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"As palavras não são deste mundo"

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Livrinho bonito, de título curioso, editado artesanalmente pela Ayné Ed (B Horizonte, 2017) Lembra muito o excelente "Cartas a um jovem poeta", do Rilke, na medida em que uma troca de cartas a príncípio despretensiosa entre o poeta Hofmannsthall e seu amigo sempre viajando e longe da terra, não se dedica a falar exclusivamente de temas literários, mas sobre as coisas da vida, e ainda assim, aos poucos vai construindo uma estética e uma concepção da forma de pensar a própria força poética em sua ligação com a vida e o cotidiano, superando o viés da estrita formalidade acadêmica classicista como ponto de partida, ao antecipar fortemente elementos que seriam tão caros ao modernismo. https://sol.sapo.pt/artigo/518612/hofmannsthal-o-modernismo-enquanto-gesto-de-recusa

Tribunal de Rua (Dia da Consciência Negra em uma época onde o racismo -- que na verdade nunca sumiu -- volta à carga)

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TRIBUNAL DE RUA A viatura foi chegando devagar E de repente, de repente resolveu me parar Um dos caras saiu de lá de dentro Já dizendo, aí compadre, você perdeu Se eu tiver que procurar você tá fudido Acho melhor você ir deixando esse flagrante comigo No início eram três, depois vieram mais quatro Agora eram sete samurais da extorsão Vasculhando meu carro Metendo a mão no meu bolso Cheirando a minha mão De geração em geração Todos no bairro já conhecem essa lição Eu ainda tentei argumentar Mas tapa na cara para me desmoralizar Tapa na cara pra mostrar quem é que manda Pois os cavalos corredores ainda estão na banca Nesta cruzada de noite encruzilhada Arriscando a palavra democrata Como um Santo Graal Na mão errada dos homens Carregada em devoção De geração em geração Todos no bairro já conhecem essa lição O cano fuzil, refletiu o lado ruim do Brasil Nos olhos de quem quer (quem quer) E me viu único civil rodeado de soldados Como se eu fosse o culp

Pesado demais para a ventania (um olhar do negro sobre o ao-redor)

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A plasticidade das vozes e variantes do Candomblé Marcas  históricas de um corpo ainda livre, não obstante ter sido submetido tanto tempo aos martírios da raça Performance,  "poemanto" e outras criaturas gestadas pelo movimento que é também densidade e corpo enraizado ao chão Apegado à terra, tornada mãe mística e matriz Corpo sólido demais para ser varrido Voz potente e afirmativa dentro de um olhar do negro sobre o tudo-ao-redor --------' Beleza de antologia

(O Antropólogo contra o Estado) Eduardo Viveiros de Castro: a beleza, a relevância e a contundência da Antropologia Cultural e seu sentido de liberdade

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https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-antropologo-contra-o-estado/ (matéria publicada há cinco anos) https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/11/politica/1570796332_223092.html (matéria recente El País, sobre a situação indígena no país)

Séries Netflix e Amazon Prime

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Melhor série weird Netflix:A química da dupla é imbatível Mistura de cinema Wes Anderson com Irmãos Coen (delicadeza em um mundo tosco, inteligência e senso de humor britânico para quem sabe rir) 60's best soundtrack ever  https://popcultura.com.br/2018/01/21/ouvir-the-end-of-the-fucking-world/ Black Mirror: Mesmo sem o gás do início, ainda uma ótima pedida. A série mais inteligente já levada à telinha Stranger Things; Finalmente assisti até o fim, e não me arrependi. Uma das  melhores séries. Que garotinha foda!! Versailles : Melhor série histórica. Composição de época, diálogos, fotografia, e apesar de série histórica, um roteiro e criação de personagens surpreendente.  Adrenalina do começo ao fim No quesito "mundo real", a melhor. Tudo funciona bem ali, no mundo em ruínas de Peaky Blinders Flea Bag: melhor série humor, Waller-Bridge, desengonçada, politicamente incorreta,  e além de linda, é incrível (Amazon Prime) Ameaçava perder

Pacha Mama (la unica verdad)

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Obra-prima

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Desafiando o conceito de obra-prima para um jovem escritor iniciante que ainda escreveria Recordações da casa dos mortos Crime e Castigo Os Karamazov Memórias  do subterrâneo O idiota Noites brancas ------- Uma prova da atemporalidade da arte, mesmo quando seus temas adentram o esqueleto do seu tempo ------ Lançamento no final de novembro Só que há 170 anos atrás Parece que foi hoje

Vertigem

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Nesse caminho trilhado onde a estrada te escolhe mais do que teu senso a ela Porque ambos se pertencem Te espantaria, ainda, sentir vertigem , depois de tudo? E se tuas questões não são grandes o bastante? E se além do dado do constatado do acreditado vivessem outros universos à espreita, designados e coordenados por outras forças silenciosas? E se as críticas das certezas jamais terão sido suficientes para se tornarem nada além de jogos de criança até aqui? E se o próprio biológico como evidência, fosse nada mais que um prato servido frio na mesa das ciências? Continuarias, ainda assim? Cavarias, cada vez mais, sabendo, de antemão, da chance de um outro fim?

O Canto XVIII

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O desenho do escudo de Aquiles  tal como interpretado por Angelo Monticelli,  em  Le Costume Ancien ou Moderne , c. 1820 . Sentimental demais Numa dessas noites onde as lágrimas desossam a face sem aviso fazendo vergonha a qualquer adulto Antes que o juízo se compraza em acusar diante do tumulto sentimentos deflagrados por um texto A memória de vintecinco séculos alivia as pontadas por não ter sido a primeira vez O primeiro impacto aos 17 quando o tal muro me surgia na Ilíada junto com o cavalo bravo de Heitor correndo sem rédeas Eu montado no pelo da criatura indócil e a vida espumando pelas ventas O mundo ruindo por Helena A honra de Menelau A ganância de Agaménon As flechas de Páris A fúria de Ájax A sagacidade de Odisseu A coragem de Aquiles O segundo impacto, aos vintepoucos A rica leitura, quando a lavra se mostrava  tão dura em tristes cotidianos mesmo fingindo que não O terceiro era já aos trinta quando nasceu o filho e toda a comoçã

"Pálido ponto azul"

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para Carl Coração é  pra ser essa coisa assim em-grande, porque de que vale ser humano e ainda apostar na barbárie? Nessa natureza previsível que nos expulsa do âmago, seremos sempre os estranhos A dor, o trágico, a quebra, o mal são as experiências que nos condicionam pela vida afora, independente da época Independente da bandeira Nada possuem de novo, nenhum valor acrescentam Um grupo subjuga os demais se apropria das riquezas cerca as fontes não quer repartir sua comida, e reúne-se para massacrar outro que não fala sua língua, não professa seus deuses e corre o risco de se extinguir Já está legitimado, pelo ato agressor todo o direito de reação por parte do grupo ameaçado.  Eles lutarão contra a fome, por suas famílias pelo direito nobre de existência e seguirá sempre a espiral de sangue Como cansa pertencer à raça! A vontade de ver além das nuvens é o que motiva O diferente é a delicadeza, a beleza o devorar e digerir o mundo sem se extinguir

Narciso no espelho

Ele tem esse traço delicado sem deixar de ser viril Uma suavidade e um desespero que transcendem em muito as noções admissíveis que em geral eu um homem admitiria para outro do mesmo naipe sem confundir as boçais patrulhas de gênero (que tempo idiota, este!) Uma inteligência interativa que salta logo dos olhos ansiosos para capturar o espaço do outro Facilidade nas rodas e a vibe musical A capacidade de assimilar novidades com uma velocidade impressionante, uma inteligência ainda que não leve, mas capaz de densidades generosas E, por trás de toda aquela cara feia quando bravo  e uns rompantes meio que de menino, -- descobri logo -- Era um doce esperando ser apreciado (um doce desconfiado) Fôssemos melhores amigos eu o mimaria com todo cuidado -- e à sua eloquente fala --, sempre tão bem arrazoada, para os dias difíceis Fosse um filho, eu o quereria pra mim, não obstante me lembrar mais um tipo de pai, desde tão jovem às vezes excessivamente aj

As águas

Outubro chegou em novembro e com as chuvas veio a verde grama a vontade de não levantar da cama apenas pra continuar ouvindo no jardim essa sinfonia de águas a descer do céu Entortando galhos, lavando as telhas A relembrar a experiência das goteiras enchendo bacias no quintal Sob essa coreografia  dançam os elementos que até há pouco silenciavam, latentes, à espera A terra, generosa, que ressecava em silente caução, volta úmida rompendo crostas com seus brotos Passarinhos em inspirados sopranos acordam os sapos barítonos de Bandeira Libélulas extasiadas pousando cores As gotas d'água -- vertidas em chuveiro, são grades líquidas e barreiras de contenção Enquanto nos campos uma outra beleza se instaura as neblinas fora de estação suspendem cumes de morros pastos verdes estendem seus tapetes para efêmeros arco-íris que tornam às vistas em finais de tarde sem aviso Os trânsitos constipam a cidade Os lugares abertos ficam inacessíveis As pessoas se brit

Relâmpagos: Dizer o Ver

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O metabolismo, as contorções as metáforas como cobras trocando a casca e evoluindo enquanto descobrem o caminho Espinhos letrados em asas e dentes Necessários quando a palavra precisa voar para dar vida a outras criaturas ou afundar-se no corpo sólido do volume do relevo, da figura Uma experiência de gestação pelos olhos de um grande poeta A Fenomenologia da beleza ------- Ferreira Gullar, "Relâmpagos: dizer o ver", Cosac, 2a ed 2007)

Minha Religião

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Caminho com a beleza à minha frente Caminho com a beleza atrás de mim Caminho com a beleza abaixo de mim Caminho com a beleza acima de mim Caminho com a beleza ao meu redor Belas hão de ser minhas palavras Belas hão de ser minhas palavras Belas hão de ser minhas palavras -------  evocação dos índios Navajos

As Ondas

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A propósito do aniversário de Sophia ------------------- Tormenta em lanhos de pedra  bate forte bate fraco bate o mar sem cessar Verde rugoso, todo-jade como o leito dos olhos da menina bonita na feira O arroubo das ondas sobre os recifes  A espuma que vem trocar o sal dos lábios  Dissolvendo quartzo em consciência mineral Uma vida à beira-areia  jamais será uma vida perdida As tardes na contemplação  Conversas aos pés da brisa Fechar os olhos e flutuar Albatroz nascido para o vôo ganhando o espaço  de uma existência  Que seria desse imenso mar Que agonia, Sophia! Como ele ainda existiria  Não fosse o seu olhar ?

Ler e escrever

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Aos 70, aposentado aprende a ler e compra primeiro livro na Feira: "Não sei se mereço tanto" (João Carlos, guardador de carros) "Escritora chora ao descobrir que livro dela é o primeiro da vida de aposentado de 70 anos". Ao  ler reportagem de GaúchaZH,   Ana Cecília Romeu prometeu realizar uma oficina com a turma de João Carlos dos Santos, que aprendeu a ler e comprou uma obra dela na Feira do Livro: Ao ler a reportagem de GaúchaZH sobre o dia em que o estivador aposentado e guardador de carros João Carlos dos Santos, 70 anos, visitou a 65ª Feira do Livro, na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, e comprou uma obra pela primeira vez, Ana Cecília Romeu não conteve a emoção. O livro escolhido por Santos era um dos escritos por ela. ------------ Ler e Escrever Como foi o primeiro instante onde, paridos  de um segundo nascimento A instilação da vida se fez assim em nós mais forte afastando os augúrios de morte adentrando a fina teia dos poros dis

Robert Louis Stevenson

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A racionalidade A ciência O tato Constitutivos das virtudes alardeadamente nobres do homem civilizado A adequação, a submissão às regras Ao ponto de se ameaçar extinguir o próprio homem O resgate do instinto A morte das convenções O pulso primal no estômago O resgate da pujança de viver A vida em singularidade e proeminência do indivíduo como incisiva ameaça às amarras inevitáveis do coletivo A perenidade de um dos maiores textos da literatura

Etílico

Uma dose, duas três Não me ponham outra vez o gim gelado com limão à minha frente O poder do álcool sobre o texto A respiração A visão A insônia A tensão O pulso o peito acelerado O fluxo do corpo congestionado O palco todo armado Para que outras narrativas de mim surjam, ao fim Mancando sobre o papel Um coração vomita-se inteiro em amargas porções Quem pode querer tudo ao mesmo tempo agora Espetando a vida contra os desejos Quem viveria impunemente suas mais verdes pulsões? Quem ainda se enquadraria no desígnio de continuar sendo aquilo que se tornou quando a ebriedade é este irrecusável convite? Ceder às aparas medianas do estéril controle externo patrocinado tristemente por reencarnações seguidas das mesmas despeitadas almas Ou albergar o monstrinho sorridente e criativo cuja energia jamais se esgota? Encarnando Hyde por uns tempos percebi, surpreso, que é na verdade  Jeckyll que me sufoca é Jeckyll quem me maltrata Mas não importa

Sobre meninos e facas

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Desde pequeno adorava facas, em suas mais variadas formas. As facas “Facas”, propriamente ditas, incluindo as mais comuns, de mesa: aço inox sem ponta e geralmente sem corte, as únicas autorizadas pela mãe, para seu desespero; as facas de ponta de ferro; maiores, mais afiadas, triangulares e de cabo de madeira, roubadas, escondidas da gaveta da cozinha e malocadas dentro da bermuda e perto da barriga, disparando numa perigosa fuga em velocidade quintal afora, para contemplar mais tarde, isolado e sossegado, o objeto sagrado do pequeno ato furtivo; havia também os enormes facões de mato, desbravadores, cujo acesso era raro, destinado a poucos, e que ficavam hermeticamente trancados na sala de montarias no andar de baixo da casa de Chácara. Nas ocasiões secretas em que se aproximava da velha sala sem ventilação, abria com um esforço sobre-humano uma fresta na janela de madeira e podia contemplar aqueles objetos sagrados, como um “Indiana Jones” menino, abrindo as tumbas intactas de