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Sintomas

Sintoma de tempo é cinza de carne é  corpo de visão é riso de doce é ácido de noite é dia Não existem pecados sob as sombras da utopia Sintoma de poesia é o espírito desembestado a tomar posse do mundo agarrando-o pelos olhos pelos cabelos          pela pele               pelo cheiro                        pela vulva Torto, caótico, profundo alquebrado, injusto, trágico o mundo não me cai como uma luva segue mágico          segue sendo mundo (O único ) Sintoma de vida é  saber sentir a tal intensidade e assumir a  liberdade que me circunda sendo sincero e aberto comigo absorver essa energia que me molha sem imaginar que as coisas sempre giram em torno do meu próprio umbigo

Aluar

Adensando a madeira validando a colheita levantando as marés talhando o sangue orientando as formigas servindo a guia antecipando os partos enchendo os cabelos cevando  demônios incitando os lobos granulando a terra regendo a relva alimentando raízes tecendo o sumo torcendo os conceitos melhorando a saliva piorando o sono tresloucando o tato justificando os loucos possuindo a noite desobrigando lanternas incentivando fogueiras obsedando as estrelas maturando a seiva riscando a noite protelando o dia

Meu anjo franzino

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para Bernardo Boldrini (Be) Entre fotos e notícias depois de tanto tempo De início, nos burburinhos (todo mundo sabia, restava provar) Os rastros de uma infância abandonada algo por dentro apontava o mapa do destino mortal De pé, depositado na curta cova vertical que te destinaram em tua última viagem à beira de um comovido riacho Menino  franzino, com frio e sozinho como em tantos outros momentos do teu curto caminho por este vale de lágrimas O vale por onde seguidamente (e sem  saber a razão) estiveste mendigando afeto mendigando comida mendigando um teto aos próprios pais mesmo tendo nascido em berço de ouro Não adiantou a homenagem do dia das mães Não adiantou o teatrinho do dia dos pais Pois o monstro da ganância quando vige quer sempre mais, sempre mais A mãe de verdade,  tua única proteção também ceifada assim, de súbito entre tantas dúvidas Meu menino franzino essa tua incomensurável força interior espalhada por dezenas de fotos

Escrever

Como busca de beleza em um mundo cruel, que faz qualquer estética parecer fútil? Como realização diante de uma vida em geral tão restrita em que grumos de capital, ou da ausência dele grumos de saúde mental ou da ausência dela continuam fazendo de delírios a única realidade possível? Como protesto e revolta, energias tantas vezes vãs diante dos portais reiteradamente fortalecidos pelo sumário das crenças injustificadas e suas tolices pela estupidez involuntária e certeira a alvejar multidões? Como busca de saída em um mundo de cartas marcadas onde há tanto talento, mas tantas vezes os papéis de destaque são roubados pelos piores atores representando as mais pobres peças? Escrever como puro ato de desvario , tendo em vista a insurgência diante do mais empírico desnorteamento das instituições e do esgarçamento dos valores afirmativos da vida que depõe contra os próprios indivíduos? Para testemunhar a tolerância forçada com o terror que se instila progressivo sem que nada , nenhuma

Absurdo e Caos

para Albert Em meio a tantas tragédias ainda o erro herdado de admitir os primórdios como intocado paraíso que em algum momento ruiu O remédio, a ciência, as crenças tudo é um tipo de erro planejado para se forçar a fé na vida fazendo do sentido a única razão e da razão o único sentido O erro de se imaginar o passado como bem o devir como o mal cultura e herança em nossas mãos de ocidentais por conta da nostalgia de uma infância coletiva (que nunca houve, isso é bem verdade) no princípio dos tempos onde todos se amavam e se davam as mãos por todos os cantos do planeta até o momento da queda A  verdade é, não apenas Antropofágica [porque nada há no homem de tão especial a esse respeito] mas sim um contínuo fluxo de apropriação da vida, indistintamente, por nossa raça Fagocitamos tudo ao redor como amebas ensandecidas Temos a força e nunca sabemos o que fazer com ela seguimos por equívocas veredas O erro de ainda se iludir por conceber que a vida e

A invasão

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                     No começo, ninguém desconfiava de nada. Vieram assim, sorrateiras, esgueirando-se por pequenas frestas, povoando nichos de sofás, camas, forros de geladeiras e armários de roupas e sapatos. Com presenças mais discretas e silenciosas durante as estações mais frias, tornavam-se contudo explícitas e corajosas nos dias quentes, anunciando uma nova ordem de terror. Em algumas épocas, tudo silenciava, e inusitadamente passávamos alguns incríveis dias de paz. Mas no decorrer de dois ou três meses,  logo estavam novamente em toda parte, multiplicadas como se durante o suposto período de hibernação tivessem não apenas acumulado força e estratégia, mas também copulado compulsivamente e se reproduzido em batalhões à exaustão durante cada precioso segundo de tempo disponível, dada a quantidade assustadora que a cada ano  só aumentava. Minha mãe se estressava com aquelas criaturas mais do que com qualquer outro tipo de problema em casa. Não tinha questão com vizinhos, orç

A Carne

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A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Que vai de graça pro presídio E para debaixo do plástico Que vai de graça pro subemprego E pros hospitais psiquiátricos A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Que fez e faz história Segurando esse país no braço O cabra aqui não se sente revoltado Porque o revólver já está engatilhado E o vingador é lento Mas muito bem intencionado E esse país Vai deixando todo mundo preto E o cabelo esticado Mas mesmo assim Ainda guardo o direito De algum antepassado da cor Brigar sutilmente por respeito Brigar bravamente por respeito Brigar po

Torquato

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"Geléia Geral" : a Dor ---------- "Existirmos: a que será que se destina?" (Caetano) A potência-em-vida do poeta A potência-em-morte da poesia que se reencanta em versos Quando a vida periga ser maior que o viver e de uma hora pra outra descabem-se uma coisa da outra A intuição feliz da organização de Ítalo Moriconi, nessa obra de tamanha beleza, encontrada seleção e síntese de uma arte sem igual, de um artista incomum cuja obra só resvala os ecos mais verdadeiros em pulsões de profundidade e largura como num Camus, num Sartre, como num maio de 68 ao propor questões  que, valorizando a estética do "regional", não se  limita aos condicionamentos  da época ou do lugar ,mas transcendem em busca do desconhecido que há no mundo A Tropicália original em movimento, potência e música sendo no fundo a visada e um expoente legítimo  do melhor  existencialismo bebendo na fonte francesa e se expandindo com a libe

Coisas boas da terra

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Primeiramente, um alerta: não sou do tipo que acredita em "arte regional", portanto nem de longe me chamem para celebrar "A literatura capixaba", como se isso de fato fosse algo real, e ainda, algo digno de nota por alguma razão. Trata-se de um enorme equívoco, apesar de largamente usado pelo jornalismo local, esse conceito, porque creio fundamentalmente que arte, seja aqui ou lá no quinto dos infernos que seja produzida, é sempre o testemunho humano sobre o mundo e a vida, independentemente da forma com que seja produzida ou em que se faz para chegar até seu público. Por isso, atrai para si, desde sempre , uma idéia universalista do que é ser gente no planeta Terra, independentemente das intencionalidades ou o contexto de sua produção. Ainda que sejam naturais e louváveis iniciativas pragmáticas e de incentivo cultural do tipo financiamento público para autores e artistas locais ou regionais, seja por município ou estado da federação, ainda que sejam desejáve

Melhor releitura do ano

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Um soco na boca Melhor sentimento para traduzir Um ano como este, de 2019 Que ainda está no segundo mês Drummond, essencial Na tradução de toda essa dor o atordoamento dos sentidos a perda de qualquer esperança de racionalidade em nossos dias

Brinquedo novo

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As vaidades e prazeres do ego, superando com folga qualquer atribulação O mundo inteiro se acabando E eu só preocupado com minha coleção de obras completas do Saramago Que acabou de chegar em casa, com aquele cheiro  de livro novo E cara de brinquedo novo pra Uma criança curiosa ------- **Que edição maravilhosa, da Companhia das Letras !!! Pra tentar não deixar tanta saudade dos tempos mágicos da Cosac & Naif

A vendedora de cocadas do Parque Moscoso

Crianças e v elhos sob as sombras salvadoras de um dia quente Reflexos no velho lago de cimento azul com sapos e garças artificiais Os olhos sangram enquanto passo a vista nos jornais Sem saber ainda ao certo se enquanto eu leio os jornais Se é  mesmo para ficar ou continuar perplexo E assim alimentar esse outro tipo de realidade Um vício tóxico em adrenalina e notícias ruins Para, inconscientemente, fazer minha própria catarse E perceber, em algum momento, que habitamos Uma espécie de paraíso, se por acaso, você Até essa hora da manhã de uma quinta qualquer Ainda não foi a tropelado, assaltado, perfurado por balas Ou mordido por algum cão raivoso  Não sei se procuro isso, ou  no fundo,  Como o bom menino criado pela minha mãe E influenciado, ainda que pouco, por aquela Velha e estranha inafiançável confiança na vida Ainda busco alguma esperança humana ou espiritual De q ue uma hora possa surgir algo diferente E que as notícias estampadas em m