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Estranhamento

Sou um estrangeiro em meu próprio mundo o tempo, que importa o tempo? que passe, que deslize sua suave guilhotina sobre pescoços, pessoas e coisas ao redor Que o tempo transforme os segundos nessas agulhas de prata que rasgam atravessadas quando entram  pelas frestas entre nossas costelas salpicando seus ácidos suspiros sobre a face cansada e marcando a golpes de cinzel suas curvas e pontos enquanto derretem sua escrita insincera rosto abaixo Deixem o tempo brincar de ser isso pouco me importa se tudo fosse imóvel e nada fosse objeto das transformações, ainda assim eu não me reconheceria nas coisas que me rodeiam não refletiria meu rosto nesses falsos espelhos estagnados pois se algo é capaz de subsistir sem ser um mero reflexo (pálido) de si mesmo ainda que por um segundo, em narrativas de contos de fadas esse algo seria inominado e habitaria uma profunda caverna inexistente, somente o sonho de uma possibilidade que por paradoxo não teria nome e por não ter nome

Mãe da Lua

Itz, minín, sai da rúa e entra pradêndicasa já! sereno caíno, Mãe da Lua já chamô trêis vêis sá mãe tá chegâno iqué vê tômunjunto di bãe tomado arre! Minín tentado. Tá c'os ispríto sô? nos meu tempo a correia cumia no lombo! Gilzim, o mais pequeno, o mais pretim de seis irmãos multicores de volta do seu artelívrio profissão brincadeira, na porta do quintal do sério, arrelia sol se pôs na cacunda, a febre de ser moleque se pudesse , pelas noites ardia,  Gilzim mas como não pode, queima mesmo de dia Auscuta só, moleque, qui vô dizê só u'a vêiz si pegá ocê  di novo na árvi, leva de chinelão na orêia íz, causo qui seu pai nuntáquí, qui sinão a surra era de correia seu pai assumiu-se no mundideus por dênd'úa garrádipinga i dexô sá mãe cás mininada todinha tomá conta dicomê qui farta é nhá Rosa quem agarante no precisado qui si nuéra os pessoár da vila nem num tinha ôtra saída

Metamorfose

Esforçar-se o tempo todo para ser formiga andar com formigas pensar como formigas aprender a comer  feito formigas no tempo próprio de formigas E ter nascido com asas e ter nascido com voz para cantar e não ter garras para carregar mas para tocar Não ter vocação para contar o tempo mas gostar de ver o tempo passar gostar da rede, do livre movimento de uma agenda focada em si mesmo ser o sujeito principal de sua própria vida a sina de tentar ser formiga quando a alma nasceu cigarra nasceu cigana e existe  para dançar Reconhecer sua natureza e fazê-la vicejar contra a lógica da era desafio de rachar tijolos estourar  o mundo previsível de formigas acumuladoras deixar chegar o inverno com vida, viola e vinho na despensa Esta a  verdadeira metamorfose transformar-se naquilo que se é

SANATÓRIOS E SANITÁRIOS

* Por Antônio Rocha Neto Sanatório o são faz para o louco. Sanitário, dele fazem uso o louco e o são. Sanatórios são sanitários onde o louco é defecado pelo são. Sanitários de sanatórios, são coisa de louco! No sanitário do são, habitam as loucuras da imaginação! Mas loucos...quem são? Quem é louco de se dizer são? Na minha opinião, Talvez de louco, quiçá de são, Só os loucos são!

ESCOLA DE POESIA

* Por Marcos Oliveira   Versificar não é pequeno Mesmo grande de mundo A ser descoberta a medida Universo pessoal do poeta... O tamanho de gente feliz... A imensidão do espaço Da poesia cabe em estrelas No céu e firmamento Na palma da mão. E nada mais não...     O amor do poeta O sentimento da poesia Viaja pela imaginação Intuição e  insight Em tudo que imagino. Amanhã garimparei O chão de estrelas Os astros e a mão Do velado que inventa Versos lúdicos do poeta.

Caminho de praia

Manhã de julho. Sol frio que cega pelo brilho. A volta do caminho pisado, da longa caminhada pela praia, sal e  sol nas costas de uma manhã qualquer de inverno. Pés afundando sem destino. As folhas das folhas de verde, à beira da estrada, tornadas amarelo. Aquelas que ainda persistem na falta d'água, nesta seca que castiga fora de época, nos meados deste  inverno. Cactus imponentes, Guriris fortes nessa areia que desanima raízes, vento cortante e rude chicoteando pernas incautas com garras  de areia. Nada inspira otimismo quando faz frio e o vento desfolha sadicamente as últimas castanheiras da estação. O sol não se impõe, de propósito. Apenas afasta-se orgulhosamente e deixa os humanos às próprias nuvens. Neste caminho de praia , em meio a tanto cinza, a única cor é o amarelo daquela pequena flor, à beira da estrada. Parece apenas mais uma flor comum, como tantas outras. Não sei o nome, não sei a espécie, nem mesmo o apelido. E eu que achava que sabia tudo. Sua foto não está no

Profissões em baixa II

*Por Adrianna Meneguelli E se eu decidisse ser poeta? Perscrutar esferas e cosmogonias que não fossem as minhas...enxertar desejo em cotidianos rarefeitos...Seria um encontro, definitivo, sobre-humano, que me faria jogar tudo para o alto, abdicar de ser direito, assumir atos desviados, repintados de movimentos gauchescos. Idéias novas irromperiam no dia-a-dia plano, e as coxias em transe subsistiriam incólumes ao palco conformado, à parte de toda horda infame que se esparramaria bacante pelo lado avesso. Seria eu então o anti-contexto, o desconcerto do fluxo, ou apenas mais um marginal pedante? (extraído do blog: http://prosasludicas.blogspot.com )

Profissões em baixa I

* Por Adrianna Meneguelli Cansei de ser arquiteta. Medição de rua, circunscrição de bairros, perscrutação de atalhos, suor pouco agradável. A matemática me enganou, tornou-me irracional convicta: não há lógica que subsista a tanto desencontro no espaço humano. Com profissões falsamente pragmáticas flertei desconfiada, só me faltou ser puta. A síndrome da seletividade exacerbada privou-me do prazer que poderia sorver em esporádica labuta. Melhor ser artista, fingir que desenha, que pinta, que cria coisas inovadoras... glamour da imagem, da produção só corpo fazendo a cena. Pouca profundidade, circular esporadicamente em vernissages ...basta. E que não me cobrem mais nada, entender o básico já é muito difícil! Se chamarem para palestras, é só falar da última proposta ou da última idéia. É prazeroso ser egóico. E se for efêmero demais? Talvez produzir vídeos: basta comprar óculos deslocados e se fazer de inteirado. Mas é deleite acessível a poucos, aos que têm grana ou co

Goethe

Seguindo as estradas possíveis do livre pensador, o eterno dilema de Fausto acerca da valoração coletiva dos objetos que constituem a essência de qualquer ordem social; as figuras emblemáticas do bem estático e do mal dinâmico... o conflito interior entre o Mephisto que há em cada ser humano e a sua luz própria... conflito que há de ser resolvido em prol de uma vida maior. A estagnação benevolente ou as trágicas mudanças? Não se estanca uma narrativa por lembrarmos que na história desta  triste raça, guerras trouxeram mais benefícios que a chamada "paz". Isso para não falar da arte, que pressupõe quase sempre um estômago forte,  além de uma alma inquieta e guerreira. Haveria dúvidas realmente em sua concepção, sobre a razão de ser, as justificativas para a ação humana, e qualquer tipo de  preocupação com essas pequenas formigas que trafegam mecanicamente em seu contínuo ir e vir?? O poderoso e perigoso ímpeto alemão do espírito absoluto do tempo subjugando os destinos individ

Velas

Brumas de outono céu sobre navegantes terras e praias distantes espumas e água salgada rebentando na proa dessa fragata Se lhe disserem que amor é vento minta diga que amor é vela que impulsiona qualquer barco ao infinito assim como se apaga à menor brisa Ilhas perdidas ilhas me aguardem enquanto o barco se aprovisiona viver é apostar contra a brisa enfunar as velas e seguir sempre com o vento

LÓGICA DO SENTIDO

Por Marcos Oliveira Lewis Carrol é o explorador da superfície. O pensamento da aventura de Alice no País das Maravilhas. Alice é um sujeito sem determinação, uma mônada simples, alguém que promove a aventura do outro lado do espelho para se constituir feito sujeito, processo de determinação. O mundo de Alice é fantástico e obtuso, pleno não de fantasia, mas irrealidade, mundo sem sentido e significação: o espaço do não-sentido... Antonin Artaud criticou Lewis Carrol em seu poema dos peixes ao qual pretendia traduzir e que não o fez, devido a superficialidade e afetação de um efeminado, o menino que não pretendia enfrentar a condição de pai. Antonin Artaud desceu às profundidades, promoveu uma escrita da carne, do corpo, da crueldade, não dos órgãos, mas da violência e devoração, dos regurgitamentos e dos gritos... A escrita de Carrol segundo Artaud é de alguém que devia ter boa alimentação, plena de jogos lógicos, de non-sense, de humor superficial, assim feito uma menininha se desc

Verbo Mar

Por Antônio Rocha Neto Gosto de andar, mais que de correr, de ouvir, mais que de falar, de cantar, mais, muito mais que de dançar, gosto de ler, de escrever, de declamar, ... gosto de amar, gosto de mar e de rio, e rio de pensar que mar parece um verbo, como verbo é rio, exprimindo a ação de correr e desaguar no verbo mar! Toda porção de água me lembra verbo, ação, até mesmo o lânguido lago, manso, parado, com o mundo a espelhar. Eu lago, tu lagas, ele laga, ela, lagoa, nós (ela e eu) lagoamos, vós lagoais, eles lá, lagoam. Tem gente que fica oceano de um lado para o outro, sem direção, e não açude nem que sim nem que não ... mas que riacho de gente sem ribeirão! Eu não, eu sempre córrego, dia sim, dia não. É só chegar na minha beira que você vê. E se eu poço, talvez você também poça ... Mas vamos parar com tanta água, que água mata a sede, mas também pode afogar, e aí vem muito choro, que é também água a rolar! Eu gosto de verbos, gosto das águas, gosto de mar. Ah mar, ah mar,

O Poeta Especula

Por Marcos Silva Oliveira                                                                                                                                            Ser poeta para transgredir Poema que fosse choque Acordasse as pessoas -; As fizesse enérgicas.                                                                                                                                                              Poema que coubesse O amor à vida Luta de empreendedores O explodir das sensações. Poema que construísse Novo mundo. Coubesse esta esperança A transformação a definir. Que o poeta em aventura Amasse de outra forma Os bichos e o homem; A natureza e a mulher. Que a poesia rebelde Indicasse o caminho Vertente para nova tentativa Da jornada humana.

Terra adentro

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(Para  Rosa) Lâmpadas esmeraldas e águas verdes da alma por botes e  rugas de cristais e pedras _ Moço! Jamais se apreça o que entra pelos olhos nestas vidas nestas gemas em paredes de terra... Águas do chão do deserto, sertão formas em levante contínuo, escarpados: solidão. Bandeiras e coroas o domínio da selva ou como diria um grande amigo "O relegado do espaço". Geografias de gigantes abandono  que se quer nação. Gerenciar quereres e ainda continuar amado desejo apenas de não ser esquecido? Sigo, não importa. Seguir sempre como animal de sela que sempre torna ao destino de partida Destino? O que seria, pois... Navegar sem bussola, sem remo, sem tripulação essa nau dependendo demais da sorte. chuvas que não atrovoam bons presságios não trazem. Terra adentro rasgada, a natureza por testemunha e viva comida lembranças de quando não se era nada. Saudades até, pueris mas importantes estas fazendo parte daquilo que viria a ser depois,

A criança que ainda vive em nós.

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Como Treinar seu Dragão Toothless é um mortífero dragão da espécie Fúria da Noite, e Soluço, o menino Viking, descobre muito cedo que possui mais em comum com um dragão do que com o resto da raça humana. No primeiro contato, o garoto sai à caça e é, na verdade, caçado pelo Dragão, que decide não matá-lo por algum motivo. Em vez disso, foge, assustado. O menino  adota o dragão, e o este o aceita como amigo. Juntos, voam e aprendem reciprocamente coisas novas sobre  as duas raças de inimigos ancestrais: o menino sente que seu amor pelo dragão poderá matá-lo, ao domesticar e expor sua natureza selvagem e pura às barbaridades do mundo humano, e o Dragão percebe que não pode deixar seu novo amigo à própria sorte nesse mundo  inóspito. Nos dois casos, o humano é o mal que precisa ser superado. Ao final, a mbos são salvos pela coragem.

Náiades (Ou: O tormento de Ulisses)

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De repente, esse som indescritível flutuando no ar de uma loja de cd's qualquer, numa noite perdida de quarta.  Algo que chama sua atenção , o agarra e  transporta daquele burburinho caótico  típico de todos os shoppings, cativando-o de tal maneira e fazendo-o sentir que, dali em diante,  nem sua percepção musical jamais será  a mesma , nem aquela loja será lembrada somente como mais uma loja. ------------------------- Sonâmbulo Céu/Sérgio Machado/Bruno Buarque (CD Vagarosa - Latin 2009) Numa espécie de limbo O sonâmbulo anda feito pêndulo Ora pende dormindo, ora pende contra o tempo E faz deste inimigo, atrasado, correndo Justifica um vazio interno, imenso Fugas mentais ocupam os pensamentos E se torna incapaz de ocupar a si mesmo  TVs, zines, jornais, químicas num intento Bloquear os canais Domesticar seus anseios Que é bom desconfiar dos "bons" elementos Feito histórias de Moebius vão tirar sua visão E te dar olhos passivos adequados ao padrão

café da manhã

Sobre a pergunta que me fez ontem, e se a vida fosse esse jeito diferente de brincar de ser sério? Se eu estivesse num dia bom, e conseguisse deixar de lado esses péssimos humores matinais que naufragam com a minha existência antes das dez da manhã, talvez eu lhe respondesse , sem espanto, entre um gole e outro desse café amargo, que minha única seriedade na vida foi pensar, por um instante, num sentido amplo, cristalino e tangível para todas as coisas. Uma amarração dos objetos e seres e suas histórias num emaranhado inteligível de palavras explicativas, algo denso e ao mesmo tempo vivo. Não há como não falar nessa obsessiva, incansável, atávica e auto-iludida necessidade humana (que é claro,é a minha também) de ter que racionalizar os acontecimentos, como crianças em suas primeiras leituras, procurando qual a lição da historinha que acabaram de ler. Essa ansiedade pela unificação lógica entre o pensamento e as coisas, entre o mar de subjetividade que me permite ser o que sou e me

seguindo o trem

sigo matando sigo morrendo cada dia um pouco e no espaço em que lhe escrevo esta carta não há consolo não há reparação que possa desencontrar o destino certo da solidão tudo o que eu tinha era somente sua vaga lembrança entrecortada entre garrafas vazias entreachada naqueles rascunhos  no chão amassados de tocos de lápis mal lapidados, papéis mudos exterminadas plantas antes de vingada a semente sigo na linha desse trem, tropeçando enquanto penso se ainda posso alcançá-lo nado contra as correntes que nos destinam outras margens que nos desviam de nossos reais propósitos que nos fazem pensar que tudo na vida é igual e que por nada vale a pena lutar de verdade cuspam-se as implicações dos cíclicos pensamentos não há que se digerir tudo o que se come, afinal

Alice

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http://www.youtube.com/watch?v=Xq0TmSV5PB0&feature=related Amizade é um lugar ao sol ocupado por mim e por você encontra-se fora de nós mas pertence-nos  igualmente, sem se deixar arrebatar Não uma pessoa, não um objeto é calmaria e terremoto, é contradição sujeito autônomo de si mesma e ao mesmo tempo relação Amigos (e eu que não os via há tanto tempo...) a saudade chegada numa só vez, no tapa de um só dia acumulado de todos os anos faltava em mim, nesse vácuo ocupar aquele espaço que só sua presença calaria aquele espaço que é na verdade uma terceira pessoa entre eu e mim, um outro necessário impedindo que me perca