vida tão harmônica tão pra

A CRIATURA

Atentado, aquele moleque crem-deus-pai! meio bicho, meio índio meio rio, meio floresta com os pés descalços sempre fincados na terra abraçando árvores sozinho (o espírito suspenso) entre a mata e o chão falando com os cavalos ativo e arteiro como o cão pegava passarim no alçapão depois soltava tudo porque lugar de passarim é no alto, bem alto mais alto colecionava bolas de gudes (gudes semelhavam lágrimas congeladas  que olhadas de bem perto revelavam em seu cristal denso de vidro azul, verde líquido pequenas vias lácteas em miniatura, o outro-lado-de-lá-de-tudo --gudes eram portais ?) enrodilhava-se pelos piões apaixonava-se pelas pipas fugia das multidões administrava estilingues e plantações de mamona investigava formigas (mesmo as sem cabeça) espetava tanajuras botava-se bonito pra missa de domingo cabelo partido ao meio sapato com meia e camisa passada a mão levantava a saia das garotas escrevia-lhes rabiscos de amor que depois nunca enviava mor

Hair

Imagem
Hair: 40 anos do musical mais bonito   e denso dos anos 70 O poder da música, do amor e da liberdade contra as guerras

Sumo

Imagem
Sangue de uma terra em transe Videiras ganhando minhas veias O colorido a se formar atrás dos olhos quando a especial graça do mundo súbito surge onde antes tudo era pálido deserto Pujantes brasas em total desatino A razão finalmente adormecida por obra de duendes delirantes Os sentidos despertos para o que não viam antes A engrenagem sob o peito insone, imaginativa instilando o líquido insidioso lentamente gotejando sob minha pele Gole por gole na pura demora Enquanto o sol não nasce me abraça a seiva que prepara a aurora

Pulsão, Sublimação e Imaginário no "Werther", de Goethe

Imagem
"Ah, se pudesses expressar tudo isso, se pudesses imprimir no papel tudo aquilo que palpita dentro de ti com tanta plenitude  e tanto calor, de tal forma que a obra se tornasse o espelho de tua alma, assim como tua alma é o espelho do Deus infinito".... ("Werther", J. W. Goethe) "E se adormecesses? E se, no teu sono, sonhasses? E se, no teu sonho, subisses aos céus e ali colhesses uma estranha e bela flor? E ainda se, ao acordares, tivesses a flor na tua mão... Ah, como seria, então?" (S.T. Coleridge) A noção inovadora para a época, uma bomba existencial  onde subitamente os "sentimentos do mundo" passam a contar muito mais do que os "pensamentos sobre o mundo", colocaria em definitivo à margem da história o peso absoluto das abordagens racionalistas para a  sua interpretação, até então propagadas pela filosofia sistemática do século das luzes e pela ciência de época. Onde está a razão agora, depois do baque, onde está o equi

"Matrix", Alice e os paradoxos do contemporâneo

Imagem
Lembro-me, nostálgico, do conceito de futuro exposto por  Fritz Lang, no filme cult "Metrópolis", realizado há quase cem anos... A coisa toda ficou bem pior do que o gênio alemão poderia supor. A sensação claustrofóbica e a vertigem  de estar de pé em um planeta que parece girar cada vez mais rápido, num universo em contínua expansão, a sociedade pós-industrial  criando e destruindo referenciais com tamanha facilidade e volume que torna impossível a qualquer mortal assimilar a quantidade e a qualidade de informações julgadas necessárias para a sua vida. Situação de perda, que gera um certo descontentamento ou frustração diretamente proporcional à escala em que as próprias notícias, a tecnologia ou o conhecimento são produzidos. Ou seja, quanto mais informação, maior a tendência a uma relativa perda do referencial, e maior a sensação individual (em alguns casos coletiva, quando atinge determinados grupos) de perda, de incompletude, de infelicidade, enfim, de que está faltand

"Uma Temporada no Inferno" (Literatura e vida em Rimbaud)

Imagem
"25 de julho, Dia do Escritor" --------------------- "Detesto todas as profissões. Mestres e oficiais, todos campônios, ignaros. A mão que empunha a pena equivale à que guia o arado. - Que século manual! - Jamais me servirei das mãos! Depois, a domesticidade leva demasiado longe. A honradez da mendicidade exaspera-me. Os criminosos repugnam-me como castrados: quanto a mim, estou intacto, e pouco se me dá..." ----------- (Rimbaud) Por que se escreve? Para quem se escreve? Sobre o que se escreve ? Destoando intencionalmente da provocativa chamada ao  engajamento proposto por Sartre, entendo que e screver às vezes é nada mais do que procurar nosso próprio espelho, não apenas o reflexo luminoso do mundo exterior, mas aquele que possa refletir em profundidade o que realmente somos.   O impulso de pegar uma caneta, um lápis, um teclado ou um giz e sair rabiscando raivas, desejos, frustrações, impressões, histórias inventadas ou acontecidas, p